Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
O velho sonho da
direita - um governo, uma maioria, um presidente - é realidade. Mas,
como o demonstram as sucessivas crises da maioria e do Governo, este
inédito alinhamento não tem selo de garantia.
Ele carece de um
aditivo de estabilidade e de força política que o ponha a salvo das
tensões e contradições que resultam da natureza atentatória de direitos e
de expectativas essenciais que é a das suas políticas.
Maioria e
Governo de direita oscilaram já vezes demais diante da turbulência
social para se poder negar a evidência: são politicamente frágeis.
Dois
fatores cruciais têm permitido contornar essa evidente fragilidade que,
numa democracia normal, teria há muito resultado na devolução da
palavra ao povo.
O primeiro é o uso da troika como argumento de
autoridade que se sobrepõe ao povo soberano e à constituição
democrática, como dispositivo de legitimação sem recurso dos extremismo
das escolhas políticas, económicas e sociais impostas às pessoas dia
após dia. O segundo fator é um desempenho do cargo de Presidente da
República que se afasta da lógica de pesos e contrapesos que a
Constituição sabiamente consagra e se apresenta como um seguro de vida -
e, mais do que isso, como um suplemento vitamínico - de uma governação
crescentemente agressiva.
Estamos no auge do choque entre dois
constitucionalismos em Portugal. De um lado, o constitucionalismo do
Estado de direito recebido na Lei Fundamental da República. Do outro, o
constitucionalismo do estado de exceção que arvora o memorando de
entendimento com a troika em Lei Fundamental de facto para, a partir
daí, eliminar direitos e descaracterizar o modelo democrático plasmado
na Constituição da República. Ora, mais do que qualquer outro órgão de
soberania, o Presidente da República está obrigado a fazer escolhas
claras entre esses dois constitucionalismos. É nessas escolhas que o
Presidente evidencia - ou não... - a sua lealdade ao povo e à
democracia. Ora, a verdade é que Cavaco Silva tem feito essas escolhas
claras.
Na tensão entre o povo que o elegeu e a troika que se lhe
contrapõe, Cavaco Silva nunca se furtou a assumir-se como garante de
aplicação do memorando com a troika e das políticas nele inspiradas.
Quando
a legalidade constitucional, cuja defesa é o seu único mandato, e a
excecionalidade imposta do exterior entraram em choque, Cavaco Silva
expressou sempre com clareza a sua prioridade: impedir que a
Constituição incomode os mentores do estado de exceção.
De tal
modo essa escolha é clara que nunca se lhe ouviu a mínima palavra de
defesa do Tribunal Constitucional contra as insuportáveis pressões sobre
este exercidas por entidades internacionais como a Comissão Europeia.
Qualquer presidente com pergaminhos de patriotismo - fosse de direita ou
de esquerda - o teria, evidentemente, feito. Cavaco Silva escolheu não o
fazer. Escolheu um lado.
Cavaco Silva assume-se como o melhor
Presidente imaginável para um protetorado, ou seja, um amigo leal dos
tutores, mesmo quando - ou sobretudo quando - seja necessário impor a
vontade deles contra os direitos do povo. A democracia portuguesa fica
claramente empobrecida com os mandatos presidenciais de Cavaco Silva.
O
ciclo político que está a aproximar-se exige um polo presidencial
liderado por alguém nos antípodas de Cavaco Silva: um amigo dos
direitos, um combatente inequívoco pela Constituição, um patriota contra
a humilhação do País, alguém que a grande maioria das pessoas - os mais
pobres - sintam como seu defensor. Um defensor do povo contra quem lhe
faz mal.
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
As escolhas de Cavaco
Etiquetas:
cavaco silva
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