Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
1-Nesta semana
tivemos notícias do chamado programa de ajustamento. Há quase dois
milhões de portugueses a viver com menos de 409 euros por mês, um terço
das famílias não pode aquecer satisfatoriamente a sua residência e
praticamente metade dos nossos concidadãos não pode acudir a uma despesa
de 400 euros sem recorrer a crédito. Ser velho ou ter filhos é uma
porta aberta para a pobreza (é bom que as pessoas do Governo percebam
que alguém ainda perde a cabeça se se persistir em falar que é preciso
ter mais filhos), e vale a pena lembrar que mais de metade das pessoas
em situação de desemprego não recebem subsídio.
Os números
divulgados pelo INE não deixam margem para dúvida: há cada vez mais
pobres e os pobres estão cada vez mais pobres. A isto deve ser somado o
aumento da desigualdade, que já sendo das maiores da Europa ainda
cresceu mais. É a nova comunidade que estamos a construir, é o caminhar a
passos largos para um passado que pensávamos não poder regressar.
Claro
que esta queda no abismo da pobreza não surpreenderá ninguém. Muito
menos os agentes externos e os fundamentalistas internos da execução da
política suicida que vem sendo posta em prática. É este o plano, é esta a
visão: criar um exército de pobres disposto a trabalhar por uma malga
de sopa e esvaziar o País duns milhões de almas para que haja, digamos
assim, mais espaço. É a já nossa conhecida estratégia de empobrecimento.
Como acredito que ainda resta um mínimo de preocupação pelos outros
cidadãos, um mínimo de decência, um mínimo de noção de bem comum, um
mínimo de caridade, imagino que os estrategos desta loucura pensem que
esta miséria provoque no final um milagre - um prodígio como o
nascimento de árvores das patacas ou o súbito jorrar de petróleo no
Bombarral. Tudo isto seria assim uma espécie de sacrifício para expiar
pecados e depois viria, por obra e graça do Deus Desconhecido, a
bonança. Francamente, já não se conseguem encontrar explicações
racionais para a persistência num caminho que está a conduzir a estes
resultados.
Mas, no mesmo dia em que foram divulgados mais
números da tragédia em curso, Passos Coelho, reagindo pela enésima vez
ao Manifesto dos 74 e não prescindindo do acinte com que tem brindado os
subscritores, afirmou que este mostrava uma conceção infantil da
Europa. Os assinantes do manifesto "estão a falar de uma Europa que não
existe, nem existirá e ainda bem, porque ninguém aceitaria uma Europa em
que uns poupam para que outros possam gastar". A colagem às teses que
dominam a ausência de pensamento europeu é evidente. E é bom que fique
claro, não há ponta de ideologia nelas. Passos Coelho está, na prática, a
alinhar num conjunto de preconceitos quase racistas, repugnantes e
mentirosos, e em assunções pretensamente morais. Não em nenhuma escolha
ideológica.
Fica mais uma vez claro que o primeiro-ministro de
Portugal pensa que os seus concidadãos são uns esbanjadores, uma malta
que andou, e anda, para aí a gastar à tripa-forra. Os povos do Norte,
claro está, poupados e sérios, estão fartos da nossa desbunda.
Não
ignorando, Passos Coelho, os números da pobreza, do desemprego, da
emigração no nosso país, parece perfeitamente razoável chegar à
conclusão de que acha que ainda não são suficientes. Não pode ser mesmo
doutro modo. E, assim sendo, resta a pergunta: quantos mais pobres e
desempregados serão necessários para que sejamos considerados uns probos
e dedicados cidadãos, senhor primeiro-ministro?
2-Nesta semana
ficou claro que o ministro Maduro não faz ideia do que está a fazer no
Governo, que Marques Guedes acha os jornalistas uns manipuladores, que o
ministro Mota Soares não é tido nem achado em questões do seu
ministério e é substituído por um secretário de Estado dum outro em que
Maria Luís Albuquerque manda e acha que não tem de dar confiança a
ninguém. O primeiro-ministro ainda não percebeu bem as funções que
exerce e pensa que os membros do Governo devem contribuir para um debate
sereno... aquele cavalheiro que em 2011 dizia que "a única coisa que
aproveito para enfatizar é que todos aqueles que produziram os seus
descontos e que têm hoje direito às suas reformas e às suas pensões as
deverão manter no futuro, sob pena de o Estado se apropriar daquilo que
não é seu".
Entretanto, vêm para aí mais cortes nas pensões (e
salários) e foram anunciados de forma a instalar o pânico e a gerar
incerteza numa parte já muito fragilizada da população. O costume,
portanto.
A novidade veio de Portas. Segundo o
vice-primeiro-ministro, cerca de 85 mil pessoas, nos últimos dois anos,
deixaram de ter direito ao Rendimento Social de Inserção porque todas
elas tinham mais de 100 mil euros na conta bancária. Das duas uma: ou,
afinal, havia para aí muito dinheiro sem que ninguém soubesse, ou Paulo
Portas mente despudoradamente, miseravelmente, irrevogavelmente, mesmo. É
aguardar.
domingo, 30 de março de 2014
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