Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal I-online.
Dizia, categórico, como sempre, Pedro Passos Coelho, o nosso inverosímil primeiro-ministro, a 8 de Março do ano passado, a um jornalista sueco: "Já dissemos que vamos voltar aos mercados de dívida em Setembro de 2013 e é o que vai acontecer." Três dias depois, em Washington, o então "homem do leme", Vítor Gaspar, precisava esse "regresso aos mercados" com maior rigor, escolhendo o equinócio de Outono para concretizar tão almejado objectivo: 23 de Setembro. Hoje, exactamente esse tal 23 de Setembro, todos sabem que o "é o que vai acontecer" não aconteceu, nem tão cedo acontecerá.
O "memorando de ajustamento", e as suas várias revisões, assumido como o programa do principal partido do governo (que por ironia das teias que Abril teceu se chama "social-democrata") e, sobretudo, a sua desastrosa execução, neste dois anos e meio, foi um fracasso de proporções assustadoras, cujas consequências a maioria dos portugueses irá pagar durante muitas décadas. Lembremo-nos da garantia dada por este governo de que os sacrifícios, o empobrecimento e a miséria em que a maioria dos portugueses ia cair permitiriam, no próximo ano, um défice orçamental de 2,3% e um desemprego de 12,5%. Hoje, todos sabem que, face ao fiasco que se estende aos olhos de todos, o vice-primeiro-ministro pretende, nas "negociações" com a troika, atingir em 2014 o dobro do défice que nos prometeram, enquanto o desemprego disparou para números dramáticos e a dívida continua a crescer.
Mas, nada disto envergonha, minimamente, quem nos governa. Continuam, como se nada se passasse, a prostituir as palavras e as promessas. Paulo Portas garante-nos, por estes dias, que já "batemos no fundo", e a partir daqui "vamos subir a escada". Por sua vez, o ministro da Propaganda, Poiares Maduro afiança-nos que "o governo tudo tem feito para que o país possa concluir com sucesso o programa de ajustamento". Não têm emenda, nem assomo de frontalidade. A desfaçatez, a leviandade, a irresponsabilidade e a incompetência é a mesma com que Passos Coelho, em Abril de há dois anos, declarou, com ar solene: " todos aqueles que produziram os seus descontos e que têm hoje direito às suas reformas e às suas pensões as deverão manter no futuro, sob pena de o Estado se apropriar daquilo que não é seu". Este governo não acerta uma: faz o que jurou nunca fazer e não faz o que se compromete a fazer.
Este colossal embuste político em que vivemos, no qual o "memorando de ajustamento" com a troika serviu de pretexto para que um grupo de neoliberais estruturalmente analfabetos, sobretudo por razões ideológicas, se atirasse à tarefa de enfraquecer os mais fracos e fortalecer os mais fortes, vai acabar muito mal. Depois de dia 29, passadas as eleições autárquicas, e se os resultados eleitorais para os partidos da coligação no governo não forem suficientemente penalizadores, chegarão as dolorosas "facturas" no orçamento de Estado do próximo ano, no prosseguimento desta política intencional de empobrecer, empobrecer cada vez mais.
O caminho por onde este governo leva o país é mais o de um segundo resgate, com todas as consequência que daí resultam, sobretudo para milhares de portugueses que nunca mais terão oportunidade de voltar a ter um emprego e uma vida minimamente decente, do que o do "regresso aos mercados". Como escreveu Albert Camus, cujo centenário de nascimento se comemora este ano: "Um décimo da humanidade terá direito à personalidade e exercerá a autoridade ilimitada sobre os outros nove décimos. Estes perderão a sua personalidade, tornando-se uma espécie de rebanho, restritos à obediência passiva, sendo reconduzidos à inocência primeira, por assim dizer, ao paraíso primitivo, onde, de resto, deverão trabalhar."