Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"
Afinal, o empobrecimento de que o primeiro-ministro (PM) falava há
poucos meses não é nada que alguém, em perfeito juízo, possa defender.
Passos Coelho, entretanto convertido a ajuizado, fala agora de
"ajustamento", uma palavra que fere muito menos os ouvidos, sobretudo em
vésperas de eleições.
Empobreceram os portugueses em nome de um pretenso "viver acima das possibilidades", sabendo que a generalidade dos portugueses é poupada e fez sacrifícios para ter direito a uma casa com um mínimo de dignidade - paga aos bancos no triplo do seu valor - ou para dar formação aos seus filhos. De seguida, roubaram salários e pensões para o "país pagar a dívida pública", quando afinal a austeridade aumentou a dívida e diminuiu a capacidade do país de produzir riqueza.
Este "ajustamento" é inquestionavelmente feito pelo empobrecimento, destrói e não cura, deixando marcas profundas. É um facto insofismável que se estão a empobrecer as pessoas, a escola, os sistemas de saúde e segurança social, os serviços públicos. Que se destroem empresas e organizações.
Costuma dizer-se que "de boas intenções está o Inferno cheio". A política, e em particular os atos da governação, consubstanciam opções concretas sobre a vida das pessoas e do país. Deixemo-nos de condescendências e branqueamentos à personalidade do PM. Ele, a troika e outros figurões nacionais e europeus, que vêm impondo este inqualificável "ajustamento", sabem bem o que ele significa. Quando a troika, por certo combinada com o governo, lança na comunicação social a ideia de cortar no salário mínimo ou de liquidar definitivamente a negociação coletiva e o diálogo social, assume desproteger e empobrecer ainda mais os portugueses.
No Portugal imaginário da troika e de Passos Coelho, construído com um discurso traiçoeiro e mentiroso, dizia-se que o empobrecimento era purificador e criava poupança, atraía capitais, gerava investimento e fomentaria o emprego. No Portugal real, o "ajustamento" canaliza a poupança para o serviço de uma dívida que nunca é paga, destrói o Estado social, engordando os mercados da saúde, do ensino e das reformas, gera um brutal desemprego, reforça a nossa dependência relativamente aos credores e às instituições que os representam, oferece ao desbarato recursos nacionais na "tentativa" de seduzir capitais internacionais que jamais se seduzirão com as sessões de "strip" de Portas, de Passos Coelho e de Maria Luís.
O nosso problema é que o "ajustamento", feito por um empobrecimento conscientemente promovido, é na realidade a estrada que conduz não à recuperação, mas ao declínio. O "ajustamento", ou o que lhe queiram chamar, não é "apenas" uma boa dose de empobrecimento e de graves problemas sociais imediatos, é também o início de um complexo processo de desdesenvolvimento, uma delicada armadilha para o nosso futuro.
São perigosas as ilusões de que a troika irá embora e encontraremos soluções nos "mercados", ou o sebastianismo que aguarda um milagre europeu. A destruição da economia, o desemprego massivo, a emigração de jovens qualificados, a destruição de estruturas do Estado e da chamada sociedade civil impedem o país de criar a riqueza necessária. A dívida tende a manter-se e a aumentar. A declaração do seu incumprimento será uma questão de tempo, trazendo uma montanha de problemas para gerações de portugueses.
Ou os portugueses não abdicam da soberania, conseguem impor uma rápida mudança de rumo e de governo, ou ainda vão ser acusados de não terem permitido a resolução da crise por não fazerem os sacrifícios que se impunham e por teimarem em querer viver em democracia.
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