DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

sábado, 30 de novembro de 2013

Os velhos: não é possível exterminá-los?

Esta transcrição é algo que nunca se pensou ser possivel neste blogue. Dar razão e promover a palavra de Pacheco Pereira? Nunca, jamais, seria impensável tal acontecer mas, neste caso, merece mesmo destaque e promoção. É caso para dizer que "se até já houve quem visse um porco a andar de bicicleta" ...

Texto de Pacheco Pereira hoje publicado no jornal Publico.

Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”.

Eu gostaria muito de escrever artigos racionais, ponderados, que merecessem uma aura académica e sensata, que unissem em vez de dividir, que me permitissem ter a minha quota de lugares, prémios e prebendas, mas estou condenado, nestes tempos, a escrever cada vez mais panfletos. Acontece. Isto do imperativo categórico, como Kant sabia, é uma maçada.

Isso deve-se ao facto de não querer ter nenhuma falinha mansa, daquelas que enchem o balofo da nossa política de mútuos cumprimentos e salamaleques, com gente que se mostra impiedosa por indiferença, hostil com os fracos que estão do lado errado da “economia”, subserviente com os fortes, capaz de usar todos os argumentos para dividir, se daí vier alguma pequena folga para as suas costas.
Tenho dito e vou repetir: a herança que estes dois anos de “Governo” Passos Coelho-Portas-troika vai deixar ultrapassará muito o seu tempo de vida como governantes. Se não for antes, em 2015, passarão à história como um epifenómeno dos tempos da crise e sobreviverão incrustados nos partidos de onde lhes vem o poder, como um fungo que não se consegue limpar. Vão continuar a estragar muita coisa, mas a própria lógica de onde vieram os substituirá por outros mais ou menos maus. A maldição portuguesa é esta. Aquilo que mais precisamos, não temos.

Mas, mesmo que desapareçam como as figuras menores que realmente são, vão deixar estragos muito profundos no tecido já de si muito frágil da nossa vida colectiva, cavando fundo divisões e conflitos, destruindo o pouco de humanidade social que algum bem-estar tinha permitido. Eles estão, como as tropas romanas, a fazer no seu Cartago, infelizmente no nosso Portugal, o terreno salgado e estéril. Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.

Um exemplo avulta nos últimos dias, que já vem de trás, mas que ganha uma nova dimensão: o ataque aos velhos por serem velhos, uma irritação com o facto de haver tanta gente que permanece como um ónus para o erário público apesar de já não ser “produtiva”, de não ter saída no “mercado do trabalho”, de estar “gasta”. De ministros que não leram Camões e nem sequer sabem quem são os “velhos do Restelo”, a gente que pulula nesse novo contínuo dos partidos e do Estado que são os blogues, a umas agências de comunicação que são as Tecnoforma dos dias de hoje, boys e empregados de todos os poderes para fazerem na Internet e nos jornais o sale boulot, todos, de uma maneira ou de outra, atacam os velhos, por serem velhos. Numa sociedade envelhecida, isso significa atacar a maioria dos portugueses, em nome de uma ideia de juventude “empreendedora”, capaz de fazer uma empresa do nada só com “ideias”, “inovação” e design, sem os vícios do “passado”, capaz de singrar na vida sem “direitos adquiridos”, nem solidariedade social, imagem que tem o pequeno problema de ser tão mitológica como a Fada dos Dentinhos.

Grande parte do ataque a Mário Soares e a muitos que estiveram na Aula Magna foi feito em nome de eles serem “velhos”, logo senis. Nem sequer é por implicação, é dito com clareza, com o mesmo tipo de “argumentos” com que os soviéticos enviavam os dissidentes para os asilos psiquiátricos porque quem estivesse no uso normal das suas faculdades não podia deixar de ser comunista. Aqui é o mesmo: só pode ser senil quem duvidar da bondade das medidas do Governo, apresentadas como sendo a realidade pura, inescapável, inevitável. Como pode estar bom da cabeça quem coloca em causa a versão em “economês” da lei da gravidade? Só um louco. E se for velho, é-se senil, ultrapassado, antiquado, mesquinho, por definição. Não há outra maneira de explicar que haja velhos com tantas ideias “erradas” sobre a bondade do nosso “ajustamento” e que sejam empecilhos para os “jovens” brilhantes que o aplicam com vigor e sem vergonha.      
  
Muito do discurso contra os velhos, que começa, em bom rigor, cada vez mais cedo, quando se perde o emprego e se fica “gasto” para o mercado de trabalho, é um discurso que pretende ser utilitário no plano político, e é isso que o torna moralmente desprezível. Destina-se a justificar o violento ataque a reformas e pensões, a gente que trabalhou a vida toda, e que ainda tem memória do que custou obter esses malfadados “direitos”, resultado de “contratos” de “confiança” com o estado, tudo coisas de velhos que estão a “roubar” aos mais novos do seu futuro. Estão a mais. E se eles não percebem que estão a mais a gente vai mostrar-lhes pelo vilipêndio e pelo saque que já há muito deveriam ter desaparecido.
                     
Muita coisa tem hoje a ver com esta demonização da idade. Um caso entre muitos, é o que se está a passar com o despedimento colectivo dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Nem sequer discuto se a empresa tinha que encerrar ou não, porque a partir de um certo nível de dolo e degradação da linguagem esse não é o primeiro problema. Podia ser, mas com esta gente não é, porque, ao fazerem as coisas como fazem, sempre obcecados em enganar-nos, merecem que contra eles se volte tudo, o discurso empolgado dos “navegadores” e a retórica do “mar”, ao mesmo tempo que se fecha o único estaleiro que sobrava, a disparidade de não querer pagar 180 milhões de euros, enquanto se aumenta a taxa para a RTP, que recebe todos os anos muito mais do que isso, a displicência com que se apresenta como grande vitória, mais de 600 despedimentos.
        
Acresce a soma de mentiras habituais: que 400 trabalhadores vão ser reintegrados (afinal não há nenhuma garantia), que vão ser pagas as devidas indemnizações (afinal parece que só a parte deles), que vai continuar a construção naval (quando não custa perceber que o que a Martifer vai fazer não são navios). O que vai acontecer é um enorme despedimento colectivo feito pelo Estado, o encerramento dos estaleiros à construção naval, o preço de saldo para a Martifer após o Estado, como no BPN, pagar todos os custos. E, na vaguíssima hipótese de alguns trabalhadores serem empregados na nova empresa, serão sempre poucos, com salários mais baixos, com uma folha de antiguidade a zero, e ficarão de fora os mais velhos e os mais reivindicativos. Alguém vai contratar um membro da comissão de trabalhadores, mesmo que seja um excelente soldador? Como muita da mão-de-obra dos estaleiros já tem uma certa idade – os velhos começam a ser velhos aos quarenta –, está-se mesmo a ver a sua “empregabilidade”.

Não custa fazer o discurso politicamente correcto de que a “esquerda não tem o monopólio da sensibilidade social” (e não tem), nem dizer aqueles rodriguinhos do costume do género “que bem sabemos como os portugueses estão a sofrer”, ou que “nenhum Governo gosta de tomar estas medidas”, ou elogiar os portugueses pelo seu papel “decisivo” no sucesso da aplicação do “ajustamento”, etc., etc. Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”, já não posso ver a hipocrisia de Passos Coelho e de Aguiar Branco, ao lado do exibicionismo pavoneado dos soundbites de Portas.

Swift escreveu em 1729 uma sátira sobre a pobreza na Irlanda chamada Uma modesta proposta para evitar que as crianças dos pobres irlandeses sejam um fardo para os seus pais e o seu país e para as tornar um benefício público. Aconselhava os pobres a comerem os filhos, como meio de combater a fome, “grelhados, fritos, cozidos, guisados ou fervidos”. Na verdade, quando se assiste a este ataque à condição de se ser mais velho – um aborrecimento porque exige pagar reformas e pensões, faz uma pressão indevida sobre o sistema nacional de saúde, e, ainda por cima, protestam e são irreverentes –, podia avançar-se para uma solução mais simples. Para além de os insultar, de lhes retirar rendimentos, de lhes dificultar tudo, desde a obrigação de andar de repartição em repartição em filas para obter papéis que lhes permitam evitar pagar rendas de casa exorbitantes, até ao preço dos medicamentos, para além de lhes estarem a dizer todos os dias que ocupam um espaço indevido nesta sociedade, impedindo os mais jovens de singrarem na maravilhosa economia dos “empreendedores” e da “inovação”, será que não seria possível ir um pouco mais longe e “ajustá-los”, ou seja, exterminá-los?

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

E o Estado de Direito não põe comida no prato (2)

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".

A tomada das escadarias da Assembleia da República transformou-se num marco simbólico para muitas manifestações. O que já levou a momentos tensos e até violentos no Largo de São Bento, com a polícia a defender, sem cedências, aquela linha que supostamente divide a rua do poder. É por isso que a imagem da polícia a "conquistar" aquelas escadaria se torna tão forte. Como podem as forças de segurança impor aos outros os limites que elas próprias ultrapassam?

A gravidade não reside, obviamente, no facto do corpo de intervenção não ter atuado com mais vigor para impedir aquele desfecho. Nem me parece, nestes e noutros protestos, que a defesa duma escadaria valha alguma cabeça partida, nem acho que, do ponto de vista simbólico, a imagem de polícias a bater noutros polícias, como vimos nos tempos de Cavaco Silva , fosse mais benigna para a autoridade do Estado. O problema foi mesmo dos policias manifestantes que se terão esquecido, por umas horas, das suas funções. Quando a polícia não cumpre os limites que a própria polícia determina para si e para os outros, é o Estado de Direito que está em causa, disseram muitos. No caso em apreço, talvez seja um pouco excessivo dizer tanto. Mas reconheço que este foi um sinal que não pode ser ignorando. Porque ele é o reflexo dum clima geral no País. Que tem responsáveis muito fáceis de identificar. 

Quando o governo exerce uma pressão sem precedentes sobre o Tribunal Constitucional, não hesitando em procurar no exterior aliados para esse inaceitável comportamento, começa a ser difícil falar de respeito pelos órgãos de soberania. Quando trata a Constituição do País como um problema a contornar e não como um limite que, por vontade dos poderes eleitos, não pode ser ultrapassado, começa a ser difícil falar no primado da lei. Quando o governo não cumpre os compromissos do Estado para com os cidadãos e, de forma continuada, põe em causa a indispensável confiança no Estado, começa a ser difícil garantir a autoridade. Foi o governo que criou o ambiente de bandalheira institucional que torna este comportamento, mesmo que criticável, quase natural. Quando o poder político, por vontade ou por uma suposta necessidade, torna difusos os limites definidos pela lei e das funções de cada instituição, não se pode queixar quando outros lhe seguem o exemplo. 

Mas, acima de tudo, a forma como o governo trata a generalidade dos funcionários do Estado, dos trabalhadores das empresas públicas aos da administração pública, dos professores à polícia (de que o corte do subsídio de fardamento é apenas um exemplo quase caricatural) só poderia ter este resultado. Um governo não pode tratar com desprezo aqueles que, junto dos cidadãos, representam o Estado e achar que a sua autoridade e a autoridade do próprio Estado ficam intactas. 

O comportamento da policia na ultima quinta-feira não é o problema. É o sintoma. Do clima de degradação institucional e democrática que o governo tem fomentado. O primeiro-ministro afirmou, há uns meses: "Já alguém perguntou aos mais de 900 mil desempregados do que lhes valeu a Constituição?"  Parece que para cada vez mais portugueses, incluído os que devem garantir o cumprimento da lei, o Estado de Direito também não lhes põe comida no prato. Se o pragmatismo quase selvagem, que ignora leis e instituições, em nome de supostas inevitabilidades, serve ao governo também pode servir a todos os outros.

A Constituição e a Aula Magna

Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal I-online.

A obsessão de Passos Coelho pelo golpe de Estado constitucional não é novidade, pelo menos para os mais atentos 
À beira de comemorarmos o quadragésimo aniversário do "dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio", como chamou Sophia à madrugada que (quase) todos esperávamos, ainda é necessário sair à rua em defesa do cumprimento da nossa Lei Fundamental - do pacto político e social que alicerça a democracia em que vivemos. Para os mais desmemoriados é preciso lembrar que o texto constitucional que nos rege foi aprovado por dois terços de representantes eleitos pelos portugueses (e os juízes do Tribunal Constitucional foram eleitos nos termos da Constituição e da Lei), de onde resulta um Pacto que assegura a coesão política, social e a vivência democrática e soberana de um povo. Isto significa, sem rodeios, que os esforços deste governo, com estranhas cumplicidades exteriores, em subverter o texto constitucional, pela força das "circunstâncias", corresponde à subversão da nossa democracia.

Como era inevitável, mais uma vez, o senhor Presidente da República enviou para o Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas de um Orçamento do Estado apresentado por este governo. No caso concreto, das normas que determinam a redução em 10% de pensões de reforma em pagamento. Aliás, o actual Presidente da República, reconhecidamente um patrono deste governo, já enviou para fiscalização constitucional mais diplomas do que qualquer outro dos seus antecessores. Por uma simples razão: este governo, por incompetência e por razões ideológicas, construiu o seu programa e o beija-mão à troika na base da permanente e deliberada afronta à Constituição e à Democracia. A afronta é tal, que nem Cavaco Silva lhe pode dar total cobertura. Esta obsessão de Passos Coelho pelo golpe de Estado constitucional não é novidade, pelo menos para os mais atentos: está inscrita na sua intervenção de encerramento do congresso que o elegeu como líder do PSD, em 2010.

Neste final de ano de 2013, a procissão ainda vai no adro. Os desmandos e desvarios deste governo, obcecado em lançar na miséria a maioria dos portugueses, e em transformar funções essenciais de um Estado democrático - a saúde, a educação e a segurança social - em negócios chorudos, como "solução final" para a recuperação económica e financeira do país, vão continuar. Enquanto isto acontece, os beneficiários de PPP, swaps e outros contratos do género, continuam a facturar e a fazer crescer as suas fortunas. Os sinais de que todas estas prepotências podem não acabar bem, avolumam-se: os polícias saem à rua e sobem a escadaria do palácio de São Bento, com a cumplicidade dos seus camaradas "de armas", enquanto os militares fazem protestos, por ora simbólicos, nos quartéis. Não devemos esquecer que, em última instância, o poder efectivo está na ponta das espingardas. E que as democracias se podem desfazer como castelos de cartas às mãos de um qualquer "sedutor".

PS - O encontro-comício realizado na última quinta-feira, na Aula Magna, promovido por Mário Soares, e que juntou na mesma mesa um leque diversificado e bem representativo de personalidades que não se acomodam ao presente estado de coisas, incomodou muita gente comprometida com o poder. O que é natural. Uns dizem que o ex-Presidente da República anda a apelar à violência; outros, mais ligeiros, dizem que quem defende a constituição nunca a leu; outros ainda, com a presunção de "historiadores" do dia seguinte, dizem que Mário Soares não ficará na história pelas suas últimas intervenções. Como disse José Pacheco Pereira, na Aula Magna: "os tempos não estão para inércias nem para confortos, nem para encontrar pretextos do passado, ou diferenças no futuro, para não se lutar, não pelas mesmas coisas, mas contra as mesmas coisas. Em momentos de profunda crise, tem de ser assim, sempre foi assim, e esse é o sentido mais profundo deste tipo de iniciativas de Mário Soares. O incómodo que geram, no poder e na oposição, vem disso mesmo." Sempre foi assim!

domingo, 24 de novembro de 2013

Não é justiça

Texto de Armando Esteves Pereira, Diretor-Adjunto, hoje publicado no Correio da Manhã

O secretário de Estado da Administração Pública considera mais justo cortar nos salários acima de 675 euros brutos do que a partir dos 1500 euros.

 É uma questão de opinião, e quem ganha 700 euros e chega ao fim do mês com grandes manobras de ginástica com o seu orçamento pessoal não deve partilhar esta visão. Mas a redução do limite a partir do qual o Estado corta 2,5% dos salários permite alargar a base de receita.
Em alguns casos, o corte pouco supera uma dúzia de euros, mas em cada mês são centenas de milhares de funcionários que levam menos dinheiro para casa, o que significa uma poupança de milhões. É a aplicação do ditado ‘grão a grão enche a galinha o papo’.
Pena é que esta justiça não tenha o mesmo rigor nas rendas excessivas das PPP ou da fatura elétrica.

* Transcrição parcial

Bombeiros pirómanos

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

Depois de ter promovido várias nacionalizações de empresas portuguesas por Estados estrangeiros, EDP e REN por exemplo, o Governo decidiu dar um outro passo no caminho da colectivização dos meios de produção. A estratégia consiste em criar um banco público que ajude, nas palavras do Governo, as empresas. 

Acaba-se com o mercado interno, mantém-se a electricidade, gás, gasolina, a preços acima dos concorrentes europeus, não se mexe uma palha para acabar com a burocracia e até se acabam com as poucas boas medidas nesse sentido do anterior governo, acaba-se com o crédito, aumentam-se os impostos, fazem-se disparar as taxas. E agora o Governo cria a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), que vai não só poder participar no capital das empresas como participar na sua gestão - logo o Estado, esse fantástico gestor. Estamos regressados ao condicionamento industrial do Estado Novo: será o Estado a escolher quem deve ser ou não financiado, qual a actividade a ser apoiada e, com jeito, quem devem ser os gestores.

Diz que é um Governo liberal. Mas é mais um Governo que se comporta como um bombeiro pirómano: vai tentar salvar as empresas que ele próprio se encarregou de incendiar.

Esqueçamos o pormenor de passarmos a ter não um, mas dois bancos públicos. Esqueçamos também que este era o primeiro-ministro que queria privatizar a CGD. Façamos uma força extra e ignoremos que este era o Governo que tiraria o Estado da Economia... O resultado é que acaba não só por fazer exactamente o contrário, mas também por promover nacionalizações por outros Estados de empresas portuguesas.

O facto é que a economia portuguesa está ainda mais dependente de decisões políticas do que alguma vez esteve. Ou será que alguém pensa que a EDP não seguirá à risca o que for melhor para o Estado chinês? Ou será que alguém sonha que a REN não criará problemas graves a Portugal por um qualquer interesse de um dirigente do PC chinês? Ou será que há ingénuo que imagina a IFD com critérios gerais e abstractos quando tiver de escolher financiar esta ou aquela empresa, sugerir este ou aquele gestor - os boys do CDS e do PSD devem estar a esfregar as mãos de contentes e os do PS a afiar os dentes -, procurar um ou outro fornecedor?

O resultado de toda a política que até agora tem sido seguida era previsível e está a confirmar-se: uma economia destruída acaba por se tornar dependente do único poder que permanece: o do Estado. A sistemática destruição económica dos últimos anos deixou o tecido empresarial tão enfraquecido que se torna praticamente inevitável a intervenção estatal.

Daqui até à intromissão do Estado em assuntos que não devem estar na sua esfera, ao aumento do clientelismo, ao crescimento do poder arbitrário do Governo nas mais diversas áreas, vai o passo dum anão.

Com a mesma lógica, não surpreendem os números, que esta semana vieram a público, que mostram que meio milhão de crianças e jovens perderam o direito ao abono de família em três anos e que há muito menos pessoas a receberem o rendimento social de inserção e o complemento solidário para idosos (dados do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa). Não será preciso lembrar que não haverá altura em que estes apoios seriam mais necessários. Por outro lado, o Estado está a investir fortemente em cantinas sociais.

O que se está a tirar em direitos e apoios para que as pessoas mudem de vida e se diminuam as desigualdades está a dar-se em esmolas. É o regresso da sopa dos pobres.

Também diz que o Governo é apoiado por um partido social-democrata.

No fundo, o Estado sai de onde devia estar, diminui as suas funções essenciais, reduz drasticamente os apoios sociais - que já eram dos mais baixos da Europa - e aumenta muito a sua presença onde não devia estar e que quando está só estraga. O Estado torna-se mais fraco onde devia ser forte, e decisivamente forte onde devia ser apenas regulador e facilitador. É a inversão total da lógica do funcionamento do Estado numa democracia que quer ter uma sociedade civil forte e independente e uma economia mais livre e com mais iniciativa.

O Governo não é nem liberal, nem social-democrata, nem nada. É apenas incompetente e ignorante. O pior é que essa incompetência e ignorância está a transformar o país num lugar em que apoiar as empresas é pôr o Estado a financiá-las e a geri-las e os apoios sociais acabarão por ser apenas sopas para os pobres.

sábado, 16 de novembro de 2013

A escravatura do FMI

Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"

 A 18 de outubro, um estudo da ONG australiana Walk Free Foundation confrontou-nos com a realidade trágica de que, em 2013, ainda existem cerca de 30 milhões de escravos em todo o mundo. Destes, 14 milhões estão recenseados na Índia do senhor Lall, chefe de missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Portugal. 
 
Não sei se por inspiração histórica, devoção ideológica ou deformação cultural, o modelo de sociedade que este aspirante a capataz nos quer impor deriva do tipo esclavagista em que a dignidade dos salários não existe, os direitos no trabalho e ao trabalho são para abolir e o acesso à justiça por parte de quem trabalha é para revogar.

Diz-nos o senhor Lall, no douto relatório às oitava e nona avaliações do ajustamento português, que, apesar dos cortes já efetuados, os salários continuam elevados, que os empregados menos qualificados e com ordenados mais baixos devem estar à mercê de uma maior flexibilização salarial em nome da competitividade, que as pensões permanecem uma enormidade, que os trabalhadores despedidos sem justa causa devem ser desincentivados de recorrer aos tribunais para se defenderem, que os sindicatos devem ser conduzidos à irrelevância na concertação social, que o esbulho nos rendimentos do trabalho, proclamado aos quatro ventos como temporários pelo Governo, é para ser definitivo... E por aí adiante.
                             
O país de que fala o senhor Lall, e de que antes falava o senhor Selassie, é o mesmo que aceita como uma inevitabilidade o facto de haver mais de um milhão de portugueses a ganhar menos de 600 euros por mês, que tem um Governo que recusa discutir a subida do salário mínimo para essa fortuna que são 500 euros, que já sorri com uma taxa de desemprego que cai para os 15,6% sem se questionar sobre o impacto nestes números da emigração de 120 mil portugueses num só ano - e também na sustentabilidade da Segurança Social - que, a par da habilidade contabilística dos subempregados e dos chamados "inativos", reduz drasticamente o universo da população ativa em cima da qual se calcula a taxa de desemprego, que acha normal que a destruição de postos de trabalho seja três vezes superior à criação de emprego.
   
Não sei se foi neste país das maravilhas que o Dr. Pires de Lima, qual pastorinho de Fátima, teve a epifania do "milagre económico" e do "momento de viragem" que, nas palavras do ministro da Economia, deveria encher de "satisfação" os portugueses todos. Sei, no entanto, que à retórica da discordância afirmada pelo Governo relativamente às posições mais radicais da troika tem correspondido sempre o alinhamento com a austeridade cega e a submissão à lógica de empobrecimento. Aos métodos e discursos punitivos que nos são impostos segue-se sempre a mansidão do discurso e a resignação.
 
É óbvio que a notícia de que saímos da situação de recessão é positiva, ninguém no seu juízo perfeito pode contestar. Mas tal como é dito pelo senhor Lall, o País ainda tem "riscos significativos" pela frente. E o maior de todos não é nem o Tribunal Constitucional nem "o regresso à incerteza política". A pior das ameaças é mesmo a ortodoxia do FMI.

Se ao brutal Orçamento do Estado para 2014 se vier a somar a receita prescrita neste relatório, depois de nos terem arrancado a carne, os senhores da troika preparam-se para nos comer os ossos.
Aos credores não pode ser permitido tudo. Aos credores, tal como aos capatazes, também é preciso dizer basta. Não chega desvalorizar um relatório que é ofensivo da dignidade humana. Talvez no país do senhor Lall a escravatura seja cultural e socialmente aceitável. Talvez, antes dele, o senhor Selassie se tenha esquecido ou até desconheça que, na Etiópia, os escravos foram abolidos em 1942. Mas o que aqui está em causa é uma visão ultraliberal que, à viva força, nos quer fazer retroceder a um passado do qual devíamos todos envergonhar-nos e que não é compatível com a liberdade e a civilização.

sábado, 9 de novembro de 2013

OIT: um relatório oportuno

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"

O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) "Enfrentar a crise do emprego em Portugal", apresentado no passado dia 4, em Lisboa, pelo seu diretor-geral (Guy Rider), é, por múltiplas razões, de enorme importância para o nosso debate social, económico e político e para a construção de alternativas às políticas injustas e de retrocesso a que estamos sujeitos.

A OIT, observando as políticas seguidas em Portugal e em outros países, considera "a austeridade como ameaça à prosperidade" e assume que é preciso trabalhar-se no sentido de garantir "melhores empregos para uma melhor economia". A OIT assume historicamente que a pobreza e as desigualdades são os grandes perigos para o caminhar equilibrado das sociedades e que "só se pode fundar uma paz universal e duradoura com base na justiça social". As questões do emprego têm de ser absolutamente centrais na nossa sociedade.

Esta semana, ficamos a saber que no último ano, enquanto os trabalhadores e o povo sofriam, houve um aumento de 11% do número de ricos com fortunas pessoais acima de 25 milhões de euros. Quanto desemprego, quantos milhões de portugueses foram roubados nos seus salários, nos seus direitos sociais, nas suas pensões, para engordar estes 870 portugueses?

O relatório da OIT não foi produzido como ato isolado. O Grupo de Ação Interdepartamental sobre os Países em Crise, responsável pelo relatório sobre Portugal, também está a produzir relatórios sobre a situação da Grécia, da Espanha e da Irlanda. A decisão da OIT de elaborar relatórios relativos a países sujeitos a programas de "assistência financeira" foi tomada pelo conjunto dos 51 países da Europa e Ásia Central que participaram, em abril passado, na Cimeira de Oslo.

A OIT, desde 2009 - quando os governantes ainda diziam que os responsáveis pela crise teriam de ser castigados e que a especulação e o roubo institucionalizado tinham de acabar -, vem desenvolvendo importantes iniciativas (como foi o Pacto Global para o Emprego, em 2009), estudos e orientações que, se tivessem sido seguidos, poderiam ter evitado o desemprego, o empobrecimento e o sofrimento dos portugueses e de centenas de milhões de cidadãos em todo o mundo.

É ridícula a sobranceria com que governantes e comentadores de serviço encaram as recomendações, as propostas e a disponibilidade de ação apresentadas pela OIT. Com quase um século de atividade, a OIT, por variadas razões, é talvez a organização internacional que mais prestígio e confiança granjeia à escala global.

O que nos diz o relatório sobre Portugal? Que a nossa situação socioeconómica é crítica, em reflexo das condições macroeconómicas "excecionalmente apertadas" (a austeridade), e que "é necessária uma nova estratégia", exequível "através da mudança para uma abordagem mais centrada no emprego".

A OIT vem dizer que não é sustentável o atual desemprego e que devemos combatê-lo; que o desemprego de longa duração, a destruição de atividades e a situação criada aos jovens comprometem o nosso futuro coletivo; que é irracional o país ter mais de 1/5 da sua população com vontade de emigrar; e que a "reestruturação do setor público" da chamada reforma do Estado contribui diretamente para o desemprego.

A OIT denuncia a injustiça das políticas fiscais e de juros da União Europeia, que matam as pequenas e médias empresas e enriquecem os acionistas dos grandes bancos. Incentiva-nos a combater a brutal precariedade do trabalho, a aumentar o salário mínimo nacional e a proteção social, a desenvolver a contratação coletiva e o diálogo social sério. Propõe investimento na criação de emprego, em particular para os jovens. E disponibiliza-se a trabalhar em Portugal, com respeito pelas nossas instituições, para ajudar à resolução dos problemas.

Se o objetivo das políticas não for o de bater recordes de criação de milionários, se corrermos com a troika e os resgates que ela nos receita, se soubermos interpretar o significado de o relatório ser apoiado pelas centrais sindicais e pelas confederações patronais, se despedirmos este Governo e criarmos uma alternativa credível, se soubermos utilizar esta ajuda da OIT e outras que se podem encontrar, ainda podemos ter futuro.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A OIT e a fase sonsa do governo

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".

Entre o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os vários relatórios que o FMI tem produzido sobre Portugal não há apenas uma diferença de qualidade dos dados utilizados, que se explica por, no segundo caso, a fonte ter sido um governo apostado a encontrar em relatórios externos a legitimação das suas próprias políticas. Não há apenas uma diferença da razoabilidade e moderação das propostas apresentadas. Há uma diferença de perspectiva. O que nos leva, antes de tudo, a concluir que, ao contrário do que nos é dito, não estamos perante inevitabilidades económicas e financeiras, em que de um lado está quem sabe fazer contas e do outros uns caloteiros irresponsáveis. Estamos perante escolhas políticas que resultam de diagnósticos e soluções diferentes. 

É esta diferença que leva a que, perante a mesma realidade, a troika tenha proposto a redução de um dos salários mínimos mais baixos da Europa e a OIT tenha defendido o aumento desse mesmo salário mínimo. 

A troika e o governo acreditam que reduzindo drasticamente os custos de trabalho conseguem um dois em um: contrair violentamente a economia, reduzindo o consumo interno (e para isso acrescentaram outros inibidores de consumo, como o aumento do IVA) e as importações. E garantirem a competitividade através de salários baixos (apenas possíveis com a forte pressão dum desemprego elevado, duma forte precariedade laboral e duma redução dos salários no sector público), aumentando as exportações. Esta estratégia é, para dizer o mínimo, arrojada e nunca foi tentada com sucesso. 

Pelo contrário, a OIT defende uma solução mais convencional e com provas dadas: aumentar os salários mais baixos, reduzindo as desigualdades salariais e animando o mercado interno. Com um mercado interno a crescer, reduzir o desemprego e as despesas sociais e aumentar as receitas fiscais. Tudo o que permitiria começar a sair da crise e, fora do sufoco, modernizar a nossa economia e vocacionar as nossas empresas para a produção de bens transacionáveis, virados para a exportação e com valor acrescentado (coisa que as propostas de Portas de privatizar bens não transacionáveis como a educação e saúde contraria). E tudo isto exige, a curto prazo, investimento. Na verdade, é um confronto de perspetivas com bastantes semelhanças com aquele que o Ocidente conheceu nos anos 30. Perspetivas que, no fundamental, são inconciliáveis. 

Mas o mais perturbante, neste confronto entre as propostas da troika e da OIT, foi a forma como o governo se pretendeu desenvencilhar dele. Mota Soares, sempre acompanhado por Cavaco Silva, garantiu que o governo não acredita que a nossa recuperação se possa basear em salários baixos. É pura e simplesmente mentira. E para o confirmar basta rever com atenção as declarações de Passos Coelho ao longo dos últimos dois anos. O que quer dizer o primeiro-ministro quando elogia o privado por já ter feito o "ajustamento" que falta fazer ao Estado? O que quis dizer a frase "só vamos sair desta situação empobrecendo"? O que era a mudança na TSU se não a tentativa de reduzir salários, transferindo-os para os patrões? E o que é a descida do IRC, mantendo o IRS altíssimo, senão a repetição da mesma estratégia? E o que foi a subida do IVA senão um inibidor do consumo? A estratégia de contrair a economia e aumentar as exportações por via de um ajustamento dos rendimentos dos trabalhadores e dos custos das empresas com salários já foi explicitamente explicitada pela troika. E apoiada, com toda a clareza, pelo governo. Não vale a pena mudar de discurso de cada vez que uma instituição internacional aterra na Portela. 

Mota Soares até pode dizer que, por ele, o salário mínimo subia e que é a troika que não deixa. Conhecemos mais umas tantas medidas, que, ao contrário desta, até tinham efeitos orçamentais, que a troika exigia e ficaram pelo caminho porque entravam nos bolsos errados. A questão é outra: é que a proposta de subir o salário mínimo não é feita pela OIT apenas em nome da decência. Tem um propósito que é coerente com todas medidas que são propostas, que passam, entre outras coisas, por combater a  precariedade e a saída de trabalhadores dos processos de negociação colectiva, que funcionam, pela vulnerabilidade negocial dos assalariados, como pressão sobre os salários.

Aquele organismo das Nações Unidas defende que uma política pública adequada poderia criar, nos próximos dois anos, 108 mil postos de trabalho. O que impulsionaria o PIB em mais de 2 pontos percentuais (com efeitos imediatos em todos os indicadores que o têm como referência) e reduziria o desemprego na mesma proporção. E, com tudo isto, seria possível uma diminuição do rácio da dívida pública/PIB de 5,9 pontos percentuais até 2015. Tudo isto implica menos ambição na redução do défice a curto prazo, até por ser necessário investimento público. O que implica que os cortes no Estado devem apenas ser feitos em despesas inúteis ou ineficazes. O que raio tem tudo isto a ver com o Orçamento de Estado para 2014 ou o vago guião da reforma do Estado? É o oposto. 

Mas se precisássemos de mais provas da falta da seriedade do governo nas reações a este relatório e à proposta de aumento do salário mínimo, bastaria ouvir as declarações de Pires de Lima. O ministro da Economia, entusiasmado com um milagre que a Comissão Europeia já ofuscou, apelou aos privados para aumentarem eles, sem ser por imposição do Estado, os salários mais baixos.

Subitamente os liberais esquecem-se de tudo o que aprenderam. Se há 16% de desempregados, se dois terços deles não têm qualquer rendimento, se o governo baixou o subsídio de desemprego e as prestações sociais, se os salários do Estado desceram, se a lei laboral é mais flexível e a negociação colectiva abrange menos gente, para onde pressiona toda a realidade do mercado de trabalho, incluindo a realidade criada pelo próprio governo? Para uma enorme pressão sobre os salários, que só não desceram ainda mais porque a lei determina um salário mínimo. E o que nesta realidade resultou de opções do governo tinha este objetivo: permitir um suposto ajustamento salarial, ignorando o que a própria OIT explica no relatório, ao mostrar como os salários portugueses se têm afastado, desde 2000, da média europeia. Porque aumentaria uma empresa o salário mínimo se tem dez candidatos prontos a trabalhar por menos do que isso? Porque Pires de Lima lhes pede com jeitinho? 

Em vez de governantes passámos a ter conselheiros morais. E ainda por cima sonsos que se escondem atrás da troika para justificar o que fizeram nos últimos dois anos com toda a convicção. O problema é que até eles já perceberam o desastre que provocaram. E agora apenas nos podem prometer que, com um programa cautelar de julho, tudo vai ser diferente. E que não foi Passos Coelho que, no dia da sua vitória eleitoral, prometeu "surpreender e ir mais além do acordo" com a troika.

O jogo do desgoverno

Texto de Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto, hoje publicado no "Correio da Manhã"

A política, já se sabe, foi transformada na arte da ilusão. Deveria ser a arte da verdade e não o delírio habitual de álibis artificiais para esconder incapacidades próprias.

Nessa matéria, o Governo tem dado um verdadeiro festival. Atacou primeiro a Constituição, depois os juízes que a interpretam, a comunicação social e, por fim, tem vindo a dizer que só não governa melhor porque... o PS não colabora.

A insistência numa troca epistolar de apelos ao diálogo representa a mais acabada caricatura desta ideia de política que acha genial a ideia de empurrar culpas para o lado. O povo pode ser demasiado sereno e não ir em manifestações, mas engolir este despudorado jogo de desgoverno não o fará

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

As escolhas de Cavaco

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias

O velho sonho da direita - um governo, uma maioria, um presidente - é realidade. Mas, como o demonstram as sucessivas crises da maioria e do Governo, este inédito alinhamento não tem selo de garantia.

Ele carece de um aditivo de estabilidade e de força política que o ponha a salvo das tensões e contradições que resultam da natureza atentatória de direitos e de expectativas essenciais que é a das suas políticas.

Maioria e Governo de direita oscilaram já vezes demais diante da turbulência social para se poder negar a evidência: são politicamente frágeis.

Dois fatores cruciais têm permitido contornar essa evidente fragilidade que, numa democracia normal, teria há muito resultado na devolução da palavra ao povo.

O primeiro é o uso da troika como argumento de autoridade que se sobrepõe ao povo soberano e à constituição democrática, como dispositivo de legitimação sem recurso dos extremismo das escolhas políticas, económicas e sociais impostas às pessoas dia após dia. O segundo fator é um desempenho do cargo de Presidente da República que se afasta da lógica de pesos e contrapesos que a Constituição sabiamente consagra e se apresenta como um seguro de vida - e, mais do que isso, como um suplemento vitamínico - de uma governação crescentemente agressiva.

Estamos no auge do choque entre dois constitucionalismos em Portugal. De um lado, o constitucionalismo do Estado de direito recebido na Lei Fundamental da República. Do outro, o constitucionalismo do estado de exceção que arvora o memorando de entendimento com a troika em Lei Fundamental de facto para, a partir daí, eliminar direitos e descaracterizar o modelo democrático plasmado na Constituição da República. Ora, mais do que qualquer outro órgão de soberania, o Presidente da República está obrigado a fazer escolhas claras entre esses dois constitucionalismos. É nessas escolhas que o Presidente evidencia - ou não... - a sua lealdade ao povo e à democracia. Ora, a verdade é que Cavaco Silva tem feito essas escolhas claras.

Na tensão entre o povo que o elegeu e a troika que se lhe contrapõe, Cavaco Silva nunca se furtou a assumir-se como garante de aplicação do memorando com a troika e das políticas nele inspiradas.
Quando a legalidade constitucional, cuja defesa é o seu único mandato, e a excecionalidade imposta do exterior entraram em choque, Cavaco Silva expressou sempre com clareza a sua prioridade: impedir que a Constituição incomode os mentores do estado de exceção.

De tal modo essa escolha é clara que nunca se lhe ouviu a mínima palavra de defesa do Tribunal Constitucional contra as insuportáveis pressões sobre este exercidas por entidades internacionais como a Comissão Europeia. Qualquer presidente com pergaminhos de patriotismo - fosse de direita ou de esquerda - o teria, evidentemente, feito. Cavaco Silva escolheu não o fazer. Escolheu um lado.
Cavaco Silva assume-se como o melhor Presidente imaginável para um protetorado, ou seja, um amigo leal dos tutores, mesmo quando - ou sobretudo quando - seja necessário impor a vontade deles contra os direitos do povo. A democracia portuguesa fica claramente empobrecida com os mandatos presidenciais de Cavaco Silva.

O ciclo político que está a aproximar-se exige um polo presidencial liderado por alguém nos antípodas de Cavaco Silva: um amigo dos direitos, um combatente inequívoco pela Constituição, um patriota contra a humilhação do País, alguém que a grande maioria das pessoas - os mais pobres - sintam como seu defensor. Um defensor do povo contra quem lhe faz mal. 

Milagres, viragens e alucinações religiosas

Texto de Ana Sá Lopes hoje publicado no  jornal "i"

Se os cortes são para “persistir”, é uma alucinação bolivariana falar de “viragem”

 Qualquer português de bom senso gostaria que fosse verdade o mais recente pregão do governo: o de que o “milagre económico” está ao virar da esquina. Ontem, o debate do Orçamento do Estado foi mais uma vez marcado por anúncios de milagres, de retomas, de viragens económicas e de visões religiosas. Todas estas alucinações se parecem demasiado com aquelas que Nicolás Maduro tem quando vê Hugo Chávez nas paredes de Caracas. Maduro vê Chávez, Maria Luís Albuquerque vê “o momento da viragem”, mas a ciência ainda não identificou nem a vida depois da morte nem o crescimento depois da espiral recessiva.

Se “a austeridade é para continuar”, os cortes para “persistir” e a procura interna para comprimir, é uma alucinação bolivariana identificar “o verdadeiro momento de viragem”
e muito menos “o milagre económico” anunciado aos portugueses pelo novo ministro da Economia, António Pires de Lima, na semana passada.

As alucinações são acompanhadas da tentativa de reatar o “compromisso com o PS”, através da utilização de processos de chantagem cada vez mais requintados. Os portugueses foram ontem informados pelo senhor primeiro--ministro de que a culpa de os seus impostos não serem mais baixos é do PS, porque se recusa a dar o ámen à reforma do Estado e à redução da despesa pública. “Quem se recusar a este compromisso estará a sacrificar a redução da dívida [...] e estará a sacrificar a necessária redução da carga fiscal e o crescimento da economia”, segundo Passos Coelho, numa declaração mirabolante vinda de um governante com maioria absoluta que não conseguiu reduzir dívida nenhuma, nem carga fiscal, e dificilmente vislumbrará o crescimento da economia. Culpar o PS por isto é acreditar que os portugueses são pouco inteligentes e que desculpam a Passos o facto de a famosa “retoma” vislumbrada há um ano e pouco pelo chefe do governo numa festa do partido nunca ter acontecido.

A manutenção de um posto de trabalho do governo em anos de troika parece, aparentemente, incompatível com mínimos de sanidade. Veja-se Álvaro Santos Pereira, sobejamente criticado dentro e fora de portas pela sua falta de jeito e de meios para recuperar a economia, que ontem veio dizer uma verdade inconveniente: a austeridade cega pode levar ao regresso das ditaduras à Europa. “Se não tivermos uma solução europeia, arriscamo-nos a ter novamente ditaduras na Europa”, disse Álvaro. Sair do governo faz bem à saúde.
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A montanha pariu um guião

Texto de Pedro Almeida Cabral hoje publicado na edição online do "Expresso".

Foram precisos dois anos, quatro meses e nove dias para haver um documento estratégico sobre o que o Governo quer fazer para algo tão fundamental como governar. Afinal, o Governo tinha toda a razão quando dizia que a produtividade dos trabalhadores portugueses tinha que aumentar. E, para provar a sua perspectiva, nada melhor do que dar o exemplo e demorar 862 dias para dizer o que quer fazer com o país. O habitual estado de graça do início dos Governos foi substituído por um estado de estudo que pode chegar a quase dois anos meio. Assim se combate o estigma que não pensamos antes de agir e que somos todos desenrascanço.      

Após tanto tempo de espera, o guião da reforma do Estado aí está. Em 112 páginas e em enorme fonte de letra. Certamente para que não haja dificuldades na leitura de nenhuma camada da população. O guião começa por enquadrar e por dar conta do que é que o Governo anda a fazer. Não fosse alguém andar distraído. Assim se pode ficar a saber da requalificação para o despedimento dos funcionários públicos ou das privatizações da ANA e da EDP. E desta maneira se queimam, perdão, se gastam 46 páginas. Portanto, o verdadeiro guião só tem 66 páginas. Certamente para que ninguém o vá ler muito afoitamente à espera de encontrar tudo no princípio. Há que moderar expectativas.

O guião propriamente dito é, sobretudo, um conjunto de medidas avulsas, a maior parte não concretizadas, não fundamentadas e não calendarizadas. Mas o mais surpreendente é que nada, mas mesmo nada, está quantificado no que à redução de despesa diz respeito. Não há uma única medida em que se tenha avaliado ou sequer estimado o seu custo e o seu benefício. Tanto discurso, comentário e conversa sobre a reforma do Estado que nos salvaria com majestosas poupanças e afinal ninguém fez contas. Mais. Tendo em conta que a ideia da reforma do Estado nasceu devido às supostas gorduras de um Estado obeso, nem a extinção do mais ínfimo organismo público é sugerida. 

O melhor do guião é quando reconhece a sua natureza inútil. E é logo na página 46 quando refere que é necessário "fazer uma avaliação custo-benefício dos organismos e entidades que possam ser extintos ou melhor enquadrados". 862 dias de governação não chegaram para perceber o que não serve para nada. Isto só é compreensível se durante este tempo todo os governantes não falaram com os serviços, isto é, não governaram.

Mas há muito mais. Falar novamente em agregar municípios quando o Governo já perdeu a oportunidade de o fazer (p. 51). Concluir, publicar e pôr em discussão um estudo sobre serviços e equipamentos do Estado que não se sabe bem o que é nem quando estará pronto (p. 52). Definir um número máximo de processos para cada juiz, que irá perpetuar a carga processual, em vez de criar condições para que haja decisões mais curtas em cada processo (p. 56). Reformar a arquitectura institucional do sistema judicial sem explicar minimamente o que se pretende (p. 58). Proclamar abstractamente que se vai legislar contra monopólios (p. 62). Concessionar escolas a professores sem que se perceba as vantagens (p. 73). Criar uma comissão de reforma do IRS que parece que apenas poderá inverter a trajectória de agravamento deste imposto, o que pode significar apenas que o IRS não aumenta mais (p. 103). Criar um programa de simplificação administrativa tendo ainda que verificar e avaliar procedimentos, não se sabendo quando poderá começar semelhante programa (p. 106 e p. 107).

E é claro que não faltam propostas que fazem parte das convicções profundas deste Governo. É o caso do cheque-ensino, do plafonamento das contribuições para a segurança social e do aumento de unidades de saúde privadas. O alcance destas propostas é tal que têm que ser discutidas de forma autónoma.

Em vez de estudo técnico aprofundado e com qualidade, temos um documento que cita como fontes, entre outras, o Orçamento de Estado para 2014, que ainda está em discussão no Parlamento, a Secretaria de Estado da Administração Local, quem sabe se não foi uma pessoa que passou por lá e atendeu o telefone, ou o FMI, talvez a própria Christine Lagarde.

O guião não passa de um trabalho de casa que ninguém queria fazer e que lá se escrevinhou à pressa, no intervalo antes da aula. E, como esses trabalhos mal feitos, apenas evita uma falta do aluno, ficando rapidamente esquecido no meio da papelada.