Texto de José Eduardo Moniz, hoje publicado no "Correio da Manhã"
"Na quarta-feira, Passos Coelho viveu uma situação parecida com um duche escocês: ao mesmo tempo em que, na Alemanha, Angela Merkel elogiava o seu trabalho para reduzir o défice português, em Matosinhos era vaiado por populares indignados com os resultados produzidos pelas suas opções de austeridade.
Bem pode habituar-se a cenas destas. A oposição ao Governo tenderá a transferir-se para as ruas, dada a incapacidade da oposição política em posicionar-se como alternativa com credibilidade. Quanto mais Portugal for aluno cumpridor, mais se cavará o fosso entre o primeiro-ministro e as pessoas. O quadro está traçado para os próximos anos, de forma inapelável.
Pouco convincente e persuasiva, aos olhos dos eleitores, a pressurosa reacção do número dois do Governo, ao argumentar que coube a Passos Coelho o azar de ter de resolver as dívidas que outros, antes dele, contraíram irresponsavelmente. Miguel Relvas recorreu ao exemplo dos milhares de quilómetros de asfalto que se construíram, ao longo de anos e anos, sem que se cuidasse de saber como seriam pagos. Não é, de facto, mau exemplo.
Toda a gente sabe que se se tivesse investido na verdadeira modernização da estrutura industrial e na dinamização de um empresariado digno desse nome, em vez de se espalhar betão e alimentar o oportunismo de gente habituada a viver à sombra do Estado ( bem como as negociatas que tanta corrupção geraram), as coisas poderiam ser diferentes. As palavras de Relvas surgem recheadas da fatal ironia de não poupar os anteriores primeiros-ministros do PSD, o seu próprio partido, nem sequer Cavaco Silva, o primeiro a definir o rumo do betão. É o reconhecimento, provavelmente involuntário, de que ninguém está isento de culpa quando se trata de apurar responsabilidades pelo perfil que o País assumiu e pelas debilidades que tem. Podem todos deixar-se de falsos moralismos quando se propõem atirar a primeira pedra. Do Ambiente à Justiça, da Agricultura à Saúde, das Finanças às Pescas, da Educação à Segurança Social, a história recente é uma impressionante colectânea de erros e jogos de interesses que destruíram valor e empurraram Portugal para a expressão mais simples, sem capacidade para gerir o seu destino e sem autonomia para resolver os seus próprios problemas, subjugado que está pela vontade dos credores.
A venda da EDP, uma das poucas jóias ainda parcialmente na posse do Estado, surge na sequência desse processo de empobrecimento que a crise internacional tornou indisfarçável. Espera-se que haja transparência na privatização para que não nos assemelhemos a qualquer país do terceiro mundo, onde as regras se ajustam às conveniências de ocasião ou às traficâncias da política. Que seja escolhida a melhor proposta e não a que resulte de arranjinhos de última hora. Ao menos, "pobres", mas "honrados"."
sábado, 17 de dezembro de 2011
O aviso da rua
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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