Texto de Pedro Tadeu hoje publicado no "Diário de Noticias"
Decreta a União
Europeia, e Portugal acata sem discussão, passarem as estatísticas
nacionais a acrescentar ao valor do PIB a riqueza produzida com
atividades de prostituição, tráfico e contrabando. Avalia o Instituto
Nacional de Estatística que a ideia, a aplicar a partir de setembro,
valerá 700 milhões de euros.
Claro que isto é um truque para
diminuir artificialmente o valor do défice estatal numa série de países.
Para Portugal o benefício será de 0,4%, o que deixará a senhora Maria
Luís Albuquerque muito feliz.
Como é que os dirigentes europeus
deram o salto moral que lhes permitiu alterar a classificação de "roubo"
para "receita" quando se fala de dinheiro proveniente de tráfico de
cocaína ou de contrabando de tabaco? Não sei.
Sei é que os Estados
não cobram impostos sobre estes lucros ilegais mas querem beneficiar as
suas contas oficiais com dinheiro criminoso, através de estimativas
discutíveis.
Qual é, agora, a autoridade que lhes resta para
cobrar impostos aos empresários e trabalhadores da economia legal? Quem
acredita na seriedade do combate a estes crimes ou a outros aparentados,
como a corrupção, o lenocínio, o tráfico de mulheres? Como podem pensar
que pequenos passos como estes não degradam a confiança dos cidadãos no
próprio Estado?
É verdade que a riqueza que se pretende
contabilizar existe. O problema é que não deveria existir, pelo menos
segundo as leis da maioria dos países europeus. Esta riqueza não
deveria ser contabilizada, deveria, isso sim, ser combatida, ser
exterminada.
O caso, no entanto, da prostituição tem bondosos
defensores. A tese é que as prostitutas terão, com este reconhecimento
oficioso, mais condições para um dia serem aceites como "trabalhadoras
do sexo", pagando impostos e tendo direito a segurança social, como
muitas pessoas de esquerda e vários gurus das psicologias e das
sociologias gostam de defender.
Tudo o que se possa fazer para
dar segurança, salubridade, apoio social às mulheres e homens que se
prostituem é, simplesmente, humanitariamente imperativo. Qualificar a
prostituição como um trabalho, ou seja como um fator de transformação do
mundo, isso já me parece mais discutível - afinal, quantos mais
prostitutas e prostitutos tivermos, mais o mundo fica na mesma. Sempre
pensei, aliás, que acabar com a prostituição fosse um objetivo
civilizacional...
Mas já nem vou por aí, os moralistas de
serviço que façam o seu papel. Constato apenas que em Bruxelas
transformaram 27 países em assoalhadas de um gigantesco bordel, onde se
conta o dinheiro das meninas e dos meninos que vendem o corpinho. A
União Europeia é uma madame proxeneta.
terça-feira, 17 de junho de 2014
E agora a Europa põe as prostitutas a render
sábado, 14 de junho de 2014
Onda liberal a crescer
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"
Estas reformas tratam os cidadãos como peças de uma engrenagem capazes de aguentar tudo - "ai aguentam, aguentam" - e atribuem aos mercados características e sentimentos humanos. Ao Estado, absolutamente capturado pelo poder financeiro e pelos grandes interesses económicos, é atribuído o papel de cobrador implacável de impostos a quem trabalha, e de canalizador desses recursos para os interesses privados desses poderes. Ao mesmo tempo, a sociedade é convidada a aplaudir todas as medidas apresentadas como adelgaçantes, como eliminadoras de gorduras: criou-se um ideal anorético de sociedade para o povo no que à dignidade, aos direitos universais e aos recursos materiais diz respeito. O comum dos cidadãos é convidado a desresponsabilizar-se pela coisa pública, a odiar a política, a deixar de sonhar com projetos de futuro, ou com uma vida minimamente estável depois de décadas de trabalho, de cumprimento de obrigações fiscais e de pagamento das contribuições para a Segurança Social.
As reformas estruturais são os instrumentos com que sacam aos povos os seus meios materiais e até a própria vida, para alimentar o animal insaciável que tanto dá pelo nome de "mercados", como de capitalismo neoliberal.
Como denunciou, no início do mês, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2007 e 2012, a pobreza infantil aumentou em 19 dos 28 países da UE, em resultado das chamadas políticas de austeridade, havendo em 2012 mais 800 mil crianças pobres. Hoje, infelizmente, serão bem mais. Foi também agora na Conferência Anual da OIT que se chamou a atenção para o facto de cerca de 40% da força do trabalho a nível mundial estar na economia informal, sem direito a trabalho digno. Isto numa sociedade onde os meios tecnológicos e comunicações disponíveis facilmente podiam ser utilizados para eliminar as fraudes e manipulações financeiras, fiscais e económicas.
Nada disto incomoda os que de forma ignóbil se apoderam da riqueza e os governantes de serviço, gente sem um pingo de vergonha, despudoradamente oportunistas e charlatães, perigosamente incultos e ambiciosos.
Para eles, umas cantinas sociais, uns patéticos apelos a sacrifícios redentores, um paleio vazio sobre empreendedorismo e capacidade criativa, é o quanto basta para construir a esperança e o futuro.
Em Portugal arrepia observar a destruição da escola, em curso, articulada com políticas que escorraçam os jovens do país, que despovoam e esvaziam grande parte do território. Na saúde, pelas limitações profundas a que está a ser submetido o Serviço Nacional de Saúde, a regressão é brutal, mas os negócios privados no setor continuam a florescer. Quando o dinheiro compra a vida, significa que está a ser ultrapassada a última barreira entre a barbárie e a civilização.
A tudo isto assiste o presidente da República, que se limita a convidar os partidos do centrão de interesse a instituírem-se como nova união nacional.
À esquerda há que tocar a reunir e a avançar, sob pena de termos um rápido e perigoso avanço da extrema-direita (e do fascismo em diversas formas), mesmo que com a direita a governar debaixo da tese de que é para "evitar mal maior".
terça-feira, 10 de junho de 2014
Cavaco e governo neste 10 de Junho de 2014
Dois artigos de opinião hoje publicados no Diário de Noticias.
De Mário Soares
Um Governo sem rei nem roque
É extraordinário
como o atual Governo se mantém - contra a vontade da esmagadora maioria
dos portugueses - com mentiras sucessivas e sem ter qualquer visão para
o futuro a não ser o respeito pela famigerada troika. Um Governo de
coligação cujos líderes se odeiam e se mantêm apenas para não perder as
respetivas posições.
É um Governo que não governa, no sentido de
não se saber para onde vai e que futuro terá. Está completamente
paralisado. Mas os próprios membros dos dois partidos sabem que, mais
dia menos dia, têm de desaparecer e sair do País, para não serem
punidos.
É certo que contam com o Presidente da República - o
grande responsável por tudo o que aconteceu em Portugal - fala o menos
possível, como é sabido, mas é o protetor fiel do Governo, que perdeu
toda a legitimidade e quer continuar a sê-lo, haja o que houver. Até que
termine o seu mandato, o que não tarda muito a acontecer. É pouco
provável que tenha a coragem de mudar de rumo. E por isso vai pagar
muito caro. O seu retrato na história será invulgarmente negativo.
Porque
a crise que Portugal vive é de natureza internacional e tudo vai mudar -
como os leitores verão - para dar um novo rumo à zona euro, sem cair
no abismo, como avisou Helmut Schmidt. O que seria o caso se os
mercados continuassem a dar ordens e a defender a direita mais absoluta.
Provavelmente haverá uma revolução.
O Governo que temos, sem nos
dar contas de nada e muito menos do dinheiro que tem e como o gasta, em
três anos destruiu o nosso País. Vendeu ao desbarato quase todo o nosso
património e ninguém sabe para onde foi esse dinheiro e como foi gasto.
Acabou com o Estado social e está a destruir aos poucos o Serviço
Nacional de Saúde. Tem vindo a dificultar, e de que maneira, a vida às
nossas universidades, obrigando as nossas melhores cabeças de cientistas
e intelectuais a emigrar.
Pela terceira vez apresentou um
Orçamento que, por ignorância total de quem o fez, voltou a ser chumbado
pelo Tribunal Constitucional.
É obra... Mas não só fez pressões
para que isso não acontecesse, o que é contra a Constituição da
República, como tem vindo a insultar o Tribunal Constitucional, o que
antes ninguém ousou fazer. O que é inaceitável e totalmente ilegal, como
disse, com toda a razão e coragem, o ilustre constitucionalista Jorge
Miranda.
É sabido que o Governo não gosta da Constituição da
República e a ministra da Justiça nem sequer teve a coragem de defender o
Tribunal e a Justiça, como era seu dever... É uma ministra
completamente inútil.
O desvario do Governo é total. Ninguém com o
mínimo de consciência o pode respeitar depois do que tem dito
contraditoriamente. Mas o pior é que não governa e os ministros, cada um
no seu canto, não se entendem entre si e não há quem os considere e
entenda.
Quase todos os dias o primeiro--ministro fala, ao
contrário do Presidente da República, que se limita a ouvir e a dizer
banalidades. No sábado passado, o primeiro-ministro preconizou uma
política social. Curioso, não é? Ele que há dois anos tem vindo a
destruir o Estado social, não ouve nem tem qualquer respeito pelos
sindicatos. E agora procura iniciar uma política social. Para quê? Só se
for para ganhar tempo...
Os médicos e os enfermeiros protestam e
estão contra o Governo que os maltrata. Porque segundo as queixas do
ministro não há dinheiro para financiar a saúde dos portugueses. Então
porque continua a ser ministro? Os professores estão na mesma. Os
militares queixam-se da falta de dinheiro e não podem ver o ministro da
Defesa. Mas a Polícia e a Guarda Nacional Republicana, que dependem do
ministro da Administração Interna, também não. É caso para perguntar:
Será que o Presidente da República, que é economista, sabe para onde vai
o dinheiro e o que se passa com as Finanças públicas? Porque não o
explica aos portugueses? Que já não acreditam em nada do que diz o
Governo, a não ser que a cada dia lhes cortam as pensões a que têm
direito ao fim de tantos anos de trabalho...
Nem o Governo que se
diz falsamente democrático e social-democrata e democrata-cristão faz
qualquer esforço para dar a conhecer aos cidadãos quase nada acerca do
dinheiro que o Estado administra nem de onde lhe vem e onde o gasta.
Os
bancos portugueses são vítimas da situação em que o Governo os colocou.
Porque, ao que se diz, os ricos põem o dinheiro no estrangeiro e os
pobres, o que resta, guardam-no nos colchões...
Tudo está péssimo
e vai piorar enquanto este Governo estiver no poder, graças ao
principal responsável e grande protetor do Governo: o Presidente da
República. E, no entanto, devia ser o primeiro a conhecer bem a
situação, como economista que é. Mas não. Os próximos meses ser-lhe-ão
extremamente difíceis, se não tiver a coragem de dar um murro na mesa e
dizer: Basta! Mas não terá coragem para isso...
De Pedro Tadeu
E vão elogiar a ministra Paula Teixeira da Cruz
Pois achavam que o Estado estava a cortar despesas para reduzir o défice estrutural, a dívida pública e todos os outros problemas que, garantem, são a causa dos males deste país? Pois parece que não é bem assim.
A senhora ministra da Justiça, tão elogiada pela troika e por Passos Coelho, dada a capacidade de implementar reformas tão boas tão boas que, a 1 de setembro, os julgamentos neste país terão de ser suspensos graças ao pandemónio aberto com a reforma do mapa judiciário, será candidata a outro lote de rasgados elogios se der seguimento a um anteprojeto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Qual a razão para esses futuros encómios? É esta: uma das normas desse Código, elaborado por sumidades jurídicas convidadas a figurar numa comissão especialmente criada para o efeito, prevê dar autorização para o Estado contratar advogados em casos de pedidos de indemnizações contra o Estado.
Teremos, portanto, senhores ministros, senhores secretários de Estado, senhores chefes de gabinete, senhores diretores-gerais, senhores presidentes de câmara e outros senhores da máquina administrativa a, direta ou indiretamente, poderem ser clientes dos senhores que dão nome aos grandes e médios escritórios da advocacia, facilitadores dos grandes e médios negócios que suportam as carreiras de boa parte dos cavalheiros anteriormente referidos.
O resultado para a salubridade ética no aparelho do Estado vai ser bonito de se ver, como qualquer alminha inocente é capaz de prever.
Perguntará o leitor: mas esta medida vai resolver algum problema? O Ministério Público, que até agora tinha o monopólio deste "negócio", está a sair-se mal?
Os jornais respondem que não: há 1,5 mil milhões de euros em discussão nos tribunais deste país mas em 83% dos casos resolvidos até agora o Estado foi declarado inocente, perdendo pouco dinheiro. Nada mau.
O salário dos magistrados que tratam destes assuntos é despesa fixa mas, por razões que me ultrapassam, o Governo colocou em discussão pública a hipótese de gastar dinheiro com advogados para se defender. Afinal... somos ricos!
Maria José Morgado, a líder do DIAP Lisboa, lança mesmo a suspeita: "O Ministério Público sofrerá um declínio em nome de interesses dificilmente escrutináveis." E eu, que tantas vezes critiquei a incompetência do Ministério Público, só tenho mesmo de alertar: estão a tirar-lhe o tapete, estão a destruí-lo em vez de o melhorar.
Mas Paula Teixeira da Cruz receberá, certamente, louvores e aplausos dos habituais liquidatários do Estado, sempre prontos a agradecer reformas deste tipo. É um ideal.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Foguetórios de ilusão e políticas chantagistas
Na sede do CDS havia um relógio simbólico que marcava ao segundo a aproximação do momento final. Houve conselhos de ministros e sessões parlamentares alusivos à efeméride. Produziram-se discursos e proclamações de vitória sobre a troika com agradecimentos pungentes ao Zé Povinho. Só faltou um solene Te Deum, talvez por o patriarca não ter mostrado disponibilidade.
É claro que havia uns troikocépticos que iam dizendo que talvez não fosse bem assim, para começar porque a última avaliação não estava fechada e porque a pressão dos credores só passará quando Portugal pagar o último cêntimo dos 78 mil milhões de euros que recebeu acrescidos dos juros.
Indiferente a tudo, o governo produziu e manteve um Orçamento do Estado que continha manifestas inconstitucionalidades, não querendo deliberadamente saber dos alertas, das reticências e das rejeições que anteriormente o Tribunal Constitucional tinha manifestado.
Confrontado com a mais recente decisão desse tribunal, o governo inventou um argumento novo, reclamando uma aclaração das suas decisões, como se houvesse dúvidas de substância sobre
o veto por causa de uma ou outra declaração de voto de um juiz ou quanto à data dos efeitos decisórios.
No meio da confusão de declarações, a maioria acabou por reconhecer que a troika está mesmo por cá e o processo de avaliação pode não ser fechado, admitindo portanto que as festividades do 17 de Maio eram para pacóvio ver.
Mais sóbrio esteve o Tribunal Constitucional, que fez saber que estava esgotada a sua intervenção, nada tendo acrescentado ao que decidiu sexta-feira. Na busca de mais um incidente, a maioria pretende agora que seja o parlamento a interpelar o Tribunal, visto que as decisões resultaram de acções oriundas de deputados. Nada como somar confusão à confusão.
A fúria do governo contra o Tribunal Constitucional é tanto mais insensata quanto é certo que, depois da sua recomposição recente, aquele órgão passou a ser constituído por um número de juízes maioritariamente apontados pela área do governo, o que pressupõe gente de um quadrante que, a priori, não lhe é hostil. Se os juízes actuassem por seguidismo, as decisões teriam passado ou chumbado por escassa margem, o que não aconteceu. Pelo contrário, as deliberações foram esmagadoras ou até unânimes.
Importa entretanto recordar que desde o início se anunciou que os cortes da função pública e noutro tipo de rendimentos, como as pensões, tinham um carácter transitório, pelo que não se pode invocar surpresa com a decisão de não aceitar que se tornem permanentes.
Como solução de via única, o governo e a maioria ameaçam agora com mais impostos, dizendo-se empurrados pelo Tribunal, que legitimamente não aceita a discriminação de grupos específicos e nega dar satisfações ao governo, que parece tentar preparar uma crise política ao dramatizar o assunto, eventualmente aproveitando a confusão que reina no PS com o avanço de António Costa.
A hipótese não é absurda, tanto mais que, se quisessem verdadeiramente resolver o problema, Passos e Portas poderiam pegar nos excedentes orçamentais ou numa ínfima parte dos 15 mil milhões que foram pedir para evitar sustos no tão saudado regresso aos mercados e que custam muitos mais milhões em juros. Isto para não falar em explicar à tal troika que o Tribunal Constitucional de cá é tão respeitado como o da Alemanha.