Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal "i".
Nestes três anos, nada de estrutural mudou, a não ser a vida dos
muitos milhares de famílias a quem penalizaram com impostos e cortes em
salários e pensões de reforma
O ano político que, por estes dias se iniciou, é o último ano de vida
deste governo. Para trás - ter memória, é importante -, estão três anos
em que o governo exigiu pesadíssimos sacrifícios a quem menos podia
fazê-los (culpabilizando-os com a afronta de terem "vivido acima das
suas posses"); em que se aumentou até ao limite do escandaloso a carga
fiscal; em que se arrasou a qualidade dos serviços públicos,
nomeadamente na saúde e na educação; em que os salários dos funcionários
públicos e as reformas dos pensionistas constituíram a presa mais fácil
de sangrar; em que o desemprego e a emigração atingiram números nunca
antes conhecidos.
E, apesar de tudo isto, nestes três anos, nada de estrutural mudou, a
não ser a vida dos muitos milhares de famílias a quem penalizaram com
impostos e cortes em salários e pensões de reforma, ou que foram
lançadas no desemprego. O Estado continua a viver na sua habitual
opulência, apesar de ter vendido, nalguns casos ao desbarato, os nossos
anéis, alguns deles valiosos, como a ANA ou os CTT; os salários dos
administradores e dirigentes de topo das empresas continuaram a subir,
de acordo com um estudo recente; as grandes fortunas não pararam de
engordar. A economia do país está mais fragilizada, o crescimento é
invisível, e para sairmos da recessão foi preciso o Tribunal
Constitucional contrariar algumas medidas do governo.
Dir-nos-ão, os partidos do governo, nos próximos meses deste ano
eleitoral, que nada disto foi em vão e que o nosso futuro é radiante.
Mas não é verdade. Em 2010, último ano completo do anterior governo, o
défice orçamental chegou aos 10%. É exactamente o mesmo défice que está
previsto para este ano, de 2014, último ano completo deste governo,
usando os mesmo critérios de contabilização. O facto de Bruxelas e
Berlim aceitarem, desta vez, outros critérios para disfarçar o défice,
de modo a salvarem a face da sua parte de responsabilidade no fracasso
das medidas aplicadas, não nos livra do peso, e das consequências, de um
défice igual ao de 2010, depois de todos os sacrifícios que conhecemos.
Fernand Ulrich, um banqueiro sempre na berlinda e bem informado, em
relação ao BES/Novo Banco, no qual os contribuintes entraram com quase 4
mil milhões de euros, declarou: "O que pode acontecer é que o Banco de
Portugal tenha feito mal as contas e aquilo seja vendido, por exemplo,
por um euro." Isto significa que o governo está a empurrar as desgraças
que estão à vista para depois das eleições legislativas.
Pior ainda quanto à situação da divida externa. Esta agravou-se
substancialmente nestes três anos de chumbo de austeridade, e sem
renegociação, sufocará a economia, famílias e empresas, condenando todos
à pobreza e à austeridade, durante várias décadas. Não é por acaso que a
senhora ministra das Finanças "propôs", há dias, um debate com a
oposição sobre este explosivo tema, proposta que terá o mesmo destino
que a discussão sobre a "reforma do Estado" - zero. Não se trata de
propor uma discussão séria e aberta com a oposição e na sociedade, mas
iludir a questão, marcar a agenda mediática e, também, empurrar a
inevitável reestruturação da dívida pública (quanto a montantes, juros e
prazos) para depois das eleições.
Aparentemente, foi aberto, com a aprovação do orçamento
rectificativo, um "período de tréguas". O primeiro--ministro afirmou, no
Pontal, que deixava em paz os reformados e pensionistas até ao fim da
legislatura. Na semana passada declarou que o Orçamento do Estado de
2015 não terá aumento de impostos. Os partidos do governo vão querer,
daqui até às eleições legislativas, fazer esquecer as medidas aplicadas
neste três anos e disfarçar os maus resultados obtidos, atirando para
uma fogueira os esforços da maioria dos portugueses. Nem sequer é de
estranhar que, num ou noutro momento, surja a tentação de dizerem que o
défice orçamental se equilibra com a eliminação das "gorduras do
Estado", sem necessidade de mais sacrifícios. Agora acrescentando, sem
pudor, que todos os problemas serão resolvidos com crescimento. As
próximas eleições vão ser uma luta entre o esquecimento e a memória.
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Esquecimento e memória
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
A hidra
O Dr. Carlos Costa revelou ter avisado a família Espírito Santo de que ia ser removida. Na TVI, Marques Mendes, vinte e quatro horas antes, anunciara o cambalacho. Já destituído, Ricardo Salgado e os seus estabeleceram três negócios ruinosos para o banco, abrindo o buraco da vigarice para quase cinco mil milhões de euros. Quem são os outros cúmplices, e quais as razões explicativas de não estarem na cadeia?
Enquanto o País mergulha num atoleiro, o Dr. Passos nada o crawl, com esfuziante aprazimento, nas doces águas algarvias. Há dias, afirmou que os contribuintes não serão onerados com as aldrabices dos outros. Mas já foi criado um chamado Fundo de Resolução, com dinheiro procedente, de viés, do nosso próprio dinheiro, embuçado na prestação de um grupo de bancos. Quanto ao extraordinário Dr. Cavaco, o reconhecimento generalizado da sua inutilidade como medianeiro de conflitos, e conivente com o que de mais detestável existe na sociedade portuguesa, converteu-se num lugar-comum.
Foi o "sistema" que criou esta ordem de valores espúrios. Este poder dissolvente fez nascer, por todo o lado, a ideia do facilitismo, oposta às regras da convivência que estruturaram os princípios da nossa civilização, dando-lhe um sentido humano. Tudo é permitido, e esta noção brutal, inculcada por "ideólogos" estipendiados ou fanatizados concebeu as suas próprias regras. A impunidade nasce do "sistema", e Salgado é o resultado, não a causa, o resultado de um aproveitamento imoral estimulado pelas fórmulas dessa ordem de valores. Surpreendemo-nos com o comportamento de quem assim foi educado, porém temos de estudar e de analisar aquilo que os explica.
O "sistema", em cuja origem está a raiz do mal, não carece de "regulação", exactamente porque a "regulação" nada resolve e apenas prolonga a crise sobre a crise. O capitalismo sabe e consegue simular a sua própria regeneração. Mas é uma hidra que se apoia em referências na aparência inexpugnáveis, realmente falaciosas. Enfim: o nosso dinheiro está à guarda de ladrões.
terça-feira, 17 de junho de 2014
E agora a Europa põe as prostitutas a render
Texto de Pedro Tadeu hoje publicado no "Diário de Noticias"
Decreta a União
Europeia, e Portugal acata sem discussão, passarem as estatísticas
nacionais a acrescentar ao valor do PIB a riqueza produzida com
atividades de prostituição, tráfico e contrabando. Avalia o Instituto
Nacional de Estatística que a ideia, a aplicar a partir de setembro,
valerá 700 milhões de euros.
Claro que isto é um truque para
diminuir artificialmente o valor do défice estatal numa série de países.
Para Portugal o benefício será de 0,4%, o que deixará a senhora Maria
Luís Albuquerque muito feliz.
Como é que os dirigentes europeus
deram o salto moral que lhes permitiu alterar a classificação de "roubo"
para "receita" quando se fala de dinheiro proveniente de tráfico de
cocaína ou de contrabando de tabaco? Não sei.
Sei é que os Estados
não cobram impostos sobre estes lucros ilegais mas querem beneficiar as
suas contas oficiais com dinheiro criminoso, através de estimativas
discutíveis.
Qual é, agora, a autoridade que lhes resta para
cobrar impostos aos empresários e trabalhadores da economia legal? Quem
acredita na seriedade do combate a estes crimes ou a outros aparentados,
como a corrupção, o lenocínio, o tráfico de mulheres? Como podem pensar
que pequenos passos como estes não degradam a confiança dos cidadãos no
próprio Estado?
É verdade que a riqueza que se pretende
contabilizar existe. O problema é que não deveria existir, pelo menos
segundo as leis da maioria dos países europeus. Esta riqueza não
deveria ser contabilizada, deveria, isso sim, ser combatida, ser
exterminada.
O caso, no entanto, da prostituição tem bondosos
defensores. A tese é que as prostitutas terão, com este reconhecimento
oficioso, mais condições para um dia serem aceites como "trabalhadoras
do sexo", pagando impostos e tendo direito a segurança social, como
muitas pessoas de esquerda e vários gurus das psicologias e das
sociologias gostam de defender.
Tudo o que se possa fazer para
dar segurança, salubridade, apoio social às mulheres e homens que se
prostituem é, simplesmente, humanitariamente imperativo. Qualificar a
prostituição como um trabalho, ou seja como um fator de transformação do
mundo, isso já me parece mais discutível - afinal, quantos mais
prostitutas e prostitutos tivermos, mais o mundo fica na mesma. Sempre
pensei, aliás, que acabar com a prostituição fosse um objetivo
civilizacional...
Mas já nem vou por aí, os moralistas de
serviço que façam o seu papel. Constato apenas que em Bruxelas
transformaram 27 países em assoalhadas de um gigantesco bordel, onde se
conta o dinheiro das meninas e dos meninos que vendem o corpinho. A
União Europeia é uma madame proxeneta.
sábado, 14 de junho de 2014
Onda liberal a crescer
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"
Estas reformas tratam os cidadãos como peças de uma engrenagem capazes de aguentar tudo - "ai aguentam, aguentam" - e atribuem aos mercados características e sentimentos humanos. Ao Estado, absolutamente capturado pelo poder financeiro e pelos grandes interesses económicos, é atribuído o papel de cobrador implacável de impostos a quem trabalha, e de canalizador desses recursos para os interesses privados desses poderes. Ao mesmo tempo, a sociedade é convidada a aplaudir todas as medidas apresentadas como adelgaçantes, como eliminadoras de gorduras: criou-se um ideal anorético de sociedade para o povo no que à dignidade, aos direitos universais e aos recursos materiais diz respeito. O comum dos cidadãos é convidado a desresponsabilizar-se pela coisa pública, a odiar a política, a deixar de sonhar com projetos de futuro, ou com uma vida minimamente estável depois de décadas de trabalho, de cumprimento de obrigações fiscais e de pagamento das contribuições para a Segurança Social.
As reformas estruturais são os instrumentos com que sacam aos povos os seus meios materiais e até a própria vida, para alimentar o animal insaciável que tanto dá pelo nome de "mercados", como de capitalismo neoliberal.
Como denunciou, no início do mês, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2007 e 2012, a pobreza infantil aumentou em 19 dos 28 países da UE, em resultado das chamadas políticas de austeridade, havendo em 2012 mais 800 mil crianças pobres. Hoje, infelizmente, serão bem mais. Foi também agora na Conferência Anual da OIT que se chamou a atenção para o facto de cerca de 40% da força do trabalho a nível mundial estar na economia informal, sem direito a trabalho digno. Isto numa sociedade onde os meios tecnológicos e comunicações disponíveis facilmente podiam ser utilizados para eliminar as fraudes e manipulações financeiras, fiscais e económicas.
Nada disto incomoda os que de forma ignóbil se apoderam da riqueza e os governantes de serviço, gente sem um pingo de vergonha, despudoradamente oportunistas e charlatães, perigosamente incultos e ambiciosos.
Para eles, umas cantinas sociais, uns patéticos apelos a sacrifícios redentores, um paleio vazio sobre empreendedorismo e capacidade criativa, é o quanto basta para construir a esperança e o futuro.
Em Portugal arrepia observar a destruição da escola, em curso, articulada com políticas que escorraçam os jovens do país, que despovoam e esvaziam grande parte do território. Na saúde, pelas limitações profundas a que está a ser submetido o Serviço Nacional de Saúde, a regressão é brutal, mas os negócios privados no setor continuam a florescer. Quando o dinheiro compra a vida, significa que está a ser ultrapassada a última barreira entre a barbárie e a civilização.
A tudo isto assiste o presidente da República, que se limita a convidar os partidos do centrão de interesse a instituírem-se como nova união nacional.
À esquerda há que tocar a reunir e a avançar, sob pena de termos um rápido e perigoso avanço da extrema-direita (e do fascismo em diversas formas), mesmo que com a direita a governar debaixo da tese de que é para "evitar mal maior".
terça-feira, 10 de junho de 2014
Cavaco e governo neste 10 de Junho de 2014
Dois artigos de opinião hoje publicados no Diário de Noticias.
De Mário Soares
Um Governo sem rei nem roque
É extraordinário
como o atual Governo se mantém - contra a vontade da esmagadora maioria
dos portugueses - com mentiras sucessivas e sem ter qualquer visão para
o futuro a não ser o respeito pela famigerada troika. Um Governo de
coligação cujos líderes se odeiam e se mantêm apenas para não perder as
respetivas posições.
É um Governo que não governa, no sentido de
não se saber para onde vai e que futuro terá. Está completamente
paralisado. Mas os próprios membros dos dois partidos sabem que, mais
dia menos dia, têm de desaparecer e sair do País, para não serem
punidos.
É certo que contam com o Presidente da República - o
grande responsável por tudo o que aconteceu em Portugal - fala o menos
possível, como é sabido, mas é o protetor fiel do Governo, que perdeu
toda a legitimidade e quer continuar a sê-lo, haja o que houver. Até que
termine o seu mandato, o que não tarda muito a acontecer. É pouco
provável que tenha a coragem de mudar de rumo. E por isso vai pagar
muito caro. O seu retrato na história será invulgarmente negativo.
Porque
a crise que Portugal vive é de natureza internacional e tudo vai mudar -
como os leitores verão - para dar um novo rumo à zona euro, sem cair
no abismo, como avisou Helmut Schmidt. O que seria o caso se os
mercados continuassem a dar ordens e a defender a direita mais absoluta.
Provavelmente haverá uma revolução.
O Governo que temos, sem nos
dar contas de nada e muito menos do dinheiro que tem e como o gasta, em
três anos destruiu o nosso País. Vendeu ao desbarato quase todo o nosso
património e ninguém sabe para onde foi esse dinheiro e como foi gasto.
Acabou com o Estado social e está a destruir aos poucos o Serviço
Nacional de Saúde. Tem vindo a dificultar, e de que maneira, a vida às
nossas universidades, obrigando as nossas melhores cabeças de cientistas
e intelectuais a emigrar.
Pela terceira vez apresentou um
Orçamento que, por ignorância total de quem o fez, voltou a ser chumbado
pelo Tribunal Constitucional.
É obra... Mas não só fez pressões
para que isso não acontecesse, o que é contra a Constituição da
República, como tem vindo a insultar o Tribunal Constitucional, o que
antes ninguém ousou fazer. O que é inaceitável e totalmente ilegal, como
disse, com toda a razão e coragem, o ilustre constitucionalista Jorge
Miranda.
É sabido que o Governo não gosta da Constituição da
República e a ministra da Justiça nem sequer teve a coragem de defender o
Tribunal e a Justiça, como era seu dever... É uma ministra
completamente inútil.
O desvario do Governo é total. Ninguém com o
mínimo de consciência o pode respeitar depois do que tem dito
contraditoriamente. Mas o pior é que não governa e os ministros, cada um
no seu canto, não se entendem entre si e não há quem os considere e
entenda.
Quase todos os dias o primeiro--ministro fala, ao
contrário do Presidente da República, que se limita a ouvir e a dizer
banalidades. No sábado passado, o primeiro-ministro preconizou uma
política social. Curioso, não é? Ele que há dois anos tem vindo a
destruir o Estado social, não ouve nem tem qualquer respeito pelos
sindicatos. E agora procura iniciar uma política social. Para quê? Só se
for para ganhar tempo...
Os médicos e os enfermeiros protestam e
estão contra o Governo que os maltrata. Porque segundo as queixas do
ministro não há dinheiro para financiar a saúde dos portugueses. Então
porque continua a ser ministro? Os professores estão na mesma. Os
militares queixam-se da falta de dinheiro e não podem ver o ministro da
Defesa. Mas a Polícia e a Guarda Nacional Republicana, que dependem do
ministro da Administração Interna, também não. É caso para perguntar:
Será que o Presidente da República, que é economista, sabe para onde vai
o dinheiro e o que se passa com as Finanças públicas? Porque não o
explica aos portugueses? Que já não acreditam em nada do que diz o
Governo, a não ser que a cada dia lhes cortam as pensões a que têm
direito ao fim de tantos anos de trabalho...
Nem o Governo que se
diz falsamente democrático e social-democrata e democrata-cristão faz
qualquer esforço para dar a conhecer aos cidadãos quase nada acerca do
dinheiro que o Estado administra nem de onde lhe vem e onde o gasta.
Os
bancos portugueses são vítimas da situação em que o Governo os colocou.
Porque, ao que se diz, os ricos põem o dinheiro no estrangeiro e os
pobres, o que resta, guardam-no nos colchões...
Tudo está péssimo
e vai piorar enquanto este Governo estiver no poder, graças ao
principal responsável e grande protetor do Governo: o Presidente da
República. E, no entanto, devia ser o primeiro a conhecer bem a
situação, como economista que é. Mas não. Os próximos meses ser-lhe-ão
extremamente difíceis, se não tiver a coragem de dar um murro na mesa e
dizer: Basta! Mas não terá coragem para isso...
De Pedro Tadeu
E vão elogiar a ministra Paula Teixeira da Cruz
Pois achavam que o Estado estava a cortar despesas para reduzir o défice estrutural, a dívida pública e todos os outros problemas que, garantem, são a causa dos males deste país? Pois parece que não é bem assim.
A senhora ministra da Justiça, tão elogiada pela troika e por Passos Coelho, dada a capacidade de implementar reformas tão boas tão boas que, a 1 de setembro, os julgamentos neste país terão de ser suspensos graças ao pandemónio aberto com a reforma do mapa judiciário, será candidata a outro lote de rasgados elogios se der seguimento a um anteprojeto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Qual a razão para esses futuros encómios? É esta: uma das normas desse Código, elaborado por sumidades jurídicas convidadas a figurar numa comissão especialmente criada para o efeito, prevê dar autorização para o Estado contratar advogados em casos de pedidos de indemnizações contra o Estado.
Teremos, portanto, senhores ministros, senhores secretários de Estado, senhores chefes de gabinete, senhores diretores-gerais, senhores presidentes de câmara e outros senhores da máquina administrativa a, direta ou indiretamente, poderem ser clientes dos senhores que dão nome aos grandes e médios escritórios da advocacia, facilitadores dos grandes e médios negócios que suportam as carreiras de boa parte dos cavalheiros anteriormente referidos.
O resultado para a salubridade ética no aparelho do Estado vai ser bonito de se ver, como qualquer alminha inocente é capaz de prever.
Perguntará o leitor: mas esta medida vai resolver algum problema? O Ministério Público, que até agora tinha o monopólio deste "negócio", está a sair-se mal?
Os jornais respondem que não: há 1,5 mil milhões de euros em discussão nos tribunais deste país mas em 83% dos casos resolvidos até agora o Estado foi declarado inocente, perdendo pouco dinheiro. Nada mau.
O salário dos magistrados que tratam destes assuntos é despesa fixa mas, por razões que me ultrapassam, o Governo colocou em discussão pública a hipótese de gastar dinheiro com advogados para se defender. Afinal... somos ricos!
Maria José Morgado, a líder do DIAP Lisboa, lança mesmo a suspeita: "O Ministério Público sofrerá um declínio em nome de interesses dificilmente escrutináveis." E eu, que tantas vezes critiquei a incompetência do Ministério Público, só tenho mesmo de alertar: estão a tirar-lhe o tapete, estão a destruí-lo em vez de o melhorar.
Mas Paula Teixeira da Cruz receberá, certamente, louvores e aplausos dos habituais liquidatários do Estado, sempre prontos a agradecer reformas deste tipo. É um ideal.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Foguetórios de ilusão e políticas chantagistas
Na sede do CDS havia um relógio simbólico que marcava ao segundo a aproximação do momento final. Houve conselhos de ministros e sessões parlamentares alusivos à efeméride. Produziram-se discursos e proclamações de vitória sobre a troika com agradecimentos pungentes ao Zé Povinho. Só faltou um solene Te Deum, talvez por o patriarca não ter mostrado disponibilidade.
É claro que havia uns troikocépticos que iam dizendo que talvez não fosse bem assim, para começar porque a última avaliação não estava fechada e porque a pressão dos credores só passará quando Portugal pagar o último cêntimo dos 78 mil milhões de euros que recebeu acrescidos dos juros.
Indiferente a tudo, o governo produziu e manteve um Orçamento do Estado que continha manifestas inconstitucionalidades, não querendo deliberadamente saber dos alertas, das reticências e das rejeições que anteriormente o Tribunal Constitucional tinha manifestado.
Confrontado com a mais recente decisão desse tribunal, o governo inventou um argumento novo, reclamando uma aclaração das suas decisões, como se houvesse dúvidas de substância sobre
o veto por causa de uma ou outra declaração de voto de um juiz ou quanto à data dos efeitos decisórios.
No meio da confusão de declarações, a maioria acabou por reconhecer que a troika está mesmo por cá e o processo de avaliação pode não ser fechado, admitindo portanto que as festividades do 17 de Maio eram para pacóvio ver.
Mais sóbrio esteve o Tribunal Constitucional, que fez saber que estava esgotada a sua intervenção, nada tendo acrescentado ao que decidiu sexta-feira. Na busca de mais um incidente, a maioria pretende agora que seja o parlamento a interpelar o Tribunal, visto que as decisões resultaram de acções oriundas de deputados. Nada como somar confusão à confusão.
A fúria do governo contra o Tribunal Constitucional é tanto mais insensata quanto é certo que, depois da sua recomposição recente, aquele órgão passou a ser constituído por um número de juízes maioritariamente apontados pela área do governo, o que pressupõe gente de um quadrante que, a priori, não lhe é hostil. Se os juízes actuassem por seguidismo, as decisões teriam passado ou chumbado por escassa margem, o que não aconteceu. Pelo contrário, as deliberações foram esmagadoras ou até unânimes.
Importa entretanto recordar que desde o início se anunciou que os cortes da função pública e noutro tipo de rendimentos, como as pensões, tinham um carácter transitório, pelo que não se pode invocar surpresa com a decisão de não aceitar que se tornem permanentes.
Como solução de via única, o governo e a maioria ameaçam agora com mais impostos, dizendo-se empurrados pelo Tribunal, que legitimamente não aceita a discriminação de grupos específicos e nega dar satisfações ao governo, que parece tentar preparar uma crise política ao dramatizar o assunto, eventualmente aproveitando a confusão que reina no PS com o avanço de António Costa.
A hipótese não é absurda, tanto mais que, se quisessem verdadeiramente resolver o problema, Passos e Portas poderiam pegar nos excedentes orçamentais ou numa ínfima parte dos 15 mil milhões que foram pedir para evitar sustos no tão saudado regresso aos mercados e que custam muitos mais milhões em juros. Isto para não falar em explicar à tal troika que o Tribunal Constitucional de cá é tão respeitado como o da Alemanha.
sexta-feira, 2 de maio de 2014
Leiam os meus lábios
sábado, 5 de abril de 2014
Abaixo o consenso, vivam os compromissos
Este consenso que, com pequenas altercações, tem sido a base da governação a que temos estado sujeitos, é um consenso perigoso, que cheira a podre e tem de ser destruído. A sua revitalização e consolidação para o futuro - agora com o apoio dos poderes da troika e num contexto em que o país perdeu capacidades, soberania e densidade democrática - pode causar danos irreparáveis para algumas gerações.
Foi batalhando contra os poderes dominantes, com dinâmicas democráticas, conflitos e debate ideológico, que se avançou na construção da dimensão social do Estado, dos direitos no trabalho, na afirmação da democracia, da igualdade em vários campos, no progresso da sociedade portuguesa. E, mesmo no processo de integração e participação na União Europeia, foram as vozes de minorias que, em tempo útil, deixaram alertas fundamentados que deviam ter sido considerados.
É sob o interesse supremo desse putrefacto consenso que o PR permite e apoia um Governo de hipocrisia, mentira e manipulação, que despreza os cidadãos e as suas representações credenciadas. É na proteção deste consenso que assistimos à vergonhosa ilibação de responsáveis por desvios e roubos nos BPN, BCP, negociatas de PPP e em outros casos de apropriação indevida de milhões de euros.
É com este consenso que nos querem matar sonhos de liberdade, de vida feliz, de prosperidade, submetendo-nos aos interesses dos credores, humilhando-nos e impedindo-nos de encontrar alternativas.
Em tempo de preparação de eleições europeias desencadeiam uma patética campanha contra o debate político, que obrigatoriamente deve ter por base a apresentação e discussão de todos os caminhos e alternativas possíveis, por muito contraditórios que se nos possam apresentar. No país, como na Europa, as soluções têm de ser políticas e as eleições, em democracia, deveriam mesmo servir para discutir.
Abaixo este consenso! Apresentem-se e debatam-se conteúdos para um contraconsenso. Existem disponibilidades e propostas para o construir. Temos de ser capazes de lhes dar visibilidade e força - a nível nacional e europeu - e de gerar uma forte exigência de efetividade política dos seus conteúdos com novos atores na governação.
À Esquerda não se pode prosseguir na reclamação de uma unidade que não é viável ou em convergências abstratas. O tempo é de empenhos na destruição daquele consenso podre, na apresentação de propostas claras para alternativas, na construção de compromissos e na definição de tempos para a sua execução.
Partindo de posições bem diferentes, que não se devem diluir, é possível, e indispensável, discutir um caminho para a reestruturação da dívida sem a qual o país não pode ter investimento, emprego, desenvolvimento. São possíveis compromissos quanto a formas de desenvolver, setor a setor, a economia da produção de bens e serviços úteis, assegurar a defesa e afirmação do Estado social de direito democrático como alavanca da economia e do desenvolvimento, recuperar um regime de trabalho digno e emancipador, identificar homens e mulheres dignos, capazes e sérios para um governo que mereça confiança e mobilize a sociedade.
É tempo de dizer aos portugueses que não há apenas um arco do poder. Com empenho e responsabilidade haverá, com certeza, outro poder, com outras forças.
O país vive em tempo de exceção, abaixo o consenso, vivam os compromissos!
domingo, 30 de março de 2014
A pobreza e os pobres de espírito
1-Nesta semana tivemos notícias do chamado programa de ajustamento. Há quase dois milhões de portugueses a viver com menos de 409 euros por mês, um terço das famílias não pode aquecer satisfatoriamente a sua residência e praticamente metade dos nossos concidadãos não pode acudir a uma despesa de 400 euros sem recorrer a crédito. Ser velho ou ter filhos é uma porta aberta para a pobreza (é bom que as pessoas do Governo percebam que alguém ainda perde a cabeça se se persistir em falar que é preciso ter mais filhos), e vale a pena lembrar que mais de metade das pessoas em situação de desemprego não recebem subsídio.
Os números divulgados pelo INE não deixam margem para dúvida: há cada vez mais pobres e os pobres estão cada vez mais pobres. A isto deve ser somado o aumento da desigualdade, que já sendo das maiores da Europa ainda cresceu mais. É a nova comunidade que estamos a construir, é o caminhar a passos largos para um passado que pensávamos não poder regressar.
Claro que esta queda no abismo da pobreza não surpreenderá ninguém. Muito menos os agentes externos e os fundamentalistas internos da execução da política suicida que vem sendo posta em prática. É este o plano, é esta a visão: criar um exército de pobres disposto a trabalhar por uma malga de sopa e esvaziar o País duns milhões de almas para que haja, digamos assim, mais espaço. É a já nossa conhecida estratégia de empobrecimento. Como acredito que ainda resta um mínimo de preocupação pelos outros cidadãos, um mínimo de decência, um mínimo de noção de bem comum, um mínimo de caridade, imagino que os estrategos desta loucura pensem que esta miséria provoque no final um milagre - um prodígio como o nascimento de árvores das patacas ou o súbito jorrar de petróleo no Bombarral. Tudo isto seria assim uma espécie de sacrifício para expiar pecados e depois viria, por obra e graça do Deus Desconhecido, a bonança. Francamente, já não se conseguem encontrar explicações racionais para a persistência num caminho que está a conduzir a estes resultados.
Mas, no mesmo dia em que foram divulgados mais números da tragédia em curso, Passos Coelho, reagindo pela enésima vez ao Manifesto dos 74 e não prescindindo do acinte com que tem brindado os subscritores, afirmou que este mostrava uma conceção infantil da Europa. Os assinantes do manifesto "estão a falar de uma Europa que não existe, nem existirá e ainda bem, porque ninguém aceitaria uma Europa em que uns poupam para que outros possam gastar". A colagem às teses que dominam a ausência de pensamento europeu é evidente. E é bom que fique claro, não há ponta de ideologia nelas. Passos Coelho está, na prática, a alinhar num conjunto de preconceitos quase racistas, repugnantes e mentirosos, e em assunções pretensamente morais. Não em nenhuma escolha ideológica.
Fica mais uma vez claro que o primeiro-ministro de Portugal pensa que os seus concidadãos são uns esbanjadores, uma malta que andou, e anda, para aí a gastar à tripa-forra. Os povos do Norte, claro está, poupados e sérios, estão fartos da nossa desbunda.
Não ignorando, Passos Coelho, os números da pobreza, do desemprego, da emigração no nosso país, parece perfeitamente razoável chegar à conclusão de que acha que ainda não são suficientes. Não pode ser mesmo doutro modo. E, assim sendo, resta a pergunta: quantos mais pobres e desempregados serão necessários para que sejamos considerados uns probos e dedicados cidadãos, senhor primeiro-ministro?
2-Nesta semana ficou claro que o ministro Maduro não faz ideia do que está a fazer no Governo, que Marques Guedes acha os jornalistas uns manipuladores, que o ministro Mota Soares não é tido nem achado em questões do seu ministério e é substituído por um secretário de Estado dum outro em que Maria Luís Albuquerque manda e acha que não tem de dar confiança a ninguém. O primeiro-ministro ainda não percebeu bem as funções que exerce e pensa que os membros do Governo devem contribuir para um debate sereno... aquele cavalheiro que em 2011 dizia que "a única coisa que aproveito para enfatizar é que todos aqueles que produziram os seus descontos e que têm hoje direito às suas reformas e às suas pensões as deverão manter no futuro, sob pena de o Estado se apropriar daquilo que não é seu".
Entretanto, vêm para aí mais cortes nas pensões (e salários) e foram anunciados de forma a instalar o pânico e a gerar incerteza numa parte já muito fragilizada da população. O costume, portanto.
A novidade veio de Portas. Segundo o vice-primeiro-ministro, cerca de 85 mil pessoas, nos últimos dois anos, deixaram de ter direito ao Rendimento Social de Inserção porque todas elas tinham mais de 100 mil euros na conta bancária. Das duas uma: ou, afinal, havia para aí muito dinheiro sem que ninguém soubesse, ou Paulo Portas mente despudoradamente, miseravelmente, irrevogavelmente, mesmo. É aguardar.
sábado, 29 de março de 2014
Pensões: verdades, mentiras e verbos de encher
Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no jornal "i".
Partindo deste caso, observa- -se, por exemplo, a diferença em relação a outros países, como a falida Espanha, onde há dias os pensionistas receberam uma carta a anunciar- -lhes um pequeno aumento e a garantir-lhes que as pensões, tal como estão, são intocáveis. O mesmo sucede na Alemanha, onde uma reforma tem um valor sagrado, igual ao da propriedade.
Por cá, procura-se furiosamente tornar os cortes definitivos, como todos adivinhávamos apesar das juras em contrário. O processo é decidido no Ministério das Finanças, sendo o da Segurança Social remetido a um papel decorativo, enquanto os membros do grupo de trabalho inventado para estudar a reforma das pensões são transformados em verbos de encher que estranhamente não se demitem. A situação é tão surrealista que não há nota de que o grupo se reúna, quanto mais de que tenha sugerido soluções. Uma vergonha a acrescentar à ópera bufa proporcionada pelo secretário de Estado.
As questões relacionadas com as reformas não podem continuar a ser tratadas de forma precipitada e agarotada, como se tem visto através de medidas tomadas à la minuta, caindo os sacrifícios sempre em cima dos mesmos, nomeadamente dos pensionistas, como reconheceu ontem Cavaco Silva.
Em primeiro lugar, o sistema que existe é viável e cobre as pensões de quem efectivamente descontou. O que não cobre é o pagamento anos a fio a quem nunca teve uma vida contributiva regular, pelo que esse pagamento não deve ir da Segurança Social mas do Orçamento do Estado. Em segundo lugar, os pensionistas e reformados são um importante grupo de consumidores, quer ganhem muito quer pouco.
Isto porque contam com uma determinada quantia mensal e gerem-na em função dessa expectativa, só poupando se realmente sobrar qualquer coisa, o que é uma raridade. Daí que precisem de uma protecção suplementar, desde logo por uma questão de respeito pelos mais velhos, como mandam as sociedades civilizadas, e depois porque a estabilidade do rendimento é indispensável para eles e para o mercado de consumo. Atirar ainda mais incertezas para cima dos reformados parece um esquema de sadismo social, perturba a economia e afecta um grupo que funciona como esteio da sociedade, quando ajuda filhos e netos em dificuldades.
O que se deve estudar hoje não é a forma de cortar mais ou para sempre, mas como ir buscar receita para a Segurança Social onde haja dinheiro. O sistema foi construído, primeiro, com base num esquema de aforro, e depois, em data incerta, passou a dizer-se que os trabalhadores de hoje pagam as actuais reformas, ajustando-se as regras quase anualmente. Ora numa altura em que praticamente nada é feito com mão- -de-obra intensiva e em que há muito desemprego, verifica-se um desequilíbrio contributivo que não advém só da demografia. As soluções passam por uma reforma global e europeia que encontre recursos nos negócios financeiros especulativos que geram dinheiro sobre dinheiro sem repartirem socialmente os lucros. Mas essa é uma solução da qual ninguém fala e não custa perceber porquê.