Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
O descrédito
social da política contemporânea passa, e muito, pela noção cada vez
mais disseminada de que só as promessas de regressão são sérias e de que
todas as promessas de transformação que acrescentam dignidade e
direitos às nossas vidas são demagogia irresponsável. Quando rigor só
pode rimar com sofrimento e melhoria de condições passou a ser uma
questão de fé e não uma possibilidade efetiva, a política só pode ser
repudiada.
O Governo prometeu empenhar-se em fazer o País "sair
desta situação, empobrecendo". Cumpriu uma parte: a do empobrecimento.
Os dados esta semana publicados pelo INE relativos a 2012 mos- tram, de
facto, como o Governo honrou a promessa de empobrecer a grande maioria
dos portugueses. Há neste relatório duas informações essenciais sobre o
que é o País depois do choque de empobrecimento prometido e cumprido.
A
primeira é a de que a austeridade agravou e espalhou a pobreza. Um
milhão e cem mil pessoas - mais 200 mil do que em 2010 - vivem em
condição de pobreza severa (ou seja, não conseguem satisfazer as suas
necessidades mais elementares). Um em cada quatro portugueses é pobre -
uma subida de 25% em apenas quatro anos. A taxa de risco de pobreza -
correspondente a 60% do rendimento mediano, o qual desceu
significativamente descendo por isso a fasquia de contagem da pobreza -
subiu mesmo assim, dramaticamente, de 17,9% em 2009 para 24,7% em 2012.
Sabemos bem que por trás destes números estão vidas concretas de
indizível sofrimento e indignidade: ter de escolher entre os
medicamentos que se tomam e os que não se podem comprar, não ter
dinheiro para manter a casa minimamente aquecida, não ter meios para
comprar uma peça de roupa, não ter dinheiro para que um filho possa
estudar, etc., etc. Quarenta anos depois do 25 de Abril, este país que o
INE faz ver ao espelho volta a ver as mesmíssimas imagens que a
democracia primeiro e a Europa depois fizeram crer que estariam banidas
para sempre.
Mas os números do INE revelam-nos uma segunda imagem
do País sob as políticas de austeridade. A diferença entre o rendimento
dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres passou de 9,2 vezes em 2009
para 10,7 vezes em 2012. Os números são como o algodão: não mentem. E
neles vai clara a demonstração de que houve uma parte do País a quem a
promessa governamental de empobrecimento não se aplicou de todo. Há
notoriamente mais pobres em Portugal, há uma mancha social muito mais
ampla afundada na pobreza quotidiana e na falta de horizontes de saída
dela. Mas o alastramento e o agravamento da pobreza da grande maioria
reverteram a favor de uns poucos muito ricos, sempre incólumes aos
sacrifícios.
Da grande promessa programática de 2011 - empobrecer o
País para o "tirar desta situação" -, o Governo cumpriu a parte mais
fácil: empobrecer os pobres e trazer para a pobreza os remediados. Aos
ricos ajudou a que ficassem mais ricos. E, mais grave que tudo, sem que
no fim se tire o País da situação que justificou isto tudo -, a dívida
agigantou--se e a capacidade de a pagar diminui na mesma proporção. A
resposta do Governo a este diagnóstico do INE será a confirmação, já
anunciada, da natureza permanente dos cortes nas pensões e reformas. Ou
seja, à vulnerabilidade da pobreza o Governo responde com a eternização
dessa vulnerabilidade nos segmentos sociais mais frágeis.
É séria
uma coisa assim? É realista? É razoável? Ou realista, razoável e sério é
antes ouvir o clamor dos pobres e centrar toda a política na criação de
um horizonte de mudança que assuma o quotidiano destas tantas centenas
de milhares de pessoas como a única prioridade?
sexta-feira, 28 de março de 2014
Promessas cumpridas
Etiquetas:
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Paulo Portas
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