DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A nebulosa e os seus facilitadores

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias

Robert Cox, académico canadiano da área de Relações Internacionais, sugere que a governação global efetivamente existente tem como protagonista uma rede de contornos difusos, envolvendo empresas, governos, fazedores de opinião e operadores institucionais dos mercados mais influentes em cada momento. Cox chama sugestivamente a essa entidade "a nebulosa", pondo assim em destaque a falta de nitidez da sua institucionalidade e dos seus canais de expressão. 

A nebulosa produz pensamento, define padrões de política e recruta os melhores quadros para as pôr em prática. Em bom rigor, os governos nacionais são apenas os intérpretes de fim de linha deste modo de governar o mundo. Com uma influência muito mais forte na fabricação de decisões alinhadas por padrões de alcance internacional está esse grupo estranho que dá pelo nome de "facilitadores". Os facilitadores são os intermediários entre a nebulosa e as instâncias locais de decisão. São tipos cinzentos, que se movem discreta e habilmente nos círculos do poder, fazendo um vaivém permanente entre o mundo dos negócios e o mundo da política, que vêm à boca de cena debitar normas de boa governação carregadas de princípios de ética pública ao mesmo tempo que, na sombra dos seus escritórios, preparam diplomas legislativos destinados a favorecer interesse particulares que lhes pagam principescamente para o efeito. Os facilitadores facilitam, claro. Mas facilitam sempre o mesmo e para os mesmos. 

A porosidade entre os negócios e a política tem uma escala nacional conhecida, que nem a institucionalização do lobbying nem a fixação de um período de nojo mínimo conseguirá prevenir. As regras formais valem pouco diante de uma realidade informal feita de cumplicidades fundas traduzidas na defesa de interesses privados através de cargos públicos. Os que passam subitamente do governo onde tiveram a tutela de uma área para um operador privado dessa área são apenas o rosto mais obsceno de uma realidade tentacular muito mais complexa. Na verdade, ao exporem-se de modo tão aberto, esses facilitadores complicam a vida aos seus mentores mais do que facilitam.

Na promiscuidade entre a política e os negócios como no futebol, o campeonato português é subalterno. Há uma champions league com o estrelato político e empresarial - e salarial, já agora...- onde pontuam figuras como Mário Draghi - que ziguezagueou entre o Banco de Itália, o Goldman Sachs e o Banco Central Europeu - Peter Sutherland, com um percurso entre o Royal Bank of Scotland, a Comissão Europeia e o Goldman Sachs - ou Robert Zoellick, que transitou de funções de direção do Goldman Sachs para o Banco Mundial, regressando depois ao Goldman Sachs.

Pelos exemplos dados, salta à vista que o banco Goldman Sachs é um clube dessa champions league que é a nebulosa da governação global. Esse "nicho de um poder mundial não eleito" - como certeiramente o designou Viriato Soromenho Marques - faz da governação global a sua especialização de mercado. Uma governação global feita de bolhas especulativas, de cumplicidade com o falseamento de contas públicas, de promiscuidade entre governos e negócios, de manipulação dos mercados cuja liberdade e transparência apregoa. Foi para esse clube que José Luís Arnaut, deputado do PSD, advogado de várias empresas privatizadas por governos que apoiou politicamente, ex-ministro, foi agora recrutado. No futebol, como na facilitação de um relacionamento "agradável e útil" entre o mundo dos negócios e a política, os clubes da champions estão atentos aos campeonatos distritais. E recrutam quem neles sobressai.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Falácias e mentiras sobre pensões

Este é um texto que vale a pena ser lido dado ter sido escrito por alguém que sabe do que fala e assim desmontar uma das maiores patranhas que Passos Coelhos e a corja de idiotas que o acompanham tentam "vender" ao povo português.

Texto de António Bagão Felix, Economista e ex-ministro das Finanças, hoje publicado no "Publico".

A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida.

Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões alimenta. Eis (apenas) algumas:

1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”. O número está, desde logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às pensões, quem assim faz as contas esquece-se que ao seu valor bruto há que descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas. Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de pensões pagas (CGA + SS) há que abater a parte que financia a sua componente contributiva (cerca de 2/3 da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa 8,1% da despesa das Administrações Públicas.

2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando transforma as SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo futuro. Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E tantos outros casos…

3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando entravam mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.

4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é insustentável”. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito menos do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que tantos “sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões públicas e nada dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação também pelas mesmas razões económicas e demográficas? Ou das rodovias? Ou do sistema de justiça? Ou das Forças Armadas? Etc. Será que só para as pensões o pagador dos défices tem que ser o seu pseudo “causador”, quase numa generalização do princípio do poluidor/pagador?

5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas quais a CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).

6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por 90% das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50% de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo.

7. A CES, além de um imposto duplo sobre o rendimento, trata de igual modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não diferencia careiras longas e nem sequer distingue idades (diminuindo o agravamento para os mais velhos) como até o fazia a convergência (chumbada) das pensões da CGA.

8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e os créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as arbitrariedades?

9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”. Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima redução da dedução específica?

10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e dissimulada do famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU das empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo efeito por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já um passo significativo.

11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a “calibrada” CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€. Descontado o montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através da CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€ brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000 pessoas - que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo juntando mais alguns milhões de receitas por via do agravamento dos escalões para as pensões mais elevadas, dificilmente se ultrapassam os 80 M€. Faltam 148 M, quase 0,1% do PIB (dos 0,25% que o Governo entendeu não renegociar com a troika, lembram-se?). Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?

12. A apelidada “TSU dos pensionistas” prevista na carta que o PM enviou a Barroso, Draghi e Lagarde em 3/5/13 e que tinha o nome de “contribuição de sustentabilidade do sistema de pensões” valia 436 M€. Ora a CES terá rendido no ano que acabou cerca de 530 M€. Se acrescentarmos o que ora foi anunciado, chegaremos, em 2014, a mais de 600 M€ de CES. Afinal não nos estamos a aproximar da “TSU dos pensionistas”, mas a … afastarmo-nos. Já vai em mais 40%!

13. A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?

P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O plano B é o do costume

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".

Já se sabe que a política nacional está tomada pela novilingua. É-se "requalificado" em vez de se ser despedido, há "ajustamentos" em vez de cortes e o "irrevogável" é apenas um argumento para a negociação de lugares. Não é de hoje nem é de cá. Nestes tempos em que os "colaboradores" são "dispensados" em "reestruturações", a forma mais eficaz de mudar a realidade é, como sempre foi, renomeá-la. Mas ninguém levou as coisas ao ponto experimentado por este governo. 

Como "plano A" para uma convergência de sistemas de pensões, que não era na realidade uma "convergência", foi unanimemente chumbado pelo Tribunal Constitucional, Luís Marques Guedes veio, com a serenidade doce de quem faz um mero "ajustamento", anunciar que, para não aumentar os impostos, o Contribuição Extraordinária de Solidariedade (outro eufemismo) será recalibrada. Era esse o "plano B".

Tudo errado. A "contribuição" não é uma taxa (que teria de corresponder a um serviço do Estado), é um imposto. E assim sendo, o seu aumento não é uma alternativa ao aumento de impostos, é um aumento de impostos dirigido exclusivamente aos reformados. Não é extraordinário, porque há muito deixou de ser transitório e porque a sua transitoriedade baseia-se em várias pressupostos não documentados e até algumas mentiras e desonestidades em relação à sustentabilidade dos sistemas de reformas. Sobretudo, o CES nada tem, nunca teve, a ver com a sustentabilidade do sistema de pensões. Tem apenas e só a ver com o confisco de rendimentos para cumprir metas acordadas com a troika que são e continuarão a ser inalcançáveis sem a destruição da economia. Não é, pela sua abrangência e pela população atingida, de "solidariedade". E não será "recalibrado" (um eufemismo pateta). Será aplicado a reformados com menos rendimentos do que até aqui, será aumentado ou as duas coisas. Resumindo: o governo vai aumentar um imposto específico sobre os reformados para cumprir a meta do défice. Ponto final, parágrafo. 

Resolve-se com isto a inconstitucionalidade apontada pelo Tribunal? Não sei. Sei que cria um novo problema constitucional. Não preciso de grande esforço para explicar porquê. Socorro-me do acórdão do Tribunal Constitucional de abril do ano passado, quando aceitou a constitucionalidade do CES: "A norma suscitada não se afigura ser desproporcionada ou excessiva, tendo em consideração o seu caráter excecional e transitório e o patente esforço em graduar a medida do sacrifício que é exigido aos particulares em função do nível de rendimentos auferidos, mediante a aplicação de taxas progressivas, e com a exclusão daquelas cuja pensão é de valor inferior a 1.350 euros, relativamente aos quais a medida poderia implicar uma maior onerosidade".

Baixando o rendimento a partir do qual este imposto é aplicado, fica em causa o pressuposto que levou à aprovação do TC. Implicando uma "maior onerosidade", podendo a medida passar a ser considerada "desproporcionada ou excessiva". A sua excecionalidade e transitoriedade é contrariada pelo alargamento sucessivo da sua base de incidência e pela sua utilização como expediente para substituir medidas inconstitucionais. O plano B não passa, portanto, do regresso ao plano do costume: mais impostos sobre o trabalho e as reformas, enquanto se reduz o imposto sobre o lucro das maiores empresas. Sempre o mesmo plano. Sempre para os mesmos.

A má moeda circula entre São Bento e Belém

Texto de Tomás Vasques hoje publicado no  jornal "i".

O discurso de Ano Novo do senhor Presidente da República roçou o patético porque, ao contrário de todos os seus antecessores, esvazia as funções que a Constituição lhe atribui

É pública e notória a obsessão deste governo, no cumprimento da sua estratégia de empobrecimento dos portugueses e do país, em perseguir particularmente dois grupos de cidadãos: os reformados e os funcionários públicos, como quem noutros tempos perseguia bruxas e hereges. Estes são os principais bodes expiatórios de uma punição religiosamente seguida: diminuir-lhes as reformas e salários, puni--los com impostos extraordinários e outras artimanhas que lhes baixem definitivamente o rendimento familiar ou os lancem para sempre no desemprego e na miséria.

Depois da declaração de inconstitucionalidade da "convergência de pensões" dos sistemas público e privado, tal como foi formulada, o governo apressou-se a apresentar as "medidas alternativas" que repusessem a prevista poupança de 388 milhões de euros. Como não podia deixar de ser, tais medidas vieram recair, outra vez, sobre os reformados, aumentando a incidência do imposto extraordinário sobre as pensões de reforma, agora a partir dos mil euros, e aumentando a contribuição dos funcionários públicos para a ADSE. Estas medidas "alternativas" cheiram a um revanchismo persecutório de que o ainda primeiro-ministro é useiro e vezeiro: só queríamos diminuir as pensões de reformas do sector público, mas como o tribunal Constitucional não permitiu, teremos de reduzir as pensões de todos os reformados, dos sistemas público e privado.

Esta sanha, esta insensibilidade social revela-se tão evidente que, ao mesmo tempo que essas medidas foram anunciadas, pelo ministro Marques Guedes, numa conferência de imprensa recheada de "recalibragens" e outros eufemismos da nova linguagem do poder, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, informava que a regularização de dívidas fiscais e à Segurança Social, que decorreu em Novembro e Dezembro de 2013, tinha permitido ao Estado arrecadar mais de mil e duzentos milhões de euros, quando a previsão era de setecentos milhões de euros. O que significou mais de quinhentos milhões de euros do que o objectivo traçado pelo governo. Só este facto era suficiente, mesmo que as suas consequências se reportem à descida do défice ao ano de 2013, para evitar mais esta punição sobre os reformados e os funcionários públicos. Mas, para este governo, o que está em causa não é o cumprimento dos défices, fixados pela troika, mas sobretudo o empobrecimento da maioria dos portugueses para agradar a credores e mercados, de quem se sente mandatário.

Nestas circunstâncias (de termos um governo que afronta, todos os dias, deliberadamente, a maioria dos portugueses), o discurso de Ano Novo do senhor Presidente da República roçou o patético, não só porque, ao contrário de todos os seus antecessores, esvazia as funções que a Constituição lhe atribui, ao colocar-se completamente ao serviço das desastrosas políticas do governo, mas também porque a sua voz perdeu toda e qualquer autoridade política que o cargo lhe conferia. É doloroso, para quem acredita na democracia, ouvir o "mais alto magistrado da Nação" cair no ridículo de apelar a "consensos", que se resumem a atrelar o Partido Socialista a esta política de terra queimada e ao inevitável "programa cautelar" que se seguirá ao actual resgate. Definitivamente, a "má moeda" circula entre São Bento e Belém, tornando irrelevante o cargo de Presidente da República, o que desequilibra os pratos da balança da arquitectura constitucional que enforma a nossa fragilizada democracia. E vamos caminhar, assim, sem apelo, mas com muitos agravos, pelo menos, até às próximas eleições legislativas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Cavaco e a estratégia do relógio

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

1-Segundo o Presidente da República, para que possamos ter acesso a dinheiro emprestado a juros razoáveis é essencial que a conclusão do programa de ajustamento seja feita com sucesso. Deixemos agora de lado os sucessos que foram o desemprego, a emigração em massa, a deterioração de serviços essenciais, as falências, a inexistência de reformas estruturais, o reforço do papel do Estado nos principais sectores de atividade, o aumento da dívida, o confisco fiscal, o assalto aos reformados, para que não fosse cumprido um único objectivo orçamental. Se chegarmos a Maio sem sermos sujeitos a um segundo resgate e o Governo, o Presidente da República e a troika desatarem a gritar que a conclusão do programa foi um sucesso, quer dizer que foi um sucesso. Tudo o resto não interessa, mesmo que o programa cautelar nos imponha ainda mais austeridade, mesmo que as contrapartidas para esse seguro forem maiores do que as dum segundo resgate, mesmo que o País esteja de rastos, mesmo que o ajustamento dure décadas, temos de ir todos dançar em redor do relógio de Paulo Portas: eis a estratégia do relógio. 

Com a declaração de falhanço da estratégia de Gaspar, feita pelo próprio, era preciso outra. Chegou há pouco tempo, foi inventada pelo irrevogável ministro, e o Presidente da República aderiu entusiasticamente.

Ora, para que esta estratégia resulte num fantástico sucesso, leia--se chegarmos a Maio sem segundo resgate, é preciso, segundo Cavaco Silva, salvaguardar o Orçamento do Estado, esse documento da "maior relevância". Esqueçamos também que a probabilidade de Paulo Portas respeitar a sua palavra é maior do que chegarmos ao fim de 2014 com 4% de défice, ou seja, estamos perante um orçamento ficcional. Finjamos que não sabemos que não haverá segundo resgate em nenhuma circunstância, não por obra e graça do Governo ou do genial programa de ajustamento, mas porque pura e simplesmente a Europa jamais assumiria o seu próprio fracasso.

Exige-se, porém, a "máxima ponderação e bom senso, um sentido patriótico de responsabilidade", a todos os agentes.

Que o Presidente ache que eu ou qualquer outro agente, cidadão ou instituição, é um irresponsável, um destituído de bom senso e sem amor à pátria, se pensar que este orçamento é péssimo para o País e que nem sequer vai atingir os objectivos a que se propõe, vá que não vá. Não é muito simpático ser insultado pelo nosso máximo representante, mas, francamente, Cavaco não nos tem feito outra coisa e à nossa inteligência nos últimos anos.

E se, por hipótese, o Tribunal Constitucional declarar inconstitucionais partes do orçamento, devemos entender que são os juízes que nos estão a atirar para a "continuação da política de austeridade e a deterioração da credibilidade e da imagem de Portugal" inerentes, segundo o Presidente, a um segundo resgate? Será que os juízes irão agir com ponderação, bom senso e amor à pátria? Cuidado juízes, segundo o Presidente pode haver um Miguel Vasconcelos em cada um de vós. Quererá o Presidente da República dizer que a Constituição se deve sujeitar à definição de bom senso feita por ele próprio?

O Presidente acha que quem não comprar a estratégia do relógio não é patriota. Que quem não pensar como ele não está "à altura do momento crucial" que vivemos. Não falta gente que acha que é ele que não está à altura do momento, que é ele que não mostra bom senso, ponderação e sentido patriótico de responsabilidade. Eu sou um deles.

2-É muito difícil perceber como é que o Presidente da República Portuguesa não fala da Europa e dos problemas europeus, quando fala aos portugueses. E logo numa ocasião em que (enfim...) define metas, aborda assuntos que define como essenciais e fala em compromissos e consensos.

A decisão de não falar da Europa pode ter uma das seguintes razões: ou Cavaco Silva pensa que podemos resolver todos os nossos problemas sem que os decisores europeus sejam tidos ou achados, ou pura e simplesmente não sabe o que há-de dizer ou acha que está tudo certo na política europeia e, logo, não há nada a acrescentar. Convenhamos, nenhuma das opções é de modo a deixar o cidadão descansado. Mas, o que mais assusta é sabermos que o nosso representante pode não perceber que não há solução para a nossa situação sem que a Europa mude de políticas e que, se não as mudar, iremos regredir economicamente e sobretudo socialmente várias décadas. Ou então sairmos do euro e da Europa que ainda nos faria regredir mais.

O Presidente que em Florença, em Outubro de 2011, tinha uma ideia para a Europa, o Presidente que ainda o ano passado dizia que tínhamos argumentos para exigir o apoio dos nossos parceiros europeus, foi tomado pelo provinciano Cavaco Silva. É preciso ter azar.

A cruel asfixia dos reformados

Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no  jornal "i".

Passos Coelho cumpre com o que sempre quis e Portas volta a trair a palavra dada e aceita uma TSU
 
Não haja dúvida de que há um motivo ideológico puro e duro que emerge por detrás de cada medida que o governo anuncia quando se trata de agravar a austeridade. A experiência demonstra que existe o propósito assustador e deliberado de impor cortes e sacrifícios acrescidos a dois grupos específicos de cidadãos: os reformados e os funcionários públicos, nomeadamente aos primeiros, agora já independentemente do sector de onde são oriundos.

Para arranjar menos de 400 milhões de euros, que poderiam ser encontrados com um aumento de meio por cento do IVA (um imposto cego mas justo) ou numa gestão racional da execução orçamental ao longo de seis meses de exercício, o governo recusou-se pura e simplesmente a procurar uma alternativa que não fosse sacrificar perversamente o grupo mais frágil de cidadãos, que não tem hipótese nenhuma de fugir ao alargamento da contribuição extraordinária de solidariedade (CES), que passou a permanente, tendo o efeito de um imposto ou taxa, o que vem dar rigorosamente no mesmo.
Não houve um esboço de esforço para flexibilizar o défice junto da troika nem para ir buscar dinheiro às PPP, que são fortalezas inexpugnáveis, protegidas por escritórios ligados à política.

Além de a CES, que, tanto quanto se sabe, pode passar a incidir sobre rendimentos de reformas que rondam os novecentos ou mil euros, embora seja possível que o governo aplique um valor ligeiramente acima para desanuviar a tensão em cima da hora, o que mais impressiona em todo este processo é a lamentável figura de Paulo Portas.

De Passos Coelho esperava- -se este trilho desde o dia em que tomou posse, após uma campanha em que prometeu exactamente o contrário do que faz com o maior dos desplantes. Mas Portas não pára de surpreender pela falta de palavra, para não dizer de carácter.

É que foi ele que falou de linha intransponíveis e de decisões irrevogáveis. Foi ele que ameaçou o governo até receber a ornamentação de vice-primeiro-ministro. Foi ele que se atirou para o chão aquando da TSU, que agora ressuscita. Foi ele que fez do CDS o partido do contribuinte e que tem andado a mudá-lo de CDS para PP à medida de interesses pontuais e demagógicos, que já passaram por fases pomposas como a defesa da lavoura, e recentemente a inauguração de um relógio que supostamente faz as contas do regresso do país à soberania plena e ao fim do protectorado. Seria risível se não fosse trágico.

Há no comportamento permanente dos líderes da coligação algo de obsessivo e sistemático dirigido contra extractos muito concretos da população, aos quais pouco ou nada resta para se defenderem além do exercício do voto como penalização, mesmo que se atirem para os braços de outros incompetentes ou até de demagogos.

É este o exercício medíocre do poder de quem se sente forte quando ataca os fracos sem a menor compaixão e com uma imperturbável frieza, que perpassou na forma como as coisas foram anunciadas de chofre e sem outras considerações.