Texto de João Marcelino hoje publicado no "Diário de Noticias"
1
A crise dos últimos dias teve a grande virtude de mostrar a verdadeira
dimensão pessoal de alguns dos líderes políticos portugueses. Temos aqui
um manual sobre o que podemos esperar de alguma desta elite, do seu
sentido de Estado. Tem sido esclarecedor. Seria também divertido, se não
estivesse a ser trágico.
Esta peça, que se representa
diariamente sob o olhar dos portugueses, tem ainda o mérito de mostrar
como o País real deixou, de facto, de ter correspondência no País do
poder e dos negócios. Este último só aspira a que esta elite se entenda.
O outro não pode deixar de sentir alguma repulsa pelos desenvolvimentos
desta telenovela vista em tempo real.
2 Não
estamos numa normal crise política. Essas costumam ter como origem
diferenças de ideias. São choques quanto a estratégias a adotar - e são
normais, podendo até ser esclarecedoras. Esta não! Esta tem aparecido
como o resultado da imaturidade e falta de sentido de Estado dos seus
atores.
Em circunstâncias normais, esta elite não poderia continuar a representar Portugal.
Sucede
que não vivemos um período normal. O País está sob intervenção externa
que é escrutinada diariamente pelos mercados. E é isto que faz com que
algumas pessoas ainda finjam descortinar sinais de normalidade neste
processo de recomposição de governo que é absolutamente anormal e revela
sinais de indignidade. Pedro Passos Coelho, que durante muito tempo
ignorou Paulo Portas, finge agora uma nova atitude de humildade. E Paulo
Portas, que tinha tomado uma decisão "irrevogável", porque o
primeiro-ministro o não ouvia, parece poder agora voltar com a palavra
atrás. E se o concretizar estará nesse momento a dizer ao País o que ela
- a sua palavra - de facto vale.
3 Este é um
tempo de exceção em que vivemos também reféns das eleições de há dois
anos. Temos uma maioria no Parlamento e esse valor, que até certa altura
foi de facto um bem, é hoje um fardo que parece condicionar muita
coisa, sobretudo a ação do Presidente da República. Parece evidente que
há quem esteja com medo de ouvir de novo os portugueses. Porque a
esquerda pode subir. Porque o PS pode não ter maioria. Porque o CDS pode
voltar ao táxi. Porque o PSD pode ser muito penalizado e ter de mudar a
liderança. Porque...
Esta ideia de que os votos, mesmo os
obtidos com promessas de mentira, podem aprisionar a Democracia por
períodos fixos é um dos problemas com que o regime atual, em falência,
se debate.
É certo que, infelizmente, a oposição passa a vida a
reclamar eleições. Fariam umas todas as semanas até ganharem. Mas até há
poucos dias isso era ruído de fundo. E Cavaco Silva tinha todos os
motivos, e razão, para não querer derramar uma crise política sobre a
nossa dramática realidade social, económica e financeira. O problema
está em que foram precisamente Passos Coelho e Paulo Postas quem não
cuidou devidamente desse valor. A carta de demissão de Vítor Gaspar é,
aliás, a peça mais elucidativa quanto à liderança e à coesão do Governo.
4 Nos próximos dias a Democracia portuguesa vai
ter de escolher entre um de dois caminhos, o da hipocrisia ou o da
devolução da palavra aos portugueses para perceber o que eles de facto
pensam destes terríveis dias e como querem marginar o território que
dará origem a um novo governo.
Haverá certezas de que tudo será
melhor? Não, infelizmente não há. Mas esta solução em que agora Passos
Coelho e Paulo Portas se afadigam para tentar assegurar a respetiva
sobrevivência política pessoal fede a oportunismo e não pode trazer nada
de bom.
sábado, 6 de julho de 2013
Uma certa elite
Etiquetas:
governo,
passos coelho,
Paulo Portas
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