Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".
Já se sabe que a política nacional está tomada pela novilingua.
É-se "requalificado" em vez de se ser despedido, há "ajustamentos" em
vez de cortes e o "irrevogável" é apenas um argumento para a negociação
de lugares. Não é de hoje nem é de cá. Nestes tempos em que os
"colaboradores" são "dispensados" em "reestruturações", a forma mais
eficaz de mudar a realidade é, como sempre foi, renomeá-la. Mas ninguém
levou as coisas ao ponto experimentado por este governo.
Como "plano A" para uma convergência de sistemas de
pensões, que não era na realidade uma "convergência", foi unanimemente
chumbado pelo Tribunal Constitucional, Luís Marques Guedes veio, com a
serenidade doce de quem faz um mero "ajustamento", anunciar que, para
não aumentar os impostos, o Contribuição Extraordinária de Solidariedade
(outro eufemismo) será recalibrada. Era esse o "plano B".
Tudo errado. A "contribuição" não é uma taxa (que
teria de corresponder a um serviço do Estado), é um imposto. E assim
sendo, o seu aumento não é uma alternativa ao aumento de impostos, é um
aumento de impostos dirigido exclusivamente aos reformados. Não é
extraordinário, porque há muito deixou de ser transitório e porque a sua
transitoriedade baseia-se em várias pressupostos não documentados e até
algumas mentiras e desonestidades em relação à sustentabilidade dos
sistemas de reformas. Sobretudo, o CES nada tem, nunca teve, a ver com a
sustentabilidade do sistema de pensões. Tem apenas e só a ver com o
confisco de rendimentos para cumprir metas acordadas com a troika que
são e continuarão a ser inalcançáveis sem a destruição da economia. Não
é, pela sua abrangência e pela população atingida, de "solidariedade". E
não será "recalibrado" (um eufemismo pateta). Será aplicado a
reformados com menos rendimentos do que até aqui, será aumentado ou as
duas coisas. Resumindo: o governo vai aumentar um imposto específico
sobre os reformados para cumprir a meta do défice. Ponto final,
parágrafo.
Resolve-se com isto a inconstitucionalidade apontada
pelo Tribunal? Não sei. Sei que cria um novo problema constitucional.
Não preciso de grande esforço para explicar porquê. Socorro-me do
acórdão do Tribunal Constitucional de abril do ano passado, quando
aceitou a constitucionalidade do CES: "A norma suscitada não se
afigura ser desproporcionada ou excessiva, tendo em consideração o seu
caráter excecional e transitório e o patente esforço em graduar a medida
do sacrifício que é exigido aos particulares em função do nível de
rendimentos auferidos, mediante a aplicação de taxas progressivas, e com
a exclusão daquelas cuja pensão é de valor inferior a 1.350 euros,
relativamente aos quais a medida poderia implicar uma maior onerosidade".
Baixando o rendimento a partir do qual este imposto é
aplicado, fica em causa o pressuposto que levou à aprovação do TC.
Implicando uma "maior onerosidade", podendo a medida passar a ser
considerada "desproporcionada ou excessiva". A sua excecionalidade e
transitoriedade é contrariada pelo alargamento sucessivo da sua base de
incidência e pela sua utilização como expediente para substituir medidas
inconstitucionais. O plano B não passa, portanto, do regresso ao plano
do costume: mais impostos sobre o trabalho e as reformas, enquanto se
reduz o imposto sobre o lucro das maiores empresas. Sempre o mesmo
plano. Sempre para os mesmos.
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