DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

terça-feira, 30 de julho de 2013

Brincar aos pobrezinhos

Uma interessante análise de Nuno Ramos de Almeida, Editor-executivo, hoje publicada no jornal "i"./>

O governo garante que a economia está muito melhor e no sapatinho tem algumas prendas: 4,7 mil milhões de cortes nas despesas do Estado e a diminuição do IRC 
Cristina Espírito Santo, filha de um administrador do BES, confessou, na Revista do "Expresso", que gosta de ir para a herdade da família na Comporta porque é como "brincar aos pobrezinhos".

Infelizmente, a maioria da população portuguesa está condenada a brincar aos pobrezinhos todos os dias. E o governo cada vez nos dá mais coisas para ficarmos imersos no jogo. Nos últimos dois anos, 210 mil dos portugueses mais jovens e preparados foram forçados a sair do país, para fugir a este desafio obrigatório para quem não é familiar de milionário.

Há uns anos, o multimilionário Warren Buffett manifestou-se contra uma sociedade em que os ricos têm a vida resolvida e os pobres a vida condenada. Para Buffet, o direito de herança que faz dos filhos dos ricos ricos e dos pobres pobres significa querer ganhar os Jogos Olímpicos de amanhã com os descendentes da equipa dos jogos de há 40 anos.

Os mecanismos existentes para permitir uma política que contrarie esta situação e dê uma maior igualdade de oportunidades na sociedade passa por uma política fiscal justa que permita a redistribuição de rendimentos e a existência de um Estado social que tenha a educação e a saúde como direitos universais.

Acontece que as políticas neoliberais nos Estados Unidos e as contidas no Memorando da troika fazem da desigualdade fiscal e da destruição do Estado social os seus principais pilares.
Talvez por isso, Warren Buffett assumiu, numa entrevista a CNN, que "há guerra de classes, com certeza, mas é a minha classe, a classe rica, que está a fazer a guerra, e estamos a ganhá-la". Recordou ainda que só paga 17% de impostos, enquanto os seus empregados pagam 33% ou 41%.

A crise tem sido uma verdadeira máquina de guerra a promover o aumento das desigualdades em Portugal e no resto do mundo desenvolvido. No início dos planos da troika calculava-se que - embora a responsabilidade do desastre económico estivesse ligado a um modelo de desregulamentação financeira, a multiplicação de negócios ruinosos com parcerias público-privadas e swaps e à criação de uma moeda única que privilegiou a Alemanha - em cada dez euros retirados para pagar a crise, mais de oito vinham directamente dos bolsos dos trabalhadores por conta de outrem e dos reformados. Esse estudo divulgado pelo "Público" revelava que menos de um euro, desses dez, era pago pelas grandes empresas e pelo capital financeiro.

Como se provou pela situação actual esta política destruiu o emprego e a economia. O que propõe neste momento o governo? Diminuir os impostos das empresas e continuar a fazer suportar a crise apenas por quem trabalha. Afirmam que este choque fiscal vai promover o emprego, quando na prática só é possível gerar empregos se os portugueses tiverem dinheiro para gastar. A esmagadora maioria das nossas empresas trabalha para o mercado interno, e se os trabalhadores continuarem a ter de pagar directamente a crise, essas empresas não vão sobreviver.

Acresce que os cortes previstos de 4,7 mil milhões de euros vão repercutir- -se como cortes nos salários dos trabalhadores. Se os transportes, a saúde, a educação e outros bens de primeira necessidade ficam mais caros, é como se nos tivessem cortado ainda mais os salários.

Aquilo que se está a fazer não é sanear as finanças públicas nem relançar a economia para a maioria das pessoas, mas garantir uma maior fatia na distribuição de rendimentos para uma minoria de privilegiados - aqueles que podem "brincar aos pobrezinhos" na Comporta
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"O capital tem horror à ausência de lucro; quando o capital fareja o lucro torna-se ousado. A 20% fica entusiasmado. A 50% é temerário, a 100% enlouquece à luz de todas as leis humanas e a 300% não recua perante nenhum crime" (Karl Marx, "O Capital").

A crise é uma máquina de guerra e o governo está-se nas tintas para as vítimas.

domingo, 28 de julho de 2013

Afinal o que é a crise?

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".

Para o presidente da República (PR), uma crise política assumidamente grave, para a qual propôs como primeira hipótese de solução um "Acordo de Salvação Nacional", deixou de existir desde que, por manobras internas, da União Europeia e da troika e por malabarismos seus, garantiu a permanência da direita que integra e promove no poder, nele mantendo e reforçando a sociedade portuguesa (lusa e não só) de negócios.

Ficou assegurado, por agora, que os credores podem continuar a espremer-nos, que se vão manter abertas as torneiras dos cofres do Estado que alimentam as swaps e outras negociatas, que os processos de privatização dos CTT, da Caixa Geral de Depósitos e de algumas "miudezas" públicas que ainda nos restam, serão acelerados. Será aumentado o desemprego, a destruição de pequenas empresas prosseguirá enquanto surgirão folgas significativas para os grandes grupos, a dimensão social do Estado continuará a enfraquecer-se.

Ao mesmo tempo o PR agiu, ardilosamente, de forma a acentuar o descrédito no exercício democrático da política e distanciou o povo do direito de intervir para discutir e decidir, em tempo útil, sobre o seu futuro. Este PR parece disposto a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que o povo conduza a água a moinho errado.

Cavaco Silva não quer entendimentos dos partidos para se sair destas desastrosas políticas que vêm sendo prosseguidas. Os entendimentos que reclama são para submeter os portugueses e o país. É por tudo isto que o atual PR - que afinal é ator bem ativo da governação e até inventou uma nova forma de Governo de iniciativa presidencial - significa um dos maiores desastres políticos da nossa democracia.

A crise que vivemos, "instituição" criada para impor um brutal retrocesso na vida de milhões de seres humanos, foi e é, antes do mais, um complexo sarilho causado pela finança internacional e por quem a colocou em rédea solta, para facilitar roubos e lavagem de dinheiro. Foi e é, um regabofe de dívida bancária transformada em dívida pública e uma dívida pública tóxica a queimar as mãos dos grandes bancos europeus. Para resolver este problema, os artistas que nos governam no plano europeu e nacional puseram em marcha a arte dos resgates, fazendo passar essa dívida tóxica para as mãos públicas do Fundo Monetário Internacional, dos fundos da União Europeia e do Banco Central Europeu, pois estas são entidades com poder suficiente para subjugar países e povos.

A crise passou a ser também uma oportunidade para as forças neoliberais e retrógradas imporem uma contrarreforma social de grandes proporções: redução dos salários, de pensões e de apoios sociais, regresso à praça de jorna, educação e saúde apenas para quem pode pagar, deixando para os outros, quando muito, políticas de caridade bafienta. Se não estivéssemos numa sociedade de classes e perante a reconfirmação de que a criação de um muito rico impõe sacrifícios a milhões de indivíduos, a crise até parece sofrimento sem sentido. No final, quase ninguém ganhará.

Nestes tempos que vivemos repete-se a constatação de que o poder cega e de que quem o tem prefere muitas vezes, como o Sansão da Bíblia, que morra Sansão desde que morram todos os que aqui estão. O tempo vai passando e as contradições e os erros grosseiros acumulam-se. As decisões políticas são ditadas pelo humor e manipulações dos "mercados". A soberania que era dos estados, dos seus órgãos e instituições e em última instância pertencia aos povos, passou a ser das dívidas - as dívidas soberanas - e os interesses de credores e especuladores definem-se como "interesse nacional".

Observando a composição do Governo e as práticas dos governantes, vemos que as exigências de competência, de rigor, de verdade e de ética para o exercício da governação deixaram de existir. Estas são efetivas expressões de crise que afetam a vida coletiva. O povo em sofrimento, sem esperança e com grandes dificuldades para agir na construção de um projeto coletivo de desenvolvimento; o retrocesso económico, social e cultural; a destruição da democracia, essas sim, são também expressões de crise da sociedade a que é preciso dar resposta.

sábado, 27 de julho de 2013

Novo imbecil

Texto de Joana Amaral Dias, Docente Universitária, hoje publicado no "Correio da Manhã".

Esta remodelação lembra aquela piada do tipo que se chamava António Imbecil. Andava muito triste. Quando finalmente conseguiu mudar de nome, escolheu José Imbecil.

Para Ministro dos Negócios Estrangeiros, Passos e Portas recrutaram Rui Machete que esteve envolvido na SLN/BPN, o buraco negro dos cofres públicos (6 mil milhões). Para Ministra das Finanças, optaram por Maria Luís Albuquerque que, sobre os swap, tem prestado falsas declarações e permitido que duplicassem os encargos potenciais (3 mil milhões). Para a secretaria de Estado da segurança social, preferiram Agostinho Branquinho que, em 2010, deixou de ser deputado do PSD para ir trabalhar para a Ongoing Brasil, empresa sobre a qual recaem suspeitas de desvio de informações dos serviços secretos portugueses e de vigilância a jornalistas. 

Temos que reconhecer talento a este executivo – conseguiram colocar em lugares-chave representantes de cada um dos maiores escândalos deste regime. E ainda lhe chamam o novo ciclo.
Imbecil.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Privatização dos CTT: um crime sem perdão

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso" 

Em vésperas de férias, o governo decidiu iniciar o processo de privatização de 100% dos CTT. Nenhum razão financeira o justifica. Os Correios dão lucro. Desde do início dos anos 90, quando as telecomunicações foram autonomizadas do serviço postal, que a empresa respira saúde, coisa que se acentuou a partir de 1996. O serviço postal é plenamente sustentável e, prestando um serviço público de referência em toda a Europa (e sendo uma das empresas com melhor imagem junto dos portugueses), ainda dá dinheiro a ganhar ao Estado. Dinheiro de que o Estado precisa. Nem os erros cometidos por incompetentes nomeados por governos que não respeitam os serviços públicos (e que os dirigem com o simples objetivo de os privatizar) conseguiu destruir os Correios. 

O dinheiro desta privatização terá de ir para os credores, porque os resultados das privatizações vão obrigatoriamente para o pagamento do serviço da dívida. Tem apenas efeitos nas despesas com os juros da dívida. Ora, só os CTT e os vinte por cento na EDP recentemente privatizados davam ao Estado, em dividendos, todos os anos, o mesmo que se ganha na redução dos custos da dívida com todas as privatizações feitas e planeadas para estes anos. Para abater a dívida agora está-se a perder uma fonte de receitas públicas para sempre. Ou seja, estamos a garantir o endividamento futuro. Isto sim, é hipotecar a vida dos nossos filhos. 

Nenhuma razão de qualidade e serviço público justifica a privatização dos CTT. Os Correios são um instrumento de coesão social e territorial. Aos privados interessará apenas o que dá lucro: Lisboa, Porto e cidades mais populosas. Ou abandonam as regiões mais remotas do país, ou fazem preços diferenciados, ou o Estado financia o que não rende (como faz hoje com várias empresas privatizadas). Ou seja, privatiza o lucro e mantem o prejuízo nacionalizado. Em qualquer um dos casos, ficamos a perder. 

Todas as empresas de correios têm, com a queda da correspondência postal, redirecionado, como sucesso, os seus negócios. E os CTT também. Os Correios, como mostram os seus resultados financeiros, não estão em crise, não são um anacronismo e não precisam de privados para lhes mostrar o caminho a seguir. Têm, de longe, os melhores profissionais deste sector. E são, à escala europeia, uma referência. Quem compre os CTT pouco nos irá ensinar. Vai sobretudo aprender com a nossa experiência. 

Os candidatos que se conhecem à privatização dos CTT são os Urbanos e os Correios do Brasil (ECT). Uma empresa de distribuição e uma empresa pública estrangeira. Ou seja, uma empresa que não terá, como é evidente, qualquer preocupação com o serviço público ou, à semelhança do que aconteceu com parte da EDP, uma nacionalização de uma empresa portuguesa que passa a estar dependente das decisões de um Estado estrangeiro. Um Estado que é suficientemente inteligentes para manterem públicos os seus serviços postais e ainda aproveitar a estupidez alheia para comprar excelentes "ativos". 

Sem autonomia monetária, sem poder sobre grande parte das políticas de concorrência e com todas estas privatizações, pouco sobreviverá, para além da cobrança de impostos, nas funções económicas do nosso Estado. O que significa que pouco sobreviverá da nossa independência. Não porque, como diz Paulo Portas, estamos sob "protetorado". Mas porque somos governados por gente sem qualquer sentido patriótico. Como se vê pelos efeitos financeiros desta privatização, não se trata de uma inevitabilidade. É uma escolha. É uma traição. 

Esta privatização é um roubo aos portugueses e ao Estado. É, de tudo o que este governo já fez, a mais vergonhosa das decisões. Os CTT são património dos portugueses, não são património do governo. Dão lucro, não dão prejuízo. Cumprem uma função fundamental para a coesão do País, não são gordura. São uma empresa de referência na Europa, não é um poço de problemas. As privatizações da REN, das Águas de Portugal e dos CTT (tudo monopólios naturais) são, depois de feitas, irreversíveis. Cabe aos portugueses defenderem o que é seu. Ou esta geração ficará na história como a que destruiu, deliberada e conscientemente, o património que recebeu e a viabilidade do futuro do seu próprio país. E seremos recordados, com todo o mérito, como a mais vergonhosa das gerações. 

Declaração de interesses: sou neto, filho e enteado de reformados dos CTT. Conheço bem a empresa. Sei do orgulho que os seus funcionários têm em lá trabalhar, coisa que acontece em poucas grandes empresas públicas ou privadas. Sei como a empresa é vista pelas suas congéneres internacionais. E como só pode ser um motivo de orgulho para o Estado português e para os seus cidadãos.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Salvação nacional

Texto de Paulo Morais, Professor Universitário, hoje publicado no "Correio da Manhã"

A austeridade que nos impingiram é socialmente insuportável, injusta e está apontada aos alvos errados. O Estado português tem de pôr as contas em dia.

É verdade. Se a receita anual anda na ordem dos sessenta mil milhões e a despesa nos setenta, obviamente que este défice tem de ser diminuído ou até eliminado. O Estado tem de reduzir – e muito – as suas despesas. Mas deve penalizar os que provocaram a crise e não todos os outros.

Em primeiro lugar, o Estado tem de poupar nos juros da dívida. Milhares de milhões de euros em cada ano, bem entendido. Não é admissível que os juros representem a maior despesa do Estado em 2013. É irracional. Seria como se alguém na sua economia familiar gastasse mais em lavagens do automóvel do que na alimentação dos filhos. É claro que este corte viria agastar o "lobby" da banca, Ricardo Espírito Santo, Fernando Ulrich ou até a filha do presidente angolano. E não há coragem política para o fazer. Além de que alguns políticos influentes são, eles próprios, administradores de bancos, de Vera Jardim no PS, a Lobo Xavier no CDS… entre outros.

Outra despesa a ser imediatamente reduzida é a das rendas com as parcerias público-privadas. Poder-se-iam poupar, sem dificuldade, mil milhões. Isto se houvesse coragem para enfrentar os maiores parceiros privados, como os grupos Mello ou Mota-Engil. Não há! Acresce que estes grupos garantem a sua intocabilidade colocando nas suas administrações atores políticos como Joaquim Ferreira do Amaral, Valente de Oliveira ou Jorge Coelho.

Muitas outras despesas se poderiam evitar no Estado, a começar na renda milionária contratada com o fundo detentor do Campus de Justiça em Lisboa, presidido por Alexandre Relvas, diretor de campanha de Cavaco Silva. Etc., etc., etc. A verdadeira salvação nacional consiste em cortar neste tipo de gorduras do Estado. E não nas pensões, nas reformas, ou nos salários e subsídios dos funcionários. E muito menos no ensino, na saúde ou na segurança social. Portugal precisa apenas de ser governado por quem, seguindo a máxima de António Vieira, impeça que "os peixes grandes comam os pequenos. O contrário seria menos escandaloso, porque um peixe grande poderia alimentar muitos peixes pequenos".
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domingo, 14 de julho de 2013

Insustentáveis

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

1- Cavaco não se importou que este Governo demonstrasse a sua incompetência a toda a hora, conviveu calmamente com a profunda impreparação, suportou o deslumbramento ideológico e a ignorância, mas não aguentou ser humilhado e chantageado pelos líderes da coligação. Enquanto foi com o País, o Presidente aguentou, quando lhe tocou a ele, a conversa foi outra e acabou a confiança. Digamos que se esperava bem mais de Cavaco Silva. Mas, convenhamos, nem este presidente, disposto a tudo para não exercer as suas funções, poderia pactuar com o lamentável espectáculo das últimas semanas. Nem o mais inconsciente dos presidentes teria mantido a confiança nos presidentes dos partidos da coligação.

Passos e o ex-político Portas são tão credíveis e Cavaco Silva confia tanto neles que aquela espécie de golpe de Estado, em que um partido com 12% dos votos passava a governar o País sob o olhar de um primeiro-ministro que passaria a ser um rei das Berlengas com residência em São Bento, não lhe mereceu uma palavrinha que fosse.

Como é que o Presidente quer que CDS, PSD e PS façam um acordo, ou seja, que confiem uns nos outros quando ele próprio não tem o mínimo de confiança nos líderes dos dois partidos da coligação? Que parte do "vocês estão a mais" Passos e Portas não perceberam?

2- Parece, porém, que Passos e Portas não perceberam que o Presidente não confia neles e nem quer ouvir falar do take-over do Governo pelo CDS. O primeiro-ministro, aliás, confessou no debate do Estado da Nação que ainda tem de interpretar "aquilo", leia-se o discurso do Presidente da República. Talvez fosse por isso que repetiu que tem um mandato e quer cumpri-lo, esquecendo que Cavaco já lhe tinha, pelo menos, cortado um ano.

Já Portas, o politicamente incompatível, ou pelo seu óbvio problema em entender o significado das palavras ou por estar irritado por lhe terem estragado a barganha, insistiu. Disse, no seu discurso, que a remodelação proposta era a solução para todos os problemas de coesão governamental. Só faltou mesmo dizer que ele e Passos beberam alguma coisa que lhes tinha finalmente feito ter sentido de Estado.

Talvez por estar a ver que Passos e Portas, o que obedece à sua consciência, não teriam percebido a parte do discurso em que demonstrava que já não contava com eles, talvez por não estar a gostar do espectáculo degradante que estava a ser levado à cena no hemiciclo, em que um ex-ministro demissionário ou ex-futuro vice-primeiro-ministro ou actual ninguém sabe o quê discursava, ex-futuros ex-ministros sorriam como se nada fosse, ex-futuros ministros fantasmas pairavam sobre a sala e um primeiro-ministro reafirmava o sucesso da sua política sem sequer sorrir, o Presidente da República fez um comunicado durante o debate do Estado da Nação ordenando aos partidos que se despachassem. Mais, lembrou que transmitiu aos líderes dos partidos quais eram os elementos que deviam ser tomados em conta.

Comunicar aos partidos àquela hora que tinham de chegar depressa a um acordo e quais eram os elementos que deviam ter em conta foi como dizer que o que se estava a passar na Assembleia era uma perda de tempo e que ele, e não os partidos, é que sabia o que estava em causa.

3- Cavaco tinha razão: aquele debate foi uma perda de tempo. Como também é uma perda de tempo o que ele está, tarde e a más horas, a tentar fazer. Promover um acordo de regime com estes interlocutores, neste momento, já não faz sentido. É inútil repetir que a perda de credibilidade em Passos e Portas é total, que a falta de sentido de Estado dos dois é chocante. É inútil voltar a lembrar o desastre das políticas. É inútil recordar a carta de Gaspar, a demissão de Portas, a sucessão de trapalhadas. É demasiado evidente que este Governo já não governa, apenas estrebucha e que não há remodelação que o regenere.

Claro que o Presidente sabe que um acordo com esta gente é impossível, que manter o País onze meses em campanha eleitoral é insustentável, que Seguro não pode aceitar nenhum tipo de acordo, que o resgate ou outro nome que lhe queiram dar é inevitável. Cavaco está apenas a fingir que acredita num acordo para que possa marcar eleições antecipadas agora dizendo que tentou tudo.

Sim, fazer já eleições é uma péssima solução, mas é a melhor de todas. A que permite limpar o ar, a que permitirá montar uma solução de consenso com alguma credibilidade, sem estes líderes, portanto.

Governo fora de prazo

Texto de José Mendes hoje publicado no "Jornal de Noticias".

Se o Governo fosse um produto transacionável, a ASAE já o teria removido das prateleiras da democracia e responsabilizado os partidos da maioria parlamentar que o suportam. Apesar de um prazo de validade nominal de quatro anos, este "produto" começou a dar sinais de degradação ao fim de apenas um ano, acabando por apodrecer ao fim de dois, isto é, apenas a meio do prazo. 

Olhemos para o Governo da República a partir de três dimensões que caracterizam um produto organizacional: orgânica, missão e liderança.

Na linha da deriva populista e irrefletida que norteou o período pós-eleitoral de 2011, o primeiro-ministro desenhou um Governo de orgânica minimalista, com apenas 11 ministros. A gestão de um país num mundo moderno, onde os tempos são difíceis e os problemas complexos, exige equipas de dimensão adequada. Por exemplo, o Governo finlandês, que tomou posse também em 2011, tinha 19 ministros. Como seria de esperar, o Governo tornou-se numa máquina enferrujada, quase paralisada. Qualquer principiante teria percebido que não se faz um Governo com menos de 15 ministros.

A missão - governar - inscreve-se sempre no quadro de uma visão e de uma orientação ideológica. Sabia-se da predileção de Passos Coelho pela linha mais liberal do tipo "quanto menos Estado, melhor". A este pressuposto acresceu uma crença inamovível nos méritos da austeridade extrema, uma espécie de trilho perfeito ao longo do qual a economia afundaria por um tempo curto, tudo o que era ativo tóxico (empresas, instituições, pessoas) desapareceria e, na sequência, uma esplendorosa primavera, aí pela metade do mandato, daria vida a uma robusta recuperação, com os mercados e a Europa ajoelhados ao milagre português.

Assim não foi, como qualquer economista médio anteciparia, porque não há crescimento sem investimento. O primado das finanças sobre a economia imposto pela dupla Gaspar-Coelho resultou no decréscimo do PIB, no aumento dos impostos, do desemprego e da dívida, no descontrolo do défice e, por fim, na constatação de que as yields não desceram após todo este esforço. O Governo falhou na missão.

A liderança, corporizada pelo primeiro e pelos restantes ministros, deixou dúvidas desde o primeiro dia. Entregar megaministérios a governantes inexperientes, sem peso político para se imporem perante os pares e sem o conhecimento necessário para trabalharem com os atores da sociedade e da economia é, naturalmente, erro de principiante. Mas o melhor diagnóstico deste elenco ministerial foi a imagem derrotada e acabrunhada da bancada do Governo no debate do estado da Nação de sexta-feira. Ministros que não se olhavam, um ministro demissionário que ao que parece tinha já arrumado o gabinete, outro que tem guia de marcha para ser substituído, outra que poderá ver o seu Ministério partido a meio, enfim, uma vergonha para a nossa democracia.

A ASAE é, neste caso, o presidente da República. E, ao contrário da atenta e diligente ASAE da vida real, Cavaco Silva foi dando espaço a um produto em decadência, ao ponto de, quando finalmente a podridão se manifestou de dentro para fora, ver o seu espaço de manobra muito limitado. O caminho, por muito que custe ao presidente, será fatalmente uma eleição antecipada, quanto antes, melhor.

Porque em democracia não há artifício político que contorne o sufrágio. Tem consequências na execução do plano de assistência? Certamente que sim. Mas se há dois anos foi possível juntar as três principais forças políticas e negociar um memorando com a troika num quadro de eleições antecipadas, não vejo por que razão não se pode agora renegociar o programa de ajuda, envolvendo as mesmas forças, partindo para um ato eleitoral que nos traga um Governo mais capaz.

Vale aqui recordar o famoso artigo de Cavaco escrito em 2004, no qual recuperou a lei de Gresham para estabelecer o paralelo entre a má moeda que expulsa a boa moeda e os políticos incompetentes que expulsam os políticos competentes. O professor alertava à data para a necessidade de inverter este efeito. Pois bem, esta é a hora de, na primeira pessoa, o agora presidente protagonizar aquilo que no passado defendeu: substituir o mau produto, fora de prazo, por um outro com validade.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A vitória da perfídia

 Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"

A política portuguesa atingiu o nível mais rasteiro até agora visto. O "irrevogável" de Paulo Portas já faz parte do anedotário nacional e ao vê-lo, solene e compungido, beijar o anel de D. Manuel Clemente, na cerimónia de consagração do bispo como patriarca de Lisboa, não podemos remover a ideia de farsa de um comportamento que devia ser pautado pela rectidão de carácter. Mas Portas não está hipotecado a essas minudências da honra e do exemplo, e não venha ele lá agora dizer que a grotesca cambalhota foi dada em nome do "interesse nacional."

Não é só a ele, porém, que devemos imputar a falta de palavra. Ao admitir a validade do dito pelo não dito, tanto Passos Coelho como o extraordinário dr. Cavaco cumpliciaram-se na infâmia. O "novo" Governo, cerzido com a benevolente aquiescência de Belém, é um trambolho desprezível para todas as partes. Além de constituir uma afronta a todos aqueles que respeitam as regulares normas de conduta, e ainda mantêm a força de se indignar com a ignomínia.

Nesta parada repugnante, o pobre Passos Coelho acaba como um joguete, mais digno de compaixão do que de zombaria. Com Vítor Gaspar foi o que se viu. Aceitou todas as patifarias que o Grande Manitu infligiu a Portugal, o descalabro do desemprego, a queda abissal da economia e, por fim, a consciência de que todo o programa tinha falhado, assim como as previsões, todas as previsões "cientificamente" consumadas. Despediu-se com um mea culpa tão absurdo quanto impune. Nós é que fomos vítimas da experiência.

Meteu-se com Paulo Portas, subalternizando-o e desprezando a índole de um homem rancoroso, irresolvido, que não cresceu e capaz das mais torpes vinganças. Basta recordar o que fez a Manuel Monteiro, a alegre cilada a Marcelo Rebelo de Sousa, ou as insídias executadas no Independente (exemplo típico de imprensa marrom, sob a capa de "modernidade"), para se aferir da estofo moral do artista. Pedro Passos Coelho não sabia com quem se enredava. Depois do golpe de cartola, aceitou todas as exigências do parceiro de coligação. Sai desta contenda reduzido a subnitrato e Portas elevado e promovido. A quê, e por quanto tempo?

A miséria destas encenações sem grandeza nem recto propósito é que elas traduzem a leviandade de um indivíduo, já de meia-idade, que se diverte a cometer perjúrios, traições e perfídias sem um pingo de vergonha. Contudo, a vergonha, nestes tempos sombrios, está, ela também, desempregada, e nem resquício da sua presença se adivinha no horizonte das nossas preocupações. O pior de todo este descrédito é que parece ser ele aceito por Belém, sempre em nome do tal "interesse nacional" que oculta, normalmente, as maiores maroteiras. As coisas não podem ficar por este intermezzo, embora ele seja demasiado trágico e doloroso para os portugueses.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Bandos

Texto de Paulo Morais, Professor Universitário, hoje publicado no "Correio da Manhã"
 
A crise política mais recente, provocada pela pseudodemissão de Paulo Portas, agitou os diversos grupos e fações que se digladiam no seio dos vários partidos do arco do poder.

No PSD, os elitistas, próximos de Cavaco, querem eleições legislativas no imediato. Arredados do poder pelo passismo, estão saudosos do acesso aos lugares de topo da administração pública, a que sempre estiveram habituados. Este grupo, liderado por Ferreira Leite, Rui Rio ou Pacheco Pereira, quer substituir Passos Coelho na liderança do partido, mesmo antes de eleições antecipadas. Neste cenário, terão até como aliados os caciques do aparelho mais cavernícola, os detentores dos sindicatos de voto interno. Os dirigentes ligados ao poder autárquico, que aclamaram Passos, serão os primeiros a despedi-lo. Pois não quererão ir a sufrágio nas eleições locais ligados à imagem do primeiro-ministro, à sua impopularidade e aos seus fracassos governativos. 

Já no Partido Socialista, é o setor mais basista que quer a antecipação de eleições. O aparelho socialista de Seguro sabe que o equilíbrio interno é frágil e que os socratistas espreitam a primeira brecha para recuperarem o poder. Os herdeiros de Sócrates são hoje – pasme-se! – a elite socialista. Representam as ligações aos grandes negócios e à Banca, com quem o PS viveu em conúbio durante os governos de Sócrates. António Costa, Francisco Assis ou Vieira da Silva não querem eleições para já. São os melhores aliados de Passos Coelho.

Neste xadrez, o CDS hesita. O aliado de Portas será conjunturalmente Passos, num cenário de continuidade da coligação. Mas Seguro também será um bom parceiro, em caso de eleições antecipadas. Depende de quem der mais. O dilema do CDS está entre jogar pelo seguro e manter o enorme poder adquirido. Ou provocar a antecipação de eleições, apoiando Seguro... e arriscar um desaire eleitoral.

Todas estas fações partidárias desprezam os cidadãos que representam. Não passam afinal de bandos de assalto ao poder, que se organizam para aceder a negócios proporcionados pelo estado ou a cargos na administração. Como diria Bordalo Pinheiro, transformaram "a política numa porca em que todos querem mamar".

Lições com Paulo Portas

Texto de Pedro Tadeu hoje publicado no "Diário de Noticias"

Ficámos a saber que Paulo Portas é homem capaz de trair na sexta-feira a consciência pessoal que invocara na terça-feira para tomar a decisão "irrevogável" de sair do Governo.

Apreendemos as maravilhas de ser país do Eurogrupo com dívida de 72 mil milhões de euros ao FMI, à Comissão Europeia e ao BCE: só podemos ter um ministro das Finanças se aquela troika gostar, só podemos antecipar eleições se essa troika não se importar, só podemos mudar de governo se a dita troika nada objetar. E sem discussão! 

Não sabemos, caso tenhamos eleições regulares em 2015, se os resultados terão, também, de ser previamente aprovados. Talvez não.

Ensinaram-nos mais: o Presidente da República só dá opinião sobre um novo acordo de coligação governamental depois de o senhor holandês Jeroen Dijsselbloem dizer que está "muito satisfeito" com o resultado e de o senhor alemão Wolfgang Schäuble ratificar "o bom caminho" retomado... Nem a Madeira nem os Açores, alguma vez, se sujeitaram a uma humilhação assim face ao Continente. E bem.

Fomos intruídos, portanto, num novo facto: Portugal é a caricatura de um Estado independente. Em vez de tentar encontrar um caminho para inverter o processo de aniquilação da sua autodeterminação, deixa-se comprar, aceita corromper-se para, daqui a um ano, poder endividar-se mais - no mercado ou num "programa cautelar", o novo resgate - com uns caridosos mas incomportáveis juros de cinco ou seis por cento, qual viciado numa toxicodependência de crédito para pagar crédito cujo fluxo o traficante, metódico, assegura com fria eficácia. 

Depois de um jornal económico, na quarta-feira, manchetar "Empresários e banqueiros recusam eleições antecipadas", a turba de comentadores que na terça-feira reclamava "demissão, demissão!" passou, lesta e aditivada por gestores, analistas de ações e o governador do Banco de Portugal, a implorar "estabilidade, estabilidade!". E até o novo patriarca, putativo pastor de almas, foi atrás do rebanho apavorado pela bolsa, a cotação da dívida e a Standard & Poors.

O senhor que provocou esta crise falou alto, mas, depois, ouviu das boas dos amigos do partido, dos amigos da coligação, dos amigos da banca, dos amigos empresários, dos amigos europeus, do amigo Pedro. Respondeu baixinho: "Perdoem-me." Jura agora que vai fazer voz grossa à troika. Que anedota! 

E os pensionistas, que viram em Portas um salvador, bem podem esperar pela reforma do Estado que este homem lhes vai entregar numa bandeja, de consciência tranquila.

Finalmente, uma última lição: a direita, para sobreviver, é capaz de tudo. A esquerda, em contrapartida, nem sabe como viver.

A democracia põe em causa a nossa credibilidade

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso" 

Quando Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva entraram no Mosteiro dos Jerónimos, para a missa do novo cardeal patriarca, toda a fina flor do regime aplaudiu, entusiasmada, os salvadores da estabilidade política. Depois da mais desenvergonhada palhaçada, eles fizeram-se de novo amigos, trocaram ministros e ministérios, pequenos poderes e vaidades, e impediram a pior das tragédias: eleições. A coisa manteve-se, como se deve manter, entre pessoas civilizadas. Porque, já se sabe, eleições obrigam a eleitoralismo, o eleitoralismo leva ao populismo e o populismo leva a escolhas erradas. Ou seja, as eleições são, em qualquer democracia decente, um problema a evitar. Fazem-se, quanto muito, na data marcada para manter as aparências.

A opinião mediática condicionou, através da chantagem e do medo, qualquer decisão que pudesse levar a eleições. Tudo devia ficar como se nada tivesse acontecido. Para além da manutenção de um governo que já ninguém respeita, todas as possibilidades foram postas em cima da mesa: cozinhava-se um governo qualquer, juntavam-se os três partidos responsáveis (responsabilíssimos, como temos visto), mudava-se a liderança do PSD ou do CDS, arranjava-se alguém que estivesse disposto a governar sem o apoio da opinião pública, fazia-se um governo minoritário que estivesse em queda iminente desde do dia da tomada de posse, escolhia-se um governo de Salvação Nacional que, como é evidente, não iria salvar coisa nenhuma. Desde que se evitasse a participação da turba, sempre muito perturbadora da "estabilidade política" e dos mercados, tudo, por pior que fosse, seria aceitável. Muitos dos que o defenderam não pensaram o mesmo nas vésperas de se assinar o memorando da troika, percebendo-se que o valor da estabilidade depende, em muitos casos, de quem tenha a maioria no momento. 

Os argumentos para a não realização de eleições foram três: a nossa credibilidade junto da troika, a nossa imagem junto dos mercados e a ausência de qualquer solução estável depois das eleições. Vou ignorar aqui, por decoro, o argumento do preço das eleições. Porque descer a este nível é conspurcar o debate político. 

Quando à credibilidade junto da troika (da Alemanha), tenho uma novidade: nenhuma solução que não passe pelo que Vítor Gaspar fez nos dois últimos anos, com os resultados que teve para a nossa economia, tem credibilidade junto da troika. E nem isso chega. Quando tudo se mostrar inútil a troika dirá, como já começou a dizer, que Portugal não está a cumprir. Penso que o guião da Grécia é suficientemente conhecido para não termos ilusões. 

A democracia nos países periféricos não tem credibilidade junto da Comissão Europeia, BCE e FMI. Se quisermos realmente agradar-lhes suspendemos todos os atos democráticos, incluindo as eleições, obrigamos os três partidos a assinar um acordo inviolável e vitalício em torno de tudo o que está decidido e extinguimos o Tribunal Constitucional e o Estado de Direito. E, mesmo assim, será dito, no fim de tudo, que fomos nós que não fizemos as coisas como deve ser. Porque, insisto no que escrevo há dois anos, o objetivo deste "resgate" não é, nunca foi, salvar Portugal. É, sempre foi, sacar o máximo possível do que devemos para depois abandonar a carcaça na beira da estrada. A Europa é, nos dias que correm, esta selva. E ser "credível" é aceitar morrer sem resistir. 

Tudo o que façamos para resolver os nossos problemas enfurecerá a troika. Que, como fez na semana passada com o dinheiro que virá com a 8ª avaliação, fará a mais descarada das chantagens à mínima tentativa de restaurar a normalidade democrática no País. Ou queremos sair desta crise e vivemos com os riscos que isso implica ou aceitamos morrer calados. É a escolha que temos pela frente. Uma escolha que chegou a este limite: há quem, fora de Portugal, pense que nos pode impedir de exercer os direitos democráticos e nós achamos normal que isso seja sequer uma posição a ter em conta. Se a tivermos em conta seremos obrigados a reconhecer que a existência de Portugal, como Estado soberano, é uma anedota. E mais vale acabar de uma vez por todas com esta Nação. Porque um País que julga que a independência não comporta enormes perigos não merece essa independência. 

Quanto aos mercados, respondi na última sexta-feira  e mais nada há dizer. Basta, aliás, ver como a "tragédia económica e financeira irrecuperável" que teríamos vivido a semana passada, deixou de ser assunto para especialistas, comentadores e políticos para perceber a função que realmente cumpriu a histeria que foi lançada. O aumento dos juros da nossa dívida (que não estamos a pagar) e as gigantescas perdas para as empresas portuguesas (que não aconteceram) desapareceram, de um dia para o outro, do debate público. Devemos estar a nadar em dinheiro para tamanha hecatombe já não preocupar ninguém. Ou, mais provável, a hecatombe não aconteceu.

Quanto à solução política que sairia das próximas eleições, só por humor negro, depois daquilo a que assistimos na semana passada, alguém pode falar de estabilidade e credibilidade. Não há soluções política estáveis e, em simultâneo, democráticas, na atual situação social e económica. Porque este "ajustamento" é incompatível com a democracia. Nunca houve estabilidade política com instabilidade social. É dos livros. E nenhum governo, enquanto isto durar, terá uma esperança de vida muito longa. A questão é saber se, dentro da instabilidade que é estrutural a esta crise, Portugal tem quem represente um pouco melhor (mesmo que mal) os sentimentos do País. A começar por não ter a dirigir o governo a única pessoa que ainda acredita que a loucura imposta pela troika é a saída para esta crise. A democracia é isso mesmo: garantir, o melhor possível, a representatividade da vontade popular. Não é um arranjo onde os cidadãos são um "problema" que podemos ignorar. 

Podemos continuar a brincar com o fogo. Podemos continuar à procura de atalhos para adiar a clarificação política. Até as eleições chegarem, haver um terramoto eleitoral que não deixe pedra sobre pedra no nosso sistema partidário. Até poderia ser bom, mas acho que os arautos da "estabilidade política" (aqueles que, como Marques Guedes, a consideram "um valor em sim mesmo") não têm razões para se entusiasmar com este cenário. E podemos continuar eternamente a achar que se pode governar sem dar grande importância à opinião dos cidadãos, meros destinatários passivos de inevitabilidades. Até ser mais difícil encontrar um português que acredite na democracia do que um governante que junte a coragem à competência. 

Que a troika se esteja nas tintas para a viabilidade da nossa economia e da nossa democracia não me espanta. Eles não vivem aqui. Não terão de conviver com o Inferno político e social que andam a alimentar. Eles não são eleitos. Não terão de pagar o preço dos seus disparates. Que políticos, comentadores e jornalistas portugueses julguem que se pode levar a degradação da democracia e das condições sociais de vida muito para lá do limite do que é sustentável é que me espanta. Julgarão que estarão a salvo das suas consequências? Não estão. Quando surgirem os populistas salvadores da Pátria, prontos para "limpar" o País e "regenerar" a política, podem esquecer a liberdade de imprensa, as eleições e a fiscalização do poder. Quando isto acontecer, estes cúmplices da destruição da democracia, que desprezam o que lhes permite exercer as suas funções em liberdade, apenas estarão a colher os frutos que semearam. 

As coisas vão correr bem se houver eleições? Não. Como não vão correr bem se elas não existirem. E, em qualquer um dos casos, haverá, com este ou com outro nome, um segundo "resgate". Basta olhar para os números das finanças e da economia, mesmo ignorando todo o contexto político, para o saber. A vantagem das eleições é só esta: ter no governo alguém que, governando bem ou mal (não sei que governo sairá do sufrágio popular), ainda represente algum português. Em democracia, isso faz alguma diferença. Ou não?

sábado, 6 de julho de 2013

Uma certa elite

Texto de João Marcelino hoje publicado no "Diário de Noticias"

1 A crise dos últimos dias teve a grande virtude de mostrar a verdadeira dimensão pessoal de alguns dos líderes políticos portugueses. Temos aqui um manual sobre o que podemos esperar de alguma desta elite, do seu sentido de Estado. Tem sido esclarecedor. Seria também divertido, se não estivesse a ser trágico.

Esta peça, que se representa diariamente sob o olhar dos portugueses, tem ainda o mérito de mostrar como o País real deixou, de facto, de ter correspondência no País do poder e dos negócios. Este último só aspira a que esta elite se entenda. O outro não pode deixar de sentir alguma repulsa pelos desenvolvimentos desta telenovela vista em tempo real.

2 Não estamos numa normal crise política. Essas costumam ter como origem diferenças de ideias. São choques quanto a estratégias a adotar - e são normais, podendo até ser esclarecedoras. Esta não! Esta tem aparecido como o resultado da imaturidade e falta de sentido de Estado dos seus atores.
Em circunstâncias normais, esta elite não poderia continuar a representar Portugal.

Sucede que não vivemos um período normal. O País está sob intervenção externa que é escrutinada diariamente pelos mercados. E é isto que faz com que algumas pessoas ainda finjam descortinar sinais de normalidade neste processo de recomposição de governo que é absolutamente anormal e revela sinais de indignidade. Pedro Passos Coelho, que durante muito tempo ignorou Paulo Portas, finge agora uma nova atitude de humildade. E Paulo Portas, que tinha tomado uma decisão "irrevogável", porque o primeiro-ministro o não ouvia, parece poder agora voltar com a palavra atrás. E se o concretizar estará nesse momento a dizer ao País o que ela - a sua palavra - de facto vale.

3 Este é um tempo de exceção em que vivemos também reféns das eleições de há dois anos. Temos uma maioria no Parlamento e esse valor, que até certa altura foi de facto um bem, é hoje um fardo que parece condicionar muita coisa, sobretudo a ação do Presidente da República. Parece evidente que há quem esteja com medo de ouvir de novo os portugueses. Porque a esquerda pode subir. Porque o PS pode não ter maioria. Porque o CDS pode voltar ao táxi. Porque o PSD pode ser muito penalizado e ter de mudar a liderança. Porque...

Esta ideia de que os votos, mesmo os obtidos com promessas de mentira, podem aprisionar a Democracia por períodos fixos é um dos problemas com que o regime atual, em falência, se debate.
É certo que, infelizmente, a oposição passa a vida a reclamar eleições. Fariam umas todas as semanas até ganharem. Mas até há poucos dias isso era ruído de fundo. E Cavaco Silva tinha todos os motivos, e razão, para não querer derramar uma crise política sobre a nossa dramática realidade social, económica e financeira. O problema está em que foram precisamente Passos Coelho e Paulo Postas quem não cuidou devidamente desse valor. A carta de demissão de Vítor Gaspar é, aliás, a peça mais elucidativa quanto à liderança e à coesão do Governo.

4 Nos próximos dias a Democracia portuguesa vai ter de escolher entre um de dois caminhos, o da hipocrisia ou o da devolução da palavra aos portugueses para perceber o que eles de facto pensam destes terríveis dias e como querem marginar o território que dará origem a um novo governo.
Haverá certezas de que tudo será melhor? Não, infelizmente não há. Mas esta solução em que agora Passos Coelho e Paulo Portas se afadigam para tentar assegurar a respetiva sobrevivência política pessoal fede a oportunismo e não pode trazer nada de bom.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Carta aberta aos lideres dos partidos de esquerda

Caros
António José Seguro
Catarina Martins
Heloísa Apolónia
João Semedo
Jerónimo de Sousa


Lisboa, 3 de Julho de 2013


Não sou ninguém de especial, apenas um cidadão anónimo que ama Portugal e quer o melhor para o país e para os portugueses e por isso vos escrevo esta carta aberta, crente de manifestar os desejos da maior parte do nosso povo.

O governo de Passos Coelho e Paulo Portas chegou ao fim!
No momento em que escrevo estas linhas sabe-se que esse governo já está morto mas, apenas por negação do incompetente 1º Ministro e do inutil Cavaco Silva, ainda não está enterrrado.

Bom ou mau, incompetente ou não, patriota ou traidor, nada disso interessa agora mas a verdade é que um governo que condenava um povo à pobreza, que extorquia tudo o que podia aos cidadãos para entregar de mão beijada à ganância dos bancos e dos credores, certamente que não podia continuar a gerir os destinos do país, país esse que também tentou vender a retalho a qualquer grupo económico estrangeiro que acenasse com um maço de notas.

Agora há que ir a eleições de onde se espera que saia um governo capaz de representar e, sobretudo, DEFENDER o povo e por isso vos escrevo esta carta com um pedido simples:

ENTENDAM-SE, POR FAVOR!

É sabido que, somadas, as votações esperadas nos vossos partidos são suficientes para assegurar uma maioria e um governo de esquerda mas, para isso, é necessário que cheguem primeiro a uma plataforma realista de entendimento. Neste caso o todo é mesmo superior à soma das partes.

Catarina Martins, Heloísa Apolónia, João Semedo, Jerónimo de Sousa, acham mesmo que é possivel rasgar, pura e simplesmente, o acordo com a troika?
António José Seguro, quer repetir o que fez Passos Coelho e seguir esse acordo à risca sabendo que está a condenar o país e o povo à miséria?

Cheguem a um entendimento simples, algo do género "Já que não se pode rasgar vamos renegociar e EXIGIR condições diferentes para permitir o desenvolvimento económico, baixar o desemprego e promover a justiça social". O pagar da divida fica para depois, para quando fôr possivel andar na rua sem deparar esquina a esquina com situações degradantes de  pobreza extrema.

Será exigir muito de vós? Não me parece!
Os credores agiotas não aceitam? Ai, aceitam, aceitam, se quiserem voltar a ver a parte legitima do que emprestaram!

O grande esforço de concertação vai ser de António José Seguro por duas razões:
Primeiro por ser o lider do PS, o maior partido e que ainda sonha em alcançar maioria absoluta. Depois por, tendo sido este ano convidado do clube Bildberg, poder cair na tentação de se entregar nas mãos dos donos do dinheiro e continuar uma politica anti-social de destruição do país. Eu e, estou certo, o resto do povo, pedimos-lhe para resistir à tentação e não o fazer.
Já agora, por favor, mande os Canas, os Lacões, os Lellos e outros que tais para os rodapés das páginas da história do PS e não os volte a chamar à ribalta porque não os queremos.

Os cidadãos portugueses esperam que os vossos partidos cheguem a um entendimento e que formem um governo democrático que os represente e defenda, um governo verdadeiramente do povo, pelo povo, para o povo.

Um governo em que ninguém se espantaria de ver António José Seguro como Primeiro Ministro e, por exemplo, Jerónimo de Sousa como Ministro do Trabalho, Honório Novo como Ministro das Finanças,  João Semedo como Ministro da Saude, Catarina Martins como Ministra da Cultura e Heloísa Apolónia como Ministra do Ambiente.

Esqueçam a luta partidária, ponham os interesses do país à frente dos interesses dos vossos partidos e ENTENDAM-SE!

Façam um acordo pré-eleitoral, divulgem-no, façam uma campanha eleitoral honesta centrada na resolução dos problemas e verão que Portugal e os portugueses saberão recompensar o vosso compromisso.

Para o bem de Portugal

Um cidadão anónimo

terça-feira, 2 de julho de 2013

A infinita estupidez de Passos Coelho

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".

Faz todo o sentido que Vítor Gaspar se tenha demitido por causa das cedências de Nuno Crato aos professores. Elas não foram apenas uma monumental desautorização das suas imposições a todos os ministérios. Tiveram efeitos orçamentais significativos, deixaram a troika de cabelos em pé e foram um prenúncio do que espera Passos Coelho na sua tão desejada "reforma do Estado". Provaram que nenhum governo pode, com o mínimo de paz social, fazer o "ajustamento" que agora se propõe. Se o querem terão de suportar a paralisação do País. Desse ponto de vista, a greve dos professores aos exames e as suas consequências politicas são uma importantíssima lição para os que se opõe a este rumo mas não querem fazer ondas. Ou estão disponíveis para um combate tão agressivo como a politica imposta pela troika ou aceitam a derrota de uma vez por todas. Os professores mostraram como se ganha a guerra política das nossas vidas (sim, o confronto com a agenda da austeridade determinará a vida das próximas gerações). Agora resta saber quem está disponível para tanta dureza.

Se a demissão de Vítor Gaspar foi por causa da aprovação, por parte dos deputados da maioria, das recomendações do PS para a politica económica, então estamos perante um homem distraído. Só agora percebeu que apenas Passos e Cavaco o seguravam? Sentiu-se desautorizado. Mas espanta-se? Não foi ele que exibiu de forma absurda a sua autoridade no famoso despacho que paralisou os ministérios depois da decisão do tribunal Constitucional? Não foi ele que lançou a inútil confusão na Função Pública com a história dos subsídios? Julgava o quê? Que por, como orgulhosamente disse, não ser eleito as regras da politica não se aplicavam a ele? Se foi por isto que Gaspar se demitiu, o seu alheamento face à realidade que o rodeia é ainda maior do que eu supunha. Ele, que desautorizou todo o governo, os deputados e o parceiro de coligação várias vezes, julgava que estava a salvo da devida resposta.

Há também a possibilidade de Vítor Gaspar se ter demitido pelas razões que apresentou na sua carta: porque as suas politicas tiveram efeitos recessivos e isso desequilibrou as contas públicas, deixando-o fragilizado politicamente. Seria uma extraordinária confissão a que o primeiro-ministro deveria prestar atenção: tudo o que Gaspar escreveu sobre a sua própria situação se aplica à de Pedro Passos Coelho.

Seja qual for a razão para a demissão de Gaspar, sabemos que há uma coisa que não muda: Pedro Passos Coelho continua o mesmo desastre politico de sempre. É verdade que a demissão de Gaspar era a demissão de quase tudo o que Passos defendeu nos dois últimos anos. E o princípio do fim. Mas, perante este revés, tinha, com a escolha de Paulo Macedo, a possibilidade de dar um novo fôlego politico ao seu governo. Não duraria muito o estado de graça. Mas sempre era um tempo para respirar. Quem escolheu Passos para substituir Gaspar? Maria Luís Albuquerque.

Umbilicalmente ligada a todas as decisões que foram tomadas nos últimas semanas, trata-se de uma solução de continuidade, sem a vantagem (para o governo) de ter relações próximas com a troika. Ou seja, é uma espécie de Vítor Gaspar da loja dos 300. Percebo o que move Passos: cercado no seu próprio governo não quis escolher um dos que se opôs a algumas das medidas das Finanças. O que prova o extraordinário isolamento de Passos Coelho. Não apenas no Pais. Não apenas na coligação. Não apenas no PSD. Mas no próprio Conselho de Ministros.

Mas o mais grave é mesmo a relação de Maria Luís Albuquerque com os contratos swap, as omissões e mentiras que foi transmitido em todo este processo e a purga de secretários de Estado que liderou por terem assinado contratos em tudo semelhantes aos que ela própria assinou na Refer. Todo este processo deveria servir de aviso de Passos Coelho. Mas os avisos, por mais claros que sejam, é coisa que o primeiro-ministro nunca entende.

Antes de saber da demissão de Gaspar tinha escrito, para hoje, um texto em que explicava que Maria Luís Albuquerque, com tudo o que já se sabe sobre dossiê dos swap, não tinha condições para continuar a ocupar o lugar de secretaria de Estado. O meu texto ficou desactualizado. A senhora foi promovida a ministra. O que prova que até eu continua a subvalorizar a infinita estupidez de Pedro Passos Coelho. Swaps. Vai ser esse o assunto dos próximos meses. Deixando a nova ministra a ferver em lume brando, de revelação em revelação até à revelação final. Não espanta que Passos não o perceba. Afinal de contas, este é o homem que levou Miguel Relvas, que toda a gente sabia quem era, para o governo.


O primeiro-ministro demitiu-se ontem

Texto de Ana Sá Lopes hoje publicado no  jornal "i"

O mea culpa irónico de Gaspar é um pedido de demissão do governo

A eminência Gaspar, primeiro-ministro de facto deste governo, demitiu-se ontem e comunicou ao primeiro-ministro de direito - o seu duplo Pedro Passos Coelho - que perante o falhanço do ajustamento cada um tem de assumir as suas responsabilidades. A carta de Gaspar a Pedro Passos Coelho é um monumento político: Vítor Gaspar assume em pormenor o falhanço das políticas que o governo levou a cabo e decide-se pela retirada de cena, não sem responder aos seus críticos no interior do executivo, afirmando que sem ele a possibilidade de o governo se manter coeso aumentou exponencialmente.

Certamente Gaspar percebeu que a sua espécie de mea culpa e assunção de falta de credibilidade acabam por ser, na prática, uma justificação para a demissão em bloco do governo. Gaspar era um problema, mas não é o problema - todos os seus falhanços macroeconómicos são partilhados pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que ainda é quem institucionalmente manda e por uma Europa em alucinação colectiva.

Ao assumir o ónus da culpa - nomeadamente o da "queda da procura interna", uma consequência óbvia de um programa de ajustamento deste género mesmo para um não economista - e ao comunicar publicamente a Passos Coelho que sem ele o primeiro-ministro poderá "reforçar a sua confiança e a coesão da equipa governativa", Gaspar opta na hora da despedida pela ironia (misturada com arrogância) com que tantas e tantas vezes se dirigiu aos deputados. O que Gaspar proclamou ontem ao povo é que o governo falhou as suas metas e tem que assumir as responsabilidades pelo seu falhanço. E nem as referências ao "tempo do investimento" - com um curioso ponto de exclamação - e ao "fardo da liderança" que agora é deixado a Passos Coelho podem ser lidas se não à luz da ironia gaspariana.

A escolha de Maria Luísa Albuquerque para sucessora do ministro das Finanças é uma cabal demonstração de que o governo está a viver os seus últimos dias. O envolvimento da secretária de Estado no escândalo dos swaps faria dela a última hipótese para o cargo, se vivêssemos tempos normais. Como qualquer primeiro-ministro na decadência, Passos Coelho já não tem outra margem de manobra senão recrutar no seu círculo íntimo. Infelizmente para todos nós, a queda do governo será uma excelente desintoxicação, mas não resolverá o problema na raiz - o PS de Seguro terá de se confrontar com os mesmos loucos que governam a Europa, o mesmo euro disfuncional e a sua margem de mudança será, infelizmente, reduzida.

Vítor Gaspar passa certidão de óbito ao Governo

Texto de António Costa, Director, hoje publicado no Diário Económico.

Vítor Gaspar sai do Governo como não se esperava, especialmente de quem assumiu todo o protagonismo, e nunca o recusou, zangado com a sua incapacidade para levar a efeito a reforma do Estado, zangado com o primeiro-ministro por ausência de uma liderança de suporte ao ajustamento, zangado com os seus colegas de Governo. E assinou, como nunca o fez o melhor discurso de António José Seguro, a certidão de óbito deste Governo. Só falta saber a data.

Ao contrário do que parece, a saída de Vítor Gaspar neste momento, nestas circunstâncias, por estas razões, que o próprio explicitou numa carta - uma peça de antologia para a história política e económica do país - é um péssimo sinal. Vítor Gaspar é o responsável directo pela recuperação da credibilidade do país junto dos mercados e dos credores, os actuais, ou seja, a ‘troika', e os futuros. Tem esse crédito, ninguém lho tira. Mas não percebeu o país que tinha, falo do país económico, da estrutura empresarial, dos trabalhadores. Nem sequer a sua dimensão política, desvalorizou-a a todos os outros objectivos, externos. E, portanto, o que fez de melhor acabou por ser o principal obstáculo à sua actuação como ministro das Finanças.

É, ainda assim, uma saída que fragiliza o Governo. Porquê? Porque Vítor Gaspar confessou a sua incapacidade para levar o acordo com a ‘troika' até ao fim, até Junho de 2014. Assume-o de forma séria e honesta, porque já não tinha a credibilidade e confiança de ninguém. Nem sequer da ‘troika', como se percebeu nos últimos dias. O problema, a questão que fica, é porquê? Por responsabilidades próprias e, sobretudo, por falta de apoio político, do primeiro-ministro e do resto do Governo.

Quando são muitas as dúvidas sobre a capacidade do Governo de levar a cabo a reforma do Estado, Vítor Gaspar deixa claro que não tem dúvidas nenhumas. Não será mesmo para fazer, ou, então, muita coisa tem de mudar. A certidão de óbito está passada, é mais grave do que qualquer declaração de António José Seguro ou qualquer greve geral, e tem a assinatura do mais insuspeito dos subscritores, o próprio Gaspar.

O que fica, então, para a nova, e surpreendente, ministra das Finanças, agora, número três do Governo, depois de Paulo Portas? Maria Luís Albuquerque não vai mudar de política, vai tentar fazer, de facto, o que Vítor Gaspar não conseguiu. Sem o mesmo peso político, mas com um perfil de executiva, dura e rigorosa, apesar dos ‘swap', que, agora, se tiverem algum desenlace, arrastarão todo o Governo.

Pedro Passos Coelho centraliza o poder em torno de três pessoas que são da sua total confiança política: Carlos Moedas, Poiares Maduro e Maria Luís Albuquerque. A ministra das Finanças tem pulso firme, conhece os dossiês e é conhecida da ‘troika', com quem o Governo tem ainda de negociar o fim deste acordo e o novo programa cautelar. O primeiro-ministro não tinha outra solução, nem melhor. Mas se é a solução possível, o sucesso do seu trabalho está longe de estar garantido. Como escreve Vítor Gaspar, que se despede com "amizade, lealdade e admiração".

O primeiro teste, de Maria Luís Albuquerque e do próprio Governo, vai ser o Orçamento do Estado para 2014. Vai ser mais relevante para o futuro político deste Governo, e do país, do que o resultado das autárquicas.

PS: A demissão de Vítor Gaspar do Governo coincide com o regresso de Teixeira dos Santos à vida política. Poderia ser mais irónico?

O presidente da República

Texto de António Marinho e Pinto, ontem publicado no Diário Económico.

Constitucionalmente, o presidente da República desempenha um papel extraordinariamente relevante no nosso regime democrático. Ele é o garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas. O presidente da República é, de acordo com a nossa Constituição, o primeiro órgão de soberania, logo seguido pela Assembleia da República, Governo e tribunais. A natureza semipresidencialista do nosso regime não deixa, contudo, de lhe conferir competências de um verdadeiro líder político do povo português. O papel que a Constituição reserva ao PR assume uma importância ainda maior nos momentos de crise em que a confiança nas instituições democráticas e a credibilidade dos agentes políticos se desvanece.

As várias gerações de titulares de órgãos de soberania, que ao longo das últimas décadas se fizeram eleger ou designar para as respetivas funções, não só não souberam evitar a crise como não foram capazes de criar condições para que ela fosse encarada e ultrapassada com dignidade. Constitui uma inominável vergonha nacional que Portugal, o mais antigo Estado-Nação da Europa, esteja hoje, por vontade de alguns partidos, reduzido ao estatuto de um protetorado, governado de facto por um triunvirato de instituições internacionais não democráticas. Mais do que a sua independência política e económica, Portugal perdeu, de facto, a sua dignidade de país soberano.

Talvez em nenhum outro momento da nossa história quase milenar o povo português se tenha sentido tão derrotado como agora. Talvez em nenhum outro período da nossa história coletiva tenha havido tão pouca esperança no futuro como agora. As nossas elites - os nossos melhores - venderam-se e nesse ato de degenerescência moral alienaram também o que de melhor havia neste povo de marinheiros: a coragem para enfrentar as grandes adversidades, a força para vencer adamastores e mostrengos, a capacidade, em suma, de, nos piores momentos, gerar esperança e confiança no destino coletivo.

Há menos de 30 anos, prometeram-nos com cerimoniais grandiloquentes uma Europa do progresso e do bem-estar; uma Europa da cidadania; uma Europa da solidariedade. Tudo isso nos foi garantido com a pompa e a circunstância com que ao longo da história se enfeitaram as grandes mentiras coletivas. Esse projeto grandioso nasceria aqui neste território há mais de quatro mil anos dilacerado por sangrentas guerras civis e que, por egoísmos nacionais, gerou algumas das maiores catástrofes da história da humanidade.

Eu, que fui, na dimensão dos meus mundos pessoais, um cidadão entusiasmado com esse ideal helenista, deixei há muito de acreditar nessa mentira e, hoje, quase sinto vergonha de ser europeu. Essa Europa, renascida das cinzas da guerra mais devastadora de sempre, que nos prometeram de paz e de prosperidade, está hoje novamente dilacerada por uma outra guerra entre os seus vários egoísmos nacionais, em que o papel outrora pertencente às espadas, tanques e canhões é agora desempenhado pelo dinheiro e pelos antagonismos tribais que ele gera e exacerba.

Neste contexto, muitos portugueses olharam para o presidente da República como um líder à altura das melhores tradições de um povo digno e independente. Esperavam dele uma postura de primeiro magistrado do país, capaz de despertar o que há de mais genuinamente português na alma de cada português e de mobilizar este povo para as gigantescas tarefas de reconstrução (da identidade) nacional.

Mas não, o que o atual presidente da República nos oferece é a postura de um ajudante do Governo tentando dourar as pílulas com que anestesiam as frustrações do nosso descontentamento coletivo. O que o presidente da República nos oferece são promessas vagas e longínquas de ilusões historicamente irrealizáveis porque, entretanto, deixaremos de ser povo, Estado e Nação. Identificado politicamente com a agenda ideológica dos partidos do Governo, o PR não exerce o cargo com lealdade constitucional, mas sim com subserviência em relação a essas lideranças partidárias.

Triste sorte a de um povo cujo dirigente máximo opta por ser pequeno precisamente no momento em que a história lhe oferece as condições para ser grande e, sobretudo, para despertar a grandeza moral do povo que lidera.