Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
1-Segundo o
Presidente da República, para que possamos ter acesso a dinheiro
emprestado a juros razoáveis é essencial que a conclusão do programa de
ajustamento seja feita com sucesso. Deixemos agora de lado os sucessos
que foram o desemprego, a emigração em massa, a deterioração de serviços
essenciais, as falências, a inexistência de reformas estruturais, o
reforço do papel do Estado nos principais sectores de atividade, o
aumento da dívida, o confisco fiscal, o assalto aos reformados, para que
não fosse cumprido um único objectivo orçamental. Se chegarmos a Maio
sem sermos sujeitos a um segundo resgate e o Governo, o Presidente da
República e a troika desatarem a gritar que a conclusão do programa foi
um sucesso, quer dizer que foi um sucesso. Tudo o resto não interessa,
mesmo que o programa cautelar nos imponha ainda mais austeridade, mesmo
que as contrapartidas para esse seguro forem maiores do que as dum
segundo resgate, mesmo que o País esteja de rastos, mesmo que o
ajustamento dure décadas, temos de ir todos dançar em redor do relógio
de Paulo Portas: eis a estratégia do relógio.
Com a declaração de
falhanço da estratégia de Gaspar, feita pelo próprio, era preciso
outra. Chegou há pouco tempo, foi inventada pelo irrevogável ministro, e
o Presidente da República aderiu entusiasticamente.
Ora, para
que esta estratégia resulte num fantástico sucesso, leia--se chegarmos a
Maio sem segundo resgate, é preciso, segundo Cavaco Silva, salvaguardar
o Orçamento do Estado, esse documento da "maior relevância". Esqueçamos
também que a probabilidade de Paulo Portas respeitar a sua palavra é
maior do que chegarmos ao fim de 2014 com 4% de défice, ou seja, estamos
perante um orçamento ficcional. Finjamos que não sabemos que não haverá
segundo resgate em nenhuma circunstância, não por obra e graça do
Governo ou do genial programa de ajustamento, mas porque pura e
simplesmente a Europa jamais assumiria o seu próprio fracasso.
Exige-se, porém, a "máxima ponderação e bom senso, um sentido patriótico de responsabilidade", a todos os agentes.
Que
o Presidente ache que eu ou qualquer outro agente, cidadão ou
instituição, é um irresponsável, um destituído de bom senso e sem amor à
pátria, se pensar que este orçamento é péssimo para o País e que nem
sequer vai atingir os objectivos a que se propõe, vá que não vá. Não é
muito simpático ser insultado pelo nosso máximo representante, mas,
francamente, Cavaco não nos tem feito outra coisa e à nossa inteligência
nos últimos anos.
E se, por hipótese, o Tribunal Constitucional
declarar inconstitucionais partes do orçamento, devemos entender que
são os juízes que nos estão a atirar para a "continuação da política de
austeridade e a deterioração da credibilidade e da imagem de Portugal"
inerentes, segundo o Presidente, a um segundo resgate? Será que os
juízes irão agir com ponderação, bom senso e amor à pátria? Cuidado
juízes, segundo o Presidente pode haver um Miguel Vasconcelos em cada um
de vós. Quererá o Presidente da República dizer que a Constituição se
deve sujeitar à definição de bom senso feita por ele próprio?
O
Presidente acha que quem não comprar a estratégia do relógio não é
patriota. Que quem não pensar como ele não está "à altura do momento
crucial" que vivemos. Não falta gente que acha que é ele que não está à
altura do momento, que é ele que não mostra bom senso, ponderação e
sentido patriótico de responsabilidade. Eu sou um deles.
2-É
muito difícil perceber como é que o Presidente da República Portuguesa
não fala da Europa e dos problemas europeus, quando fala aos
portugueses. E logo numa ocasião em que (enfim...) define metas, aborda
assuntos que define como essenciais e fala em compromissos e consensos.
A
decisão de não falar da Europa pode ter uma das seguintes razões: ou
Cavaco Silva pensa que podemos resolver todos os nossos problemas sem
que os decisores europeus sejam tidos ou achados, ou pura e simplesmente
não sabe o que há-de dizer ou acha que está tudo certo na política
europeia e, logo, não há nada a acrescentar. Convenhamos, nenhuma das
opções é de modo a deixar o cidadão descansado. Mas, o que mais assusta é
sabermos que o nosso representante pode não perceber que não há solução
para a nossa situação sem que a Europa mude de políticas e que, se não
as mudar, iremos regredir economicamente e sobretudo socialmente várias
décadas. Ou então sairmos do euro e da Europa que ainda nos faria
regredir mais.
O Presidente que em Florença, em Outubro de 2011,
tinha uma ideia para a Europa, o Presidente que ainda o ano passado
dizia que tínhamos argumentos para exigir o apoio dos nossos parceiros
europeus, foi tomado pelo provinciano Cavaco Silva. É preciso ter azar.
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