Este é um texto que vale a pena ser lido dado ter sido escrito por alguém que sabe do que fala e assim desmontar uma das maiores patranhas que Passos Coelhos e a corja de idiotas que o acompanham tentam "vender" ao povo português.
Texto de António Bagão Felix, Economista e ex-ministro das Finanças, hoje publicado no "Publico".
A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de
indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão
colectiva e uma tecnocracia gélida.
Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está meio
cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à
memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema
pensões alimenta. Eis (apenas) algumas:
1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”.
O número está, desde logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às
pensões, quem assim faz as contas esquece-se que ao seu valor bruto há
que descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas.
Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de pensões pagas (CGA + SS) há que
abater a parte que financia a sua componente contributiva (cerca de 2/3
da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa 8,1% da despesa das
Administrações Públicas.
2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando transforma as
SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo futuro.
Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E
tantos outros casos…
3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando entravam
mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se
queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.
4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é insustentável”.
Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito
duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito menos
do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento
gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que
tantos “sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões
públicas e nada dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação
também pelas mesmas razões económicas e demográficas? Ou das rodovias?
Ou do sistema de justiça? Ou das Forças Armadas? Etc. Será que só para
as pensões o pagador dos défices tem que ser o seu pseudo “causador”,
quase numa generalização do princípio do poluidor/pagador?
5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de
explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas
quais a CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).
6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com
cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por
90% das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50%
de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres
agradecem tal desvelo.
7. A CES, além de um imposto duplo sobre o rendimento, trata de igual
modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não
diferencia careiras longas e nem sequer distingue idades (diminuindo o
agravamento para os mais velhos) como até o fazia a convergência
(chumbada) das pensões da CGA.
8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais
afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e
os créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as
arbitrariedades?
9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”. Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima redução da dedução específica?
10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e dissimulada do
famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU das
empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo
efeito por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já
um passo significativo.
11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a “calibrada”
CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€. Descontado o
montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através da
CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€
brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000
pessoas - que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo
juntando mais alguns milhões de receitas por via do agravamento dos
escalões para as pensões mais elevadas, dificilmente se ultrapassam os
80 M€. Faltam 148 M, quase 0,1% do PIB (dos 0,25% que o Governo entendeu
não renegociar com a troika, lembram-se?). Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?
12. A apelidada “TSU dos pensionistas” prevista na carta que o PM enviou a Barroso, Draghi e Lagarde em 3/5/13 e que tinha o nome de “contribuição de sustentabilidade do sistema de pensões”
valia 436 M€. Ora a CES terá rendido no ano que acabou cerca de 530 M€.
Se acrescentarmos o que ora foi anunciado, chegaremos, em 2014, a mais
de 600 M€ de CES. Afinal não nos estamos a aproximar da “TSU dos
pensionistas”, mas a … afastarmo-nos. Já vai em mais 40%!
13. A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro
de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão
colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da
ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas
incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália
quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que
dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os
atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?
P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que
demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores
de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por
que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética
social da austeridade?
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