Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Segundo a
Direcção Editorial e o Conselho de Redacção do Público, o ministro dos
Assuntos Parlamentares, coordenador político e número dois do Governo,
Miguel Relvas, ameaçou promover um blackout de todos os ministros ao
jornal e divulgar dados da vida privada da jornalista Maria José
Oliveira se uma determinada notícia viesse a ser publicada. Estas
ameaças, sempre segundo os referidos órgãos, foram feitas através de
dois telefonemas do ministro para a editora de política do jornal.
A
acusação é tão grave, o possível atentado à liberdade de imprensa tão
descarado, a alegada pressão tão infame, que não pode deixar ninguém
indiferente - a propósito, espero serenamente pelos discursos sobre a
asfixia democrática e pelas manifestações na Assembleia da República
sobre liberdade de expressão. É que das duas, uma: ou a jornalista
mentiu e Miguel Relvas nunca fez as ameaças, ou o ministro fê-las e
temos de concluir que estamos perante alguém que não respeita os mais
básicos valores democráticos e que não só não tem condições para ser
ministro como deve ser severamente punido.
Por muito que tente,
não consigo encontrar razões para que a editora do Público inventasse
esta história. Mais: acho perfeitamente inverosímil que conseguisse
conven- cer todos os membros do Conselho de Redacção e a Direcção
Editorial do jornal de uma possível fantasia. Não será também
despropositado referir a impecável reputação da jornalista em causa.
Vamos então dar como válida a versão que diz que o ministro pressionou mesmo a jornalista para evitar que a notícia saísse.
Pressionar
um jornalista dizendo-lhe que não deve publicar uma notícia porque não
corresponde à verdade, elevando a voz, dizendo que nunca mais lhe fará
declarações ou que fará até queixa dele ao director ou ao dono do meio
de comunicação social, é uma coisa. Outra, é o ministro que coordena
politicamente um Governo dizer que vai impedir os outros ministros de
dar informações a um jornalista. Além de passar um atestado de
menoridade aos seus colegas, está a bloquear o acesso à informação a um
órgão de comunicação que tem como primeira obrigação informar os
cidadãos. Em qualquer democracia madura, um membro do Governo que o
fizesse, nem era preciso ser uma figura muito relevante, não ficaria nem
mais um minuto no seu cargo. Verdadeiramente criminoso é ameaçar alguém
de que irá pôr a circular assuntos da esfera privada dum jornalista se
este publicar uma notícia. É que isto tem um nome: chama-se chantagem.
Nem vale a pena discorrer sobre as características de personalidade duma
pessoa que possa ter feito este género de ameaças, nem sobre a
possibilidade de alguém que tenha tido este tipo de comportamento ser
ministro, nem sobre o possível sentimento de impunidade que tudo isto
revela.
Levantam-se outras questões também de imensa gravidade. A
ser verdade o que a jornalista do Público revelou, como diabo sabe o
ministro da vida privada de Maria José Oliveira? Quem lhe passou essas
informações? De quantas pessoas terá o ministro conhecimento das suas
vidas privadas? Para que quer essas informações? Provavelmente, não
temos só uma conduta ilegal que será a de revelar a vida íntima da
jornalista se ela não fizer o que lhe pedem, mas muitas mais.
O
ministro Relvas, na noite de sexta-feira, veio negar todas as acusações,
afirmando não terem fundamento. Reservando até o direito que,
logicamente o assiste, de accionar todos os meios legais para a
salvaguarda da sua honra e do seu bom nome. Mas, para complicar esta
história toda, a Direcção do Público, também em comunicado, diz que o
ministro telefonou à directora pedindo desculpa pelo sucedido. Em que
ficamos? Então se não ameaçou ninguém, para que pede desculpa? Será que
também vai negar ter telefonado à directora?
Miguel Relvas tem
direito à presunção de inocência, nem seria necessário referi-lo. O
primeiro-ministro também tem o direito de acreditar na palavra do seu
número dois e pensar que os jornalistas do Público ou estão enganados ou
estão a mentir. O que não pode é olhar para o lado e fingir que não se
passou nada. Não há outro modo de pôr a questão: ou o primeiro-ministro
tem como seu homem de confiança alguém que despreza a liberdade de
imprensa, o papel da comunicação social numa democracia e faz as mais
iníquas ameaças a jornalistas, ou há um conjunto de jornalistas que em
vez de informarem os cidadãos resolveram conspirar contra um ministro,
repito, sem que se conheçam as razões porque o fizeram. Se acreditar que
o ministro dos Assuntos Parlamentares fez de facto aquilo de que o
acusam, só tem uma atitude possível: demitir Miguel Relvas, obviamente."
domingo, 20 de maio de 2012
Obviamente
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