Texto de Manuel Nuno Saraiva hoje publicado no Diário de Noticias
Esta semana,
como noutras destes mais de mil dias de governação, o Governo saiu ao
caminho dos mais velhos e meteu-lhes medo. Quinta-feira as manchetes,
que citavam "fonte oficial", gritavam que a ministra das Finanças já
tinha cortes definitivos para as pensões, que até aqui eram provisórios.
Ao
final da manhã, a minha avó Luísa, reformada de 95 anos e de quem já
aqui falei, ligou-me aflita depois de dividir o pânico com as amigas do
centro de dia. "Filho, que mais é que estes bandidos me querem tirar?",
perguntou-me com a voz trémula de quem não consegue parar de fazer novas
contas à vida. É a água e a luz, o gás e a comida, os remédios e a
ração para os pássaros companheiros das tardes de fim de semana, a renda
da casa e mais as outras despesas imprevistas próprias de quem chega a
esta idade. Desde então, foram duas noites, como muitas outras destes
mais de mil dias de governação, sem pregar olho.
Pouco me
importa se não há ainda decisão, se foi erro, calhandrice ou
incompetência. Não me interessa se é ruído ou especulação. Não quero
saber se Passos Coelho sabia ou se Poiares Maduro foi ignorado. Sei que
isto, como tantas outras coisas nestes mais de mil dias de governação,
não se faz.
A verdade é que, em matéria de choque e pavor, o
Governo tem o cadastro cheio. Fez soar o alarme com a chamada TSU dos
idosos. Causou o pânico com a pretensão de cortar a eito, em função da
idade, as pensões dos funcionários públicos, pretendendo que os
nonagenários sofressem um esbulho de 10% na reforma. Lançou o terror com
o primeiro anúncio de corte nas pensões de viuvez. E tudo com a mesma
tática ou estratégia: deixar escapar à bruta uma má notícia para testar
reações a ver se pega. E depois, mais adiante, vir compungido anunciar
que nunca foi bem assim, que houve manipulação da informação, que o
Governo é socialmente sensível e que, por isso, protege os mais frágeis
de entre os mais fracos.
Isto não é jogo limpo. Isto é terrorismo social.
Por
mais proclamações inflamadas que façam, Pedro e Paulo escrevem
epístolas cada vez mais vazias de social-democracia ou de democracia
cristã. A matriz doutrinária destas duas correntes é humanista e
socialmente preocupada. E determina que com a vida das pessoas não se
brinca, muito menos tratando-se de idosos.
Aos mais velhos devemos
respeito porque sim. Solidariedade porque sim. Apoio porque sim.
Assistência porque sim. Não por caridade, apenas porque sim. E essa
dívida, em parte ou no todo, não pode ser reestruturada nem perdoada.
O
que o lamentável episódio desta semana revela é que o programa de
empobrecimento ainda não está concluído, por mais que o Presidente da
República reabilite a tese - foi o que ontem fez quando apelou a que "se
for necessário reduzir o rendimento disponível de alguém no futuro, tem
que ser àqueles que têm elevados rendimentos e que, até este momento,
não foram seriamente prejudicados no seu bem-estar" - de que há limites
para os sacrifícios que se podem pedir ao comum dos cidadãos.
E o
que também ficou demonstrado é que existe, de facto, uma nova agenda de
cortes que a maioria queria escondida. Mas apenas até às próximas
eleições europeias.
Não sei, até porque não acredito nessas
coisas, se o Governo vai parar ao inferno. Tenho no entanto a certeza
que o purgatório a que os velhos estão a ser sujeitos, porque desumano e
desleal, não tem perdão.
sábado, 29 de março de 2014
Sem perdão
Etiquetas:
governo,
passos coelho,
Paulo Portas
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