Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"1. Há palavras
que, por muito que queiramos, não nos saem da cabeça. As ditas por
Passos Coelho, sobre o desemprego, correm o risco de permanecer na nossa
memória, apesar do autêntico turbilhão de acontecimentos e declarações.
Tenho
muita dificuldade em imaginar o que um cidadão desempregado, com filhos
para sustentar, casa para pagar, que já enviou centenas de currículos e
não obteve qualquer resposta, que ou já perdeu o direito ao subsídio de
desemprego ou vê esse dia a aproximar-se, pensou quando ouviu o
primeiro-ministro a recomendar-lhe que visse a sua situação como uma
oportunidade.
Se esse cidadão foi um dos portugueses que votou no
partido de Passos Coelho, é provável que tenha pensado que tivesse sido
uma gaffe, mais uma das inúmeras declarações pouco pensadas do
primeiro-ministro. Afinal, uma das razões que levara o cidadão a votar
no PSD teria sido o facto de se identificar com a figura do seu líder:
um homem comum, trabalhador por conta de outrem, morador num bairro dos
subúrbios de Lisboa, com filhos, com uma vida sem luxos, conhecedor das
dificuldades normais duma família de classe média. Alguém como ele.
O
que mais choca nas declarações de Passos Coelho, que anteciparam a
divulgação dos números do desemprego que revelam que existem mais de um
milhão de pessoas sem emprego ou em situação de subemprego, não é a
evidente insensibilidade ou a falta de pudor na abordagem deste flagelo,
é o flagrante desconhecimento da situação real do País. Naquele em que
nós vivemos não há empresa que esteja a contratar quem quer que seja e
os bancos não emprestam um tostão para novos projectos. Os mais jovens
ainda têm a hipótese de emigrar... mas de que tipo de "oportunidades"
estaria Passos Coelho a falar para as pessoas da idade dele? Estaria a
aconselhar a emigração para estes também? A um homem ou mulher de 50
anos com filhos? Em que tipo de bolha vive o nosso primeiro-ministro que
não lhe permite conhecer o drama dum cidadão de meia-idade sem
dinheiro, nem perspectivas de o ter? Será que ignora o que representa
para alguém enfrentar a família e admitir que não consegue providenciar o
sustento, a sensação de inutilidade, o desespero, a angústia?
Passos
Coelho perdeu a ligação à realidade e não há nada mais grave do que
quando um político deixa de perceber os reais problemas dos seus
concidadãos.
2. Convém lembrar que a taxa de desemprego registada e
que, com toda a certeza, irá crescer nos próximos meses corresponde a
uma escolha política. Num primeiro e decisivo nível, dos actuais
responsáveis pelo projecto europeu que renegaram todos os fundamentos
com que se foi construindo o projecto europeu trocando-os por uma
vertigem revolucionária-punitiva que arrasará décadas de esforço. Mas já
é tempo, também, dos actores locais serem responsabilizados pelas
opções feitas. Parece ser necessário recordar que, após as eleições,
Passos Coelho afirmou que mesmo que não estivéssemos obrigados a cumprir
o acordo com a troika, ele teria imposto o mesmo tipo de medidas. Mais,
disse alto e em bom som que era fundamental ir além da troika. E foi
mesmo. Ninguém, honestamente, desconheceria que o programa de
ajustamento conduziria a um aumento das taxas de desemprego (a troika
dizer, como disse esta semana, que os actuais níveis de desemprego não
eram expectáveis só pode ser brincadeira), mas há também que reconhecer
que as medidas adicionais tiveram como consequência um ainda maior
crescimento desse flagelo social.
Importa reflectir sobre o
"Parecer sobre o Documento de Estratégia Orçamental" elaborado pelo
Conselho Económico Social (CES), revelado esta semana, que critica de
forma violenta muitas opções governamentais e põe em causa várias
previsões. Há uma passagem que resume tudo: "O CES considera que o
prosseguimento da política de austeridade indicia que se registará um
novo aumento de desemprego e não a sua redução."
O desemprego não é um vírus, algo de que não se conhece a origem, corresponde neste caso, repito, a decisões políticas.
Uma
comunidade com os níveis de desemprego que brevemente se vão registar
corre sérios riscos de desagregação. É uma comunidade disposta a correr
atrás dum qualquer populista e que desprezará a democracia. Não vale a
pena encher a boca com a ilusão do consenso político. Não há nenhum
consenso político que resista ao desemprego e à fome."
* Artigo Parcial
domingo, 27 de maio de 2012
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