Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
Robert
Cox, académico canadiano da área de Relações Internacionais, sugere que
a governação global efetivamente existente tem como protagonista uma
rede de contornos difusos, envolvendo empresas, governos, fazedores de
opinião e operadores institucionais dos mercados mais influentes em cada
momento. Cox chama sugestivamente a essa entidade "a nebulosa", pondo
assim em destaque a falta de nitidez da sua institucionalidade e dos
seus canais de expressão.
A nebulosa produz pensamento, define
padrões de política e recruta os melhores quadros para as pôr em
prática. Em bom rigor, os governos nacionais são apenas os intérpretes
de fim de linha deste modo de governar o mundo. Com uma influência muito
mais forte na fabricação de decisões alinhadas por padrões de alcance
internacional está esse grupo estranho que dá pelo nome de
"facilitadores". Os facilitadores são os intermediários entre a nebulosa
e as instâncias locais de decisão. São tipos cinzentos, que se movem
discreta e habilmente nos círculos do poder, fazendo um vaivém
permanente entre o mundo dos negócios e o mundo da política, que vêm à
boca de cena debitar normas de boa governação carregadas de princípios
de ética pública ao mesmo tempo que, na sombra dos seus escritórios,
preparam diplomas legislativos destinados a favorecer interesse
particulares que lhes pagam principescamente para o efeito. Os
facilitadores facilitam, claro. Mas facilitam sempre o mesmo e para os
mesmos.
A porosidade entre os negócios e a política tem uma
escala nacional conhecida, que nem a institucionalização do lobbying nem
a fixação de um período de nojo mínimo conseguirá prevenir. As regras
formais valem pouco diante de uma realidade informal feita de
cumplicidades fundas traduzidas na defesa de interesses privados através
de cargos públicos. Os que passam subitamente do governo onde tiveram a
tutela de uma área para um operador privado dessa área são apenas o
rosto mais obsceno de uma realidade tentacular muito mais complexa. Na
verdade, ao exporem-se de modo tão aberto, esses facilitadores complicam
a vida aos seus mentores mais do que facilitam.
Na promiscuidade
entre a política e os negócios como no futebol, o campeonato português é
subalterno. Há uma champions league com o estrelato político e
empresarial - e salarial, já agora...- onde pontuam figuras como Mário
Draghi - que ziguezagueou entre o Banco de Itália, o Goldman Sachs e o
Banco Central Europeu - Peter Sutherland, com um percurso entre o Royal
Bank of Scotland, a Comissão Europeia e o Goldman Sachs - ou Robert
Zoellick, que transitou de funções de direção do Goldman Sachs para o
Banco Mundial, regressando depois ao Goldman Sachs.
Pelos
exemplos dados, salta à vista que o banco Goldman Sachs é um clube dessa
champions league que é a nebulosa da governação global. Esse "nicho de
um poder mundial não eleito" - como certeiramente o designou Viriato
Soromenho Marques - faz da governação global a sua especialização de
mercado. Uma governação global feita de bolhas especulativas, de
cumplicidade com o falseamento de contas públicas, de promiscuidade
entre governos e negócios, de manipulação dos mercados cuja liberdade e
transparência apregoa. Foi para esse clube que José Luís Arnaut,
deputado do PSD, advogado de várias empresas privatizadas por governos
que apoiou politicamente, ex-ministro, foi agora recrutado. No futebol,
como na facilitação de um relacionamento "agradável e útil" entre o
mundo dos negócios e a política, os clubes da champions estão atentos
aos campeonatos distritais. E recrutam quem neles sobressai.