Texto de João Lemos Esteves hoje publicado no "Expresso" online.
Como é tradicional, o Primeiro-Ministro
dirigiu-se aos portugueses no dia de Natal. Importa, pois, fazer um
primeiro comentário geral às declarações de Passos Coelho.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Mensagem de Natal: Passos Coelho e o País que não existe
Em primeiro lugar, quanto à forma, foi um discurso
enxuto, sucinto, com o dedo notório de Paulo Portas, que rectificou
alguns "barroquismos" de linguagem do primeiro draft do discurso
elaborado por Miguel Poiares Maduro e Pedro Lomba. Esta foi uma
mensagem que é o contrário do estilo próprio de Passos Coelho, muito bem
lida pelo Primeiro-Ministro com o recurso ao teleponto. O que é muito
curioso constatar é a ausência de qualquer referência ao fundamento e ao
espírito de Natal - o que, aliás, não é uma originalidade de Passos
Coelho, sendo, também aqui, uma continuidade com a linha de José
Sócrates. O Natal assinala o nascimento de Jesus Cristo, símbolo de fé,
alegria e esperança. Ora, constata-se, de forma notória, que esta
dimensão do Natal não é compreendida, muito menos relevada, por Passos
Coelho. O que se percebe: Passos Coelho, desde que entrou na vida
pública, sempre revelou um certo incómodo com tudo o que está
relacionado com a Religião, com a fé em Deus. Ele não consegue perceber
por que razão a maioria do povo português acredita em Deus, na vida para
além da morte - daí o seu desprezo para com esta dimensão importante da
identidade do Povo Português. Todas as referências que Passos Coelho
fez à esperança na mensagem limitam-se à esperança no futuro... devido à
sua acção milagrosa desde que assumiu a liderança do Governo de
Portugal e ao sucesso do programa de assistência financeira da troika! E
para que serve o dia de Natal para Passos Coelho? Apenas para
"recuperar energias" para continuar o "trabalho de recuperação" a partir
do dia 1 de Janeiro...leia-se, para continuar a aguentar os sacrifícios
impostos por Passos Coelho para um dia este contar aos seus netos que
"salvou" Portugal...
Em segundo lugar, a mensagem de Natal de Passos
Coelho foi a 2.ª intervenção mais optimista de Passos Coelho na sua
condição de Primeiro-Ministro de Portugal. A 1.ª foi naturalmente o
discurso na Festa do Pontal do PSD em 2012 em que Passos Coelho prometia
que Portugal estaria no pico do seu crescimento económico em 2013, com
uma diminuição significativa do desemprego! O que se percebe: o Governo
teve de esperar quase 3 anos para poder apresentar números positivos aos
portugueses. Números positivos? Ou deveremos antes dizer números menos
negativos? Enfim, eu defendo que devemos sempre olhar para o lado solar
da vida, o lado mais iluminado. Mas não podemos negar que estes números,
ao contrário do que muita gente quer fazer crer, não resultam de uma
mérito muito qualificado do Governo Passos Coelho. Antes, tais números
significam que Portugal já bateu no fundo, a economia atingiu o seu
ponto mais crítico - e a partir de agora, vamos assistir a uma
recuperação, mais ou menos, gradual. A celeridade do crescimento da
nossa economia dependerá do êxito e do mérito das políticas desenhadas
pelo Governo, ou melhor, pelos Governos. Naturalmente, a factura José
Sócrates/Passos Coelho vai sair muito cara a todos os portugueses, à
actual geração e, pelo menos, às duas gerações seguintes: Portugal vai
ter de ser equacionado profundamente para evitar que suceda novamente o
que nos está a acontecer. A vitalidade da nossa economia ainda está
longe de ser um dado adquirido. Nós ainda estamos a sair do inferno,
mais perto da porta de saída agora, para entramos no purgatório - o
Paraíso ainda está longe, lá no fundo. Muito teremos de caminhar ainda:
mas, neste ponto, reconheço que Passos Coelho não mente aos portugueses.
Para mim, o ponto positivo da mensagem é que - percebe-se! - Passos
Coelho não irá iludir os portugueses, não gizará a sua estratégia
política com base numa mentira - dirá aos portugueses que os melhores
tempos ainda estão distantes.
Pelo contrário, a sua estratégia será a de reafirmar
que o seu compromisso eleitoral está cumprido: executar, com êxito, o
programa de ajustamento e recuperar a soberania nacional, "expulsando" a
troika. No fundo, para Passos Coelho, nós limitámo-nos a escolher em
2011, um administrador de insolvência que se limitava a gerir Portugal
de acordo com as orientações da "troika" e dos nossos credores. Mais do
que isso, ele não se sentia legitimado para o fazer. Esta ideia é um
embuste e é altamente contraditória, como explicarei amanhã.
Em quarto lugar, Passos Coelho faz referência ao
bonito slogan " nenhum português será deixado para trás" - este slogan
é, aliás, inspirado no pensamento de George W. Bush que tinha o célebre
programa "no child left behind"quando lançou um amplo processo de
reforma do sistema educativo (que depois acabou por encontrar várias
vicissitudes). Pequeno problema: já vários portugueses foram deixados
para trás devido às políticas (pouco) sábias do Governo Passos Coelho.
Mais: o pressuposto do "no portuguese left behind" enunciado por
Passos Coelho - " uma economia mais democrática" - pura e simplesmente
não existe! Pelo contrário, a economia portuguesa é uma economia mais
centralizada, mais controlada pelo Governo e pelos aparelhos
partidários, mais dominada pelos interesses instalados. Daí que Passos
Coelho fale mais de 4 vezes na questão da emigração: é que, de facto, o
único indicador em que este Governo é, de facto, imbatível é no número
de portugueses - sobretudo, jovens com elevadas qualificações - que
abandonam o País!
Enfim, como apreciação geral, temos que o discurso de
Passos Coelho fala de um Portugal que não existe. Completamente
descolado da realidade, o que é pena....
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