Prossegue e intensifica-se a campanha a favor de um consenso de "alcance
estratégico" entre partidos do "arco da governação" - mesmo que no seio
do PS se observem matizes e honrosas posições que remam contra a maré
-, representações económicas e sociais que, no fundamental, dominaram o
rumo do país ao longo das últimas décadas, beneficiários de negócios
chorudos, de jogos promíscuos feitos com troca de favores e de lugares
entre o espaço privado e o espaço público, formadores de opinião de
serviço e mesmo alguns jornalistas que gostam sempre de não desagradar
ao poder. Trata-se de um consenso de imposição de sacrifícios e
empobrecimento, construído escondido do povo.
Este consenso que, com pequenas altercações, tem sido a base da governação a que temos estado sujeitos, é um consenso perigoso, que cheira a podre e tem de ser destruído. A sua revitalização e consolidação para o futuro - agora com o apoio dos poderes da troika e num contexto em que o país perdeu capacidades, soberania e densidade democrática - pode causar danos irreparáveis para algumas gerações.
Foi batalhando contra os poderes dominantes, com dinâmicas democráticas, conflitos e debate ideológico, que se avançou na construção da dimensão social do Estado, dos direitos no trabalho, na afirmação da democracia, da igualdade em vários campos, no progresso da sociedade portuguesa. E, mesmo no processo de integração e participação na União Europeia, foram as vozes de minorias que, em tempo útil, deixaram alertas fundamentados que deviam ter sido considerados.
É sob o interesse supremo desse putrefacto consenso que o PR permite e apoia um Governo de hipocrisia, mentira e manipulação, que despreza os cidadãos e as suas representações credenciadas. É na proteção deste consenso que assistimos à vergonhosa ilibação de responsáveis por desvios e roubos nos BPN, BCP, negociatas de PPP e em outros casos de apropriação indevida de milhões de euros.
É com este consenso que nos querem matar sonhos de liberdade, de vida feliz, de prosperidade, submetendo-nos aos interesses dos credores, humilhando-nos e impedindo-nos de encontrar alternativas.
Em tempo de preparação de eleições europeias desencadeiam uma patética campanha contra o debate político, que obrigatoriamente deve ter por base a apresentação e discussão de todos os caminhos e alternativas possíveis, por muito contraditórios que se nos possam apresentar. No país, como na Europa, as soluções têm de ser políticas e as eleições, em democracia, deveriam mesmo servir para discutir.
Abaixo este consenso! Apresentem-se e debatam-se conteúdos para um contraconsenso. Existem disponibilidades e propostas para o construir. Temos de ser capazes de lhes dar visibilidade e força - a nível nacional e europeu - e de gerar uma forte exigência de efetividade política dos seus conteúdos com novos atores na governação.
À Esquerda não se pode prosseguir na reclamação de uma unidade que não é viável ou em convergências abstratas. O tempo é de empenhos na destruição daquele consenso podre, na apresentação de propostas claras para alternativas, na construção de compromissos e na definição de tempos para a sua execução.
Partindo de posições bem diferentes, que não se devem diluir, é possível, e indispensável, discutir um caminho para a reestruturação da dívida sem a qual o país não pode ter investimento, emprego, desenvolvimento. São possíveis compromissos quanto a formas de desenvolver, setor a setor, a economia da produção de bens e serviços úteis, assegurar a defesa e afirmação do Estado social de direito democrático como alavanca da economia e do desenvolvimento, recuperar um regime de trabalho digno e emancipador, identificar homens e mulheres dignos, capazes e sérios para um governo que mereça confiança e mobilize a sociedade.
É tempo de dizer aos portugueses que não há apenas um arco do poder. Com empenho e responsabilidade haverá, com certeza, outro poder, com outras forças.
O país vive em tempo de exceção, abaixo o consenso, vivam os compromissos!