Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
No prefácio ao
Roteiros VIII, ontem divulgado pelo Expresso, o Presidente da República
não podia ser mais claro: depois de todos os cortes, de todas as subidas
de impostos, de todo o desemprego criado, de toda a emigração forçada,
de todas as falências, as nossas contas públicas continuam
desequilibradas.
A boa notícia é que há uma fórmula que as
equilibrará; a má, é que essa fórmula é impossível. Para que não restem
dúvidas: toda a devastação criada serviu para rigorosamente nada.
Bem
sabemos que o humor não é o forte de Cavaco Silva, mas até ele não terá
deixado de sorrir ao escrever que "pressupondo um crescimento anual do
produto nominal de 4%, para atingir, em 2035, o valor de referência de
60% para o rácio da dívida, seria necessário que o orçamento registasse,
em média, um excedente primário anual de cerca de 3%. Em 2014, prevê-se
que será de 0,3% do PIB". Ou seja, e como recordava Pedro Santos
Guerreiro no Expresso, teríamos de "ter em cada um dos próximos vinte
anos o que não tivemos num único dos últimos quarenta".
Nós,
portugueses, sabemos que há milagres. Pode acontecer que através dum
grande consenso entre os partidos do arco da governação as coisas possam
melhorar. E quais serão as bases do consenso?
Pois claro, a
reafirmação das políticas que foram seguidas neste últimos três anos. O
primeiro consenso, aliás, pode começar por ser o anunciado pelo
primeiro-ministro, esta semana, no Parlamento: os cortes e as descidas
de salários passam a definitivos. O segundo consenso será o pré-anúncio
de mais cortes nas pensões e descidas salariais provisórios (talvez já
em Abril), que daqui a um ano passam a definitivos. O terceiro, pode ser
o de termos impostos ainda mais altos. O quarto, limitar ainda mais o
acesso a prestações sociais. O quinto, acabar com a saúde e a educação
públicas. Com esta consensualização toda, o crescimento económico virá a
toda a brida. Tira-se o que resta de dinheiro à economia, com os
fantásticos resultados conhecidos, e tratamos de exportar tudo e mais
alguma coisa. Talvez mesmo as pessoas que ainda cá estão. Vão gozar com o
outro. Um consenso para deitar fogo é bom? Como é que se pode obter um
consenso com um primeiro-ministro que diz que as outras partes têm de
aceitar a realidade como ela é? Sabendo que é ele que define o que é ou
não real. E que por acaso é, quase sempre, uma gigantesca fantasia que
diz que todas as nossas desgraças têm causas nacionais. Ou com um líder
da oposição que tem posições que desdizem em absoluto o tratado
orçamental que assinou? Pois claro, programa cautelar, saída à
irlandesa. Seguro contra todos os riscos, contra terceiros (os
malfadados mercados e as suas pulsões especulativas). Muito importante
podermos arranjar dinheiro a bom preço e sem sobressaltos. Mas será que
ainda há alguém que consiga dizer sem rir às gargalhadas que a nossa
dívida é pagável, nas condições existentes, e que é possível crescer
economicamente com os encargos que ela nos impõe? O mercado vai-nos
emprestar dinheiro a taxas simpáticas - Cavaco, no dito prefácio,
diz-nos indiretamente que terá de ser abaixo, muito abaixo de 4%. E o
resto, e o que está para trás? Sim senhor, ficaremos a coberto dum
segundo resgate. Não morreremos de ataque de coração fulminante,
ficaremos ligados à máquina até que a eletricidade acabe.
Andamos
para aqui com jogos florais, com amuos no Parlamento, com fitas nas
escadarias da Assembleia, com patéticos relógios, com programas
eleitorais decorados com cães pintalgados, a fingir que discutimos o
futuro da comunidade, e não saímos do labirinto.
O Minotauro cada
vez mais próximo e nós a sermos convencidos de que a sensação que temos
no pescoço não é o bafo do monstro, mas sim uma brisa de bonança.
Cavaco Silva tem razão: correu mal.
Cavaco Silva volta a ter
razão: é preciso consenso. Mas não se pode dizer, como de facto se diz,
que correu mal e se quer consenso para continuar a implementar a mesma
política. Além de que essa política impõe que os erros até agora
cometidos se aprofundem mais e mais e se repitam indefinidamente até que
não haja país para os praticar.
É inexplicável a sensação de
todos sabermos que estamos a caminhar para o precipício, e continuamos,
como se o suicídio fosse a única alternativa. Mas pior é dizerem- -nos
que temos de ir todos de mãos dadas como se isso fosse o nosso destino.
Não é. Não pode ser.
Sem comentários:
Enviar um comentário