DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Os cortes e a Corte

Texto de Paulo Morais, Professor Universitário, hoje publicado no Correio da Manhã.

"O estado português tem de reduzir a despesa em quatro mil milhões de euros, por imposição dos compromissos que assumiu com a troika. Na hora de proceder a cortes, exige-se que esta redução atinja os privilégios e as rendas atribuídos aos mais poderosos e não seja feita à custa de mais sofrimentos infligidos ao povo. Até porque ao nível dos privilégios há muito por onde cortar

Comecem, de uma vez por todas, por reduzir os custos das parcerias público-privadas (PPP), desde logo as rodoviárias. Não é admissível que se continuem a garantir, apenas pela existência e disponibilidade de uma qualquer autoestrada, rentabilidades anuais de dezassete a vinte por cento aos concessionários privados. E muito menos se admite que no fim de cada ano estes sejam ainda compensados com bónus milionários... por causa da baixa sinistralidade. Os governantes estão obrigados a baixar os custos que as PPP representam para o erário público em, pelo menos, mil milhões de euros. Para tal, negoceiem a sério ou, em alternativa, expropriem os equipamentos pelo seu real valor, o que diminuiria brutalmente os custos. Em qualquer caso, suspendam de imediato os pagamentos.

Haja ainda coragem de estancar a sangria dos juros da dívida pública, que representam a maior despesa do estado e consomem treze por cento dos impostos pagos por todos os cidadãos e empresas. Para baixar o custo do serviço da dívida é necessário competência para a reescalonar e renegociar, coragem para enfrentar o "lobby" financeiro e credibilidade para colocar parte da dívida no mercado interno. Com uma nova atitude, o estado pouparia bem mais de dois milhões de euros.

Poder-se-iam ainda economizar largas centenas de milhões nas rendas imobiliárias que o estado continua a pagar para favorecer amigos, começando no Campus de Justiça de Lisboa e acabando em qualquer pequena repartição pública na província.

É ao nível dos grandes negócios de favor e da Corte indecente de privilégios que se deve provocar a diminuição da despesa do estado; antes sequer de se discutirem quaisquer novos cortes na saúde ou na educação. Reduzir mais as regalias sociais, apenas para manter intactas as prebendas dos grupos económicos favorecidos pelo regime, seria uma infame traição ao povo."

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A bíblia de Passos

Texto de Manuel Maria Carrilho hoje publicado no "Diário de Noticias".

"Sempre que diz que não, agora já sabemos que é sim. Ano e meio de governação revelaram a função eminentemente táctica da negação no estilo de governo de Pedro Passos Coelho: foi assim com tudo, os subsídios de férias e de Natal, as reduções de salários, as amputações de funções nucleares do Estado, o ataque às pensões, etc.
Trata-se de um tática batida, de eficácia bem reconhecida, que não se deve menosprezar: é a tática de avançar mascarado, jurando sempre respeitar o que se despreza, e rejeitar o que se venera. O resto são meros expedientes e pequenos truques, fáceis para quem gere o poder.
Foi assim que, depois de se ter fixado arbitrária e secretamente um valor de cortes que se pretende fazer no Estado (os tais quatro mil milhões de euros), se inventou um tema suficientemente vago - a refundação - que permitisse abrir caminho para o atingir negando estar a fazê-lo, jogando assim às escondidas com os parceiros sociais, os partidos políticos, a opinião pública, afinal com todos os portugueses.
O tema já leva três meses de laracha, e ainda não foi apresentada uma só proposta, uma ideia que fosse ou um único objetivo, para lá do tal valor fetiche dos quatro mil milhões, a que também ninguém explicou como é que se chegou. Seria útil e não devia ser difícil!...
Claro que se prometeu um debate, um "debate nacional" evidentemente. Mas como debater o que literalmente não existe? Este anúncio é parte da panóplia dos truques: ao anunciar esses debates sempre futuros sobre um projeto sem existência concreta, o que se visava era sobretudo - como se de uma inoculação se tratasse - ir transformando o anúncio numa decisão incontornável.
Tão incontornável que a simples referência ao tema acabasse afinal por... dispensar todos os debates. Foi o que aconteceu. E os que agora se montaram à pressa são - como bem se viu ontem e anteontem no Palácio Foz, com o fórum "Pensar o Futuro - um Estado para a Sociedade" - uns indignos arremedos de qualquer discussão séria, que ilustram sem equívocos a extrema degradação política, intelectual e ética a que a conceção e a prática do debate chegaram com este governo.
O lance decisivo da manobra foi, contudo, outro. Ele consistiu em atirar-se para aí com um "relatório" do FMI, um relatório "muito bem feito", dizia com uma obscena e incontida excitação o secretário de Estado que o divulgou.
Um relatório que, todavia, das pergunta enunciadas às respostas escondidas, das palavras escolhidas às que foram cuidadosamente evitadas, passando pelos números grosseiramente manipulados, se revela uma mera encomenda governamental sem qualquer credibilidade.
Mas o relatório não é só desonesto, ele é também medíocre. A sua mediocridade técnica é, de resto, o que mais imediatamente revela a sua natureza política e ideológica. Pedro Passos Coelho veio, claro, dizer que não se trata da "bíblia" do Governo... Mas os portugueses, agora, já sabem que quando Passos diz que não, é porque é sim!
O momento, no entanto, é propício para se perceber e dizer algo mais, e mais importante: é que a bíblia de Passos não é só este relatório. Independentemente do seu destino, e do que dele venha de facto a ser adoptado, a bíblia de Passos é a de um ultraliberalismo estruturalmente fanático.
De um ultraliberalismo que nunca tínhamos visto em ação em Portugal, e cujas características ideológicas e políticas infelizmente têm sido descuradas - e, isso sim, é que devia ser objeto de um exigente debate político nacional.
A ideia, repito, foi a de avançar mascarado. Mas este ultraliberalismo tem como que traído Passos Coelho em todos os momentos de verdade (sobre a constituição, o emprego, a emigração, as funções sociais, os impostos, etc.), revelando as suas verdadeiras convicções e intenções ideológicas.
É esta forma de liberalismo - na verdade é muito mais "ultra" do que "neo" - que, de um modo ora mais engenhoso ora mais atamancado, tem definido a natureza, a ação e os objetivos do atual governo.
A sua ambição fundamental é a mercantilização integral da sociedade, num quadro em que a competição dispensa completamente a cooperação, e em que o mercado é afirmado e assumido como a única forma de organização social plenamente legítima. Nada mais conta!
É aliás neste ponto que o ultraliberalismo (F. Hayek, G. Becker etc.) se distingue do liberalismo clássico (A. Smith, Ricardo, etc.), que visava restringir a intervenção do Estado no mercado, distinguindo duas racionalidades, a política e a económica.
O ultraliberalismo, pelo contrário, defende a generalização sem quaisquer limites do modelo de mercado a todas as áreas e a todas as atividades da sociedade. Defende também que se faça da finança - apesar de todos os desmentidos factuais dos últimos anos - o modelo de eficiência desse mesmo mercado. E defende ainda que tal seja feito por um intervencionismo político e jurídico radical. É exatamente tudo isto que, neste momento, está em curso em Portugal.
A ideologia ultraliberal é clara: é preciso subordinar todas as racionalidades, sejam elas a política, a social, a cultural, a educativa, etc., a uma só e mesma racionalidade, que é a do mercado: é esta, e só esta, a inspiração do "relatório" do FMI.
Passos Coelho segue sem reservas este fanatismo ultraliberal, é ele que dá coerência a todas as suas declarações, mesmo - ou sobretudo - quando o nega. O que ele ambiciona para Portugal é pôr o Estado sob a vigilância permanente e sob controlo constante do mercado, é governar não só para o mercado mas, fundamentalmente, em função do que a lógica mercantil quer da sociedade.
Nesta perspectiva, inédita em Portugal mas que é hoje absolutamente clara no discurso do Governo, é a economia que verdadeiramente passa a controlar e a fundar a política, impondo-lhe os seus objetivos - e isto é que é, afinal, a "refundação".
É por isso um erro pensar-se que o seu adversário é apenas o Estado social - na verdade, o seu adversário é todo o Estado, o Estado tout court. Qual é o interesse de noções como "bem comum", "bem-estar social", "interesse geral", perguntava há já algumas décadas F. Hayek, nesse clássico do ultraliberalismo que é "A Estrada para a Escravidão"? Nenhum, respondia, são ideias a combater, como acontece com as de autonomia, de contrato social, de comunidade, de soberania.
São meras ilusões que é preciso eliminar, como tudo aquilo que valorize os sentimentos comuns dos cidadãos ou quaisquer perspetivas unificadoras da sociedade.
"A sociedade não existe" é o dogma central deste ultraliberalismo, para quem só existem os indivíduos na sua pluralidade e, claro, o mercado na sua divindade . É esta a "bíblia" de Passos Coelho."

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Sem dó nem piedade

Texto de Paulo Morais, Professor universitário, hoje publicado no Correio da Manhã.

"Aos políticos corruptos nunca são assacadas nenhumas responsabilidades pelos seus atos. Violam leis e regulamentos, patrocinam negócios ruinosos para o Estado, enriquecem de forma obscena e nada lhes acontece.

Até hoje, a impunidade tem sido absoluta. O regime jurídico da tutela administrativa impõe, por exemplo, a perda de mandato num conjunto de circunstâncias. Na prática, Macário Correia ou Valentim Loureiro foram condenados pelos tribunais em perda de mandato, mas continuam em funções.

A legislação estabelece responsabilidade criminal aos titulares de cargos políticos que violem regras urbanísticas. No entanto, as alterações ilícitas aos planos diretores são prática comum, com ganhos milionários para os promotores imobiliários que financiam os partidos. Por todo o país nascem edifícios ilegais, do Vale do Galante na Figueira da Foz, ao edifício Cidade do Porto… mas a culpa sempre morre solteira. Enquanto em Espanha há mais de cem autarcas presos por crimes urbanísticos, em Portugal nem um! Nem sequer Isaltino Morais, várias vezes condenado, está preso.

Também nunca são acusados os responsáveis pelos desvios orçamentais. Quem contrate à revelia do orçamento incorre em responsabilidade criminal. Mas até hoje não há condenados, não obstante os milhares de milhões de desvios nos orçamentos na administração central e local. Como também não há responsabilização dos políticos que contratam negócios ruinosos para o Estado, tal é o caso das parcerias público-privadas. Além do mais, jamais são recuperados os bens que os corruptos subtraem à sociedade. E seria bem simples, afinal. Os edifícios ilegais deveriam ser demolidos ou, em alternativa, expropriados por valor zero. As fortunas acumuladas na sequência de fraude fiscal ou de processos de corrupção como o do BPN deveriam ser confiscadas. Apreendendo tanto o património detido em território nacional, como até os depósitos em bancos estrangeiros; à semelhança do que outros países vêm fazendo, como a Alemanha, a França, a Itália ou até a Grécia.

Já vai sendo tempo de punir políticos corruptos, retirando-lhes mandatos, obrigando-os a responder perante a justiça e confiscando-lhes as fortunas que têm vindo a acumular à custa do que roubam ao povo português."

Túnel

Texto de José Reis Santos, Historiador, hoje publicado no "Diário Económico"

Virado mais um ano, justo o da fortuna ou do azar, verificamos que os projectos do Governo em desmantelar as bases do Estado-social português construído nos últimos 30 anos, e de transformar o País num Estado ‘low cost’ atraente ao lucro da alta finança internacional, correm sérios riscos de passaram de conceito a realidade irreversível.

Bem sei que por circunstâncias próprias do nosso sistema político-partidário, elegemos para nos governar um bando de miúdos traquinas, sem qualquer experiência política relevante, qualidades intelectuais ímpares ou competências de gestão governativa. Dizem alguns que tal é consequente da excessiva partidarização da vida política contemporânea, da profissionalização resultante da consolidação institucional dos sistemas democráticos, uma inevitabilidade. Até sou capaz de concordar que, resultante da estabilização institucional e democrática, a vida política se torne mais rotineira e burocratizada, mais técnica e profissionalizada, logo menos excepcional e desafiadora, intelectualmente menos atraente e recompensadora. Mas o que não consigo admitir, o que não concebo, é que exactamente os que se dizem produto desta profissionalização não ostentem qualidades ímpares que os apresentem como excepcionais, como dignos de gerirem os destinos colectivos de 10 milhões de pessoas.

Assim, vemos hoje nas lapelas dos (novos) blazers dos miúdos que há 20 anos eram chutados para as 5ª filas parlamentares, os ‘pins' do escudo de Portugal, uma distinção já não legitimada pelo respeito social e popular, mas uma marca de arrependimento eleitoral e símbolo para a reflecção institucional, pois temos de saber encontrar forma de não só impedir que se perpectue o laxismo constitucional e a ilegalidade social e eleitoral deste Governo, como saber construir uma fórmula institucional que impeça que no futuro um escasso triunfo eleitoral se transforme num projecto totalitário de transformação integral, não sufragada e fora-da-lei (constitucional), da realidade nacional, caminho que o senhor Passos Coelho tem percorrido.

O problema prende-se, em teoria, com a relação entre o desenho constitucional e a natureza dos titulares dos cargos da hierarquia institucional. Assim, quer Cavaco como Portas detêm o poder de dar por terminada a experiência laboratorial em curso em Portugal; mas não intervêm com esse desiderato, curiosamente demonstrando um claro desrespeito pelo sentido de Estado, por razões incógnitas ou anódinas (Cavaco) e por um tacticismo político e invulgar preguiça em se levantar das cadeiras do poder (Portas).

Assim, que fazer? Continuar com o protesto social? Mais e mais manifestações? Esperar por novas cargas policiais e pela instauração definitiva de um estado securitário em Portugal, com novos bufos e uma PIDE 2.0? Ou respeitar o ciclo eleitoral, construindo uma alternativa para 2015? Em teoria, e como institucionalista, tenderia em escolher a solução que respeitasse os trâmites estabelecidos no nosso desenho institucional, não tivesse este Governo rasgado essas mesmas estipulações e nos tivesse colocado num túnel sem saída, sem lâmpadas ou lampiões que iluminem qualquer esperança, e onde o El Dourado é prometido apenas para os poucos que já tudo têm."

domingo, 13 de janeiro de 2013

O grande salto em frente

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"

"Com mais de ano e meio de atraso Passos Coelho apresentou o seu manifesto eleitoral. Está finalmente perante nós, mascarado de relatório do FMI, o que Vítor Gaspar, Passos Coelho e Relvas querem para o País - saberemos dentro em breve se devemos acrescentar Paulo Portas a esta lista. Eis a agenda escondida, o ir para além da troika, aquilo que a Santíssima Trindade sempre quis mas não apresentou aos portugueses receando não ganhar as eleições.
Esqueçamos a falta de vergonha e o desrespeito pelos cidadãos de se mandar para um jornal um documento que a ser implementado mudaria o País para sempre e depois mandar um mero secretário de Estado explicá-lo.

Também não vale a pena debater a ideia que se quis vender dizendo que são simples propostas de âmbito técnico e de se dizer que é um texto que busca consensos: é um documento puramente político e não pretende ser minimamente consensual. A prova disso é que nem os partidos da oposição, nem sindicatos, nem nenhum parceiro social foram tidos ou achados.

A verdade é que Passos Coelho contratou o FMI para lhe escrever o seu programa ideológico.
Como qualquer programa político é marcado ideologicamente, a opção ideológica naturalmente reflecte-se na maneira de fazer os diagnósticos, na forma de levantar as questões e essencialmente nas soluções propostas. Este relatório do FMI não deixa de ter inexactidões graves, erros flagrantes e enormes falsidades, mas sempre com o mesmo objectivo: defender opções políticas (até nisso se aproxima de um manifesto eleitoral). Mais, quando se pede um estudo deste tipo ao FMI sabe-se o que se vai obter.

Digamos que a receita é conhecida e, para quem não saiba, não resultou em nenhum lado, da América Latina à Ásia. Pedir ao FMI um estudo sobre a reforma do Estado é perguntar a um muçulmano se prefere cordeiro ou porco. Já sabemos a resposta.

O documento põe em causa, por completo, o caminho seguido em Portugal após a revolução; pretende acabar com o Estado social, que tem sido consensual em Portugal, concorde-se ou não com a forma como está desenhado ou tem funcionado. Não se chega a meio de uma legislatura e se diz que se tem de despedir 50 000 professores, outros tantos militares, polícias e outros milhares largos de funcionários públicos.

Também não é o momento para anunciar que se vai roubar 20% do dinheiro que as pessoas emprestaram ao Estado para que lhes fosse devolvido quando fossem velhas. São propostas legítimas, mas o mandato eleitoral não é um cheque em branco. O que está em causa não é propriamente privatizar 49% ou 51% da RTP ou aumentar mais ou menos os impostos: é uma mudança radical na forma de estruturar a comunidade, não pode ser feita sem um mandato claro do povo. Não se podem fazer estas mudanças absolutamente radicais sem eleições e em muitos casos mudando a própria Constituição. Ainda é preciso ouvir o povo para dar o grande salto em frente.

Há aqui ainda, entre muitos outros, um par de problemas. O parceiro de coligação, o CDS? Em que estado fica depois deste episódio, sabendo-se que não concorda com o verdadeiro plano do Governo, apesar de lhe pertencer? Portas e Cavaco estão cada vez mais parecidos nas ideias e nos actos: não se pode esperar nada deles. Não querem, até ver, contar.

O segundo e mais importante tem que ver com o PSD. Revê-se o partido neste programa? É que tudo o que tem sido a actuação deste Governo, sobretudo este programa Governo/FMI, é contra toda a sua história, toda a sua tradição governativa, toda a sua raiz ideológica. Pois, é muito provável que antes mesmo de haver eleições para sufragar o dito plano fossem necessárias eleições no PSD. Os sinais são claros. De Carreiras a Capucho, passando por Mota Amaral e pelo descontentamento visível das bases do partido. Não deixa de ser muito interessante, aliás, comparar este documento do FMI com o Relatório da Plataforma para o Crescimento Sustentável presidida pelo primeiro vice--presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva. Não é preciso ler muitas páginas de ambos os documentos para percebermos o quão absolutamente distintas são as visões expostas. É muito difícil perceber como é que o Passos Coelho versão 2012/13 e Moreira da Silva são do mesmo partido.

Este Governo não é bem um Governo, é um terrível acidente. Talvez o pequeníssimo empurrão que falta para que caia não seja dado pelo Presidente da República ou pelo CDS mas pelo Partido Social--Democrata. Veremos se ainda sobra alguma força e carácter ao partido que teve um papel decisivo na construção da nossa democracia."

sábado, 12 de janeiro de 2013

Esta democracia

Texto de João Marcelino hoje publicado no "Diário de Noticias"

"1. Há umas semanas Passos Coelho saiu-se com a refundação do Estado. Poucas horas depois, no meio da confusão instalada, percebeu-se que a questão nada tinha a ver com estratégia e visão. Era, apenas, mais um problema financeiro. Importante, sim; mas financeiro. Faltavam 4 mil milhões de euros para cortar até 2014 e a troika queria um plano até fevereiro deste ano (de 2013). Passos Coelho, até aí tão cioso da autoridade da maioria absoluta que coordena, convocou de repente o PS para assinar os sacrifícios. Entretanto chegou o Natal. E agora, passado este, chegou o estudo encomendado aos credores de que se conhecem já as linhas gerais. Temos demasiado bem-estar, professores e polícias a mais, lautas prestações sociais e durante tempo demasiado, etc., etc. Ou seja: mais uma via sacra para percorrer rumo a uma economia radiosa.

Veremos o que o Governo aproveita deste estudo e quais as linhas gerais pelas quais conduzirá os cortes. Mas é nestes momentos que devemos ponderar o significado da nacionalização do Banif (sim, foi nacionalizado, à sorrelfa, na véspera do réveillon) e refletir nas palavras de Nuno Morais Sarmento que, em recente entrevista, garantia ser possível cortar ainda quatro milhões nos gastos do Estado sem colocar em causa os apoios sociais. Nuno Morais Sarmento foi, recorde-se, ministro de um Governo social-democrata.

2. A vida é uma escolha permanente. Na política sobretudo. O Governo tem um problema em mãos e deve assumir as escolhas, como em determinada altura parece ter assumido que não precisava de continuar a estimular o consenso político. Continuar a queixar-se do PS e dos partidos da esquerda (que nem sequer convocou para esse acordo nacional que gosta de reclamar) não faz qualquer sentido. Quem tem legitimidade governa - e se Passos Coelho entende que tem legitimidade, com aquilo que disse na campanha e depois escreveu no programa de governo, para avançar... Pois faça o favor. Avance. Decida. Acabe com a ladainha do consenso nacional, que soa a falso. Eleja-se lá a comissão para o plano que tem de estar pronto em pouco mais de um mês e já que não se quer poupar o País a alguns sacrifícios brutais em tempo recorde ao menos que se poupe na hipocrisia, que já cansa.

3. Portugal está a viver a maior revolução social desde o 25 de Abril. Tudo isto se passa em democracia formal mas, infe- lizmente, muito do que está a acontecer ao nível das decisões do Governo não passou pelo escrutínio do voto. Mais uma vez a campanha eleitoral foi uma mentira e está a ir-se para além do que é aceitável. É mentira, ainda, que de um lado estejam os revolucionários liberais e do outro os conservadores socialistas. Se fosse assim tão simples poder-se-ia até perguntar onde para o PSD social-democrata, esse partido de esquerda sepultado algures. Não! Na sociedade nacional existe, felizmente, um largo consenso europeu e a visão de Portugal como um país honrado e necessitado de reformas. O que não é consensual é es- ta velocidade suicida, quer na conso- lidação orçamen- tal quer nas reformas estruturais, que não sendo acompanhada por crescimento gera pobreza, desemprego, infe- licidade e está a desarticular o País.

A reforma do chamado Estado social, assim como a privatização de algumas empresas, deveria merecer uma grande discussão, ou melhor: um referendo. Mas, tal como perguntar o que pensam os cidadãos da construção da União Europeia, nem pensar nisso! Os políticos desconfiam do Povo, têm medo da democracia. É por isso que este processo português tem tudo para, de repente, ser interrompido. Acabar mal. Gostava de estar enganado."

Saída de emergência

Texto de Joana Amaral Dias hoje publicado no "Correio da Manhã".

"O dito relatório do FMI é pura perfídia. Está eivado de dados incorretos e falhas técnicas. Depois, passa ao lado do nosso ponto de partida, do contexto europeu e da crise internacional. Afinal, o mundo acabou? Terceiro, ignora o impacto das medidas.

O Estado Social é redistributivo e produtivo. Matá-lo é matar a coesão e o crescimento do país. Mais. O Estado tem outras despesas que não as sociais. A sofreguidão de só aí cortar, enquanto continua a jorrar dinheiro para os bancos ou para as maiores fortunas que multiplicaram os seus lucros em 2012, e uns dias depois de vigorar o novo orçamento, prova que não há limites para os sacrifícios. A austeridade é um poço sem fundo. 

Por fim, este relatório é o programa do governo. A vontade de exterminar o Estado Social há muito que é afagada por Passos. Dizer que se trata de um documento dos estagiários do FMI, género crónica juvenil de uns dias em Lisboa, é governar à socapa para impor programas para os quais não se foi mandatado. O executivo quer passar a sua ideologia fanática pela porta do cavalo e, assim, a única porta que lhe resta é a da rua. E depressa."

Relatório por encomenda

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".

"Como é do domínio público, o relatório do FMI - que propõe inqualificável degradação da segurança social, da saúde e da proteção social, regressão no sistema de educação, mais desemprego, redução de salários, aumento dos horários de trabalho e fragilização da defesa e da segurança - foi encomendado pelo Governo.

A encomenda foi feita com o objetivo de ser instrumento do Governo no desencadear daquilo que designa de "redefinição das funções do Estado" e no "corte adicional" de 4000 milhões de euros na despesa.
Pelo processo da sua produção e, acima de tudo, pelo seu conteúdo, tal relatório deve ser classificado de ignóbil. Ele só tem interesse num aspeto: tornou mais claro, perante os portugueses, a malvadez, o retrocesso social e civilizacional das políticas deste Governo e, logo, a certeza de que elas negam o futuro do país.

Como muito bem expressou neste jornal Silva Peneda, este relatório "não vale nada. É um disparate".
Jamais se pode permitir o entretenimento da sociedade em torno da validade ou não validade do que esses parasitas funcionários do FMI - municiados por Gaspar, Moedas e outros governantes e assessores mercenários - desavergonhadamente nos propõem. O "trabalho" desenvolvido nas últimas décadas, pela maior parte dos diretores e "especialistas" do FMI, é hoje confirmadamente a causa da imensa miséria em vários países africanos, da América Latina e outros.

Que sociedade nos propõe estes indivíduos? Por exemplo, a nova dose de desemprego direto que recomendam significa tão-somente despedir os nossos professores, médicos e enfermeiros, os nossos especialistas e trabalhadores de várias áreas que nos garantem acesso à saúde, à educação, à segurança, à justiça, a uma vida com direitos fundamentais.

Existem portugueses sérios e competentes, de várias formações ideológicas e técnicas, capazes de analisar a situação do país nos diversos setores e de produzirem propostas sustentadas para debate da sociedade. Não é nisso que o Governo aposta, porque este não é, comprovadamente, um Governo para resolver os problemas do país. Por isso deve ser demitido e substituído.

Passos Coelho e C.ª, com todo o cinismo e desonestidade política, consideram agora que já têm, sob capa tecnocrática, quem represente o papel de mau da fita. O passo seguinte é encenarem uma discussão sobre a matéria, de preferência com a participação de figurões do centrão político, aliás já anunciada para o Palácio Foz. E engajar o mais possível o Partido Socialista. E nesta etapa os perigos continuam a ser muitos, pois há gente que há muito vendeu a alma ao diabo e está sempre disponível para "minorar" a dimensão da dose. Mesmo quando é inquestionável que o neoliberalismo e o neoconservadorismo dominantes querem destruir o que se vai designando por Estado social.

Os desafios são grandes para quem, nos diversos espaços políticos, quer defender o Estado Social e encontrar caminhos alternativos para o país. Quem se coloca deste lado sabe que parte em desvantagem: estão impregnadas na sociedade cargas ideológicas muito fortes que condicionam todo o debate.
O Memorando e as políticas feitas em seu nome inculcaram a ideia de um conjunto de inevitabilidades, de opções mentirosas, designadas de inevitáveis, que limitam os recursos para o Estado social, quer porque determinam a economia e impedem o crescimento, quer porque canalizam toda a riqueza que se consegue produzir e juntar para servir os credores, os agiotas e os grandes acionistas de grupos económicos protegidos.

Quando Vítor Gaspar afirma que "está em causa o Estado social que os portugueses querem ter e o que querem pagar", afirmação profundamente ideológica, ele parte do pressuposto que todas as opções políticas já assumidas pelo Governo serão inamovíveis.

À Esquerda impõe-se então um amplo debate, aberto e participado pelos democratas dos diversos quadrantes, que discuta a despesa pública e o Estado social a sério, não debaixo daquelas falsas premissas.
Este episódio do relatório do FMI veio colocar em evidência que só será possível e viável discutir seriamente o Estado social no contexto da formulação de políticas e de governação alternativas."

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O liberalismo de Passos

Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"

"A palavra “ideologia” alberga um campo semântico quase inesgotável. No entanto, há duas acepções da palavra que convém relevar. A primeira é, por assim dizer, aberta e refere-se a uma visão do mundo e da sociedade que tem como objectivo congregar um colectivo para a acção política. A segunda, fechada ou menos evidente, é a de falsa consciência, isto é, a ideologia enquanto forma de encobrir os interesses que verdadeiramente defende.

A acepção aberta da ideologia liberal está claramente presente no discurso e na acção de Passos e do seu Governo: precarização das relações laborais, programa de privatizações mais ambicioso de sempre, cortes nos apoios sociais, desconfiança dos mecanismos democráticos e constitucionais (na sua vertente mais radical o liberalismo não gosta da democracia e ainda menos de Constituições programáticas), tudo isto embrulhado pelo famoso argumento TINA de Margaret Tatcher ("There Is No Alternative").

Mas Passos e o seu Governo têm também defendido medidas que estão aparentemente nos antípodas do liberalismo: aumentos de impostos, condescendência com as PPP, apoios aos bancos, a culminar na nacionalização encapotada do BANIF, etc. Muitos interpretam isto como uma incoerência com o liberalismo. No entanto, existe uma interpretação alternativa e que requer o uso da ideia de ideologia não apenas no seu sentido aberto, mas também como falsa consciência. Vejamos como.

Na prática, o liberalismo de Passos serve não apenas para atacar os direitos dos trabalhadores em nome da liberdade económica, enquanto ideologia aberta, mas também para defender os interesses do capital, em especial do capital financeiro, enquanto falsa consciência. Por isso Desta forma, o liberalismo de Passos faz aquilo que, enquanto ideologia, o liberalismo sempre fez, pelo menos do ponto de vista dos socialistas. Ou seja, a apresentação do liberalismo como ideologia aberta e amiga da liberdade individual funciona como máscara daquilo que ele, em última instância, significa: a defesa dos interesses do capital e o ataque aos interesses dos trabalhadores.

Esta combinação das noções de liberalismo como ideologia aberta e de liberalismo como falsa consciência, que mascara os interesses que defende, chama a atenção para o facto de que o liberalismo de Passos é, no fundo, consistente. As aparentes inconsistências que alguns detectam advêm do facto de não compreenderem, por desconhecimento ou ingenuidade, que as ideologias em geral - e o liberalismo em particular - têm uma dimensão aberta, mas também uma dimensão de falsa consciência."



domingo, 6 de janeiro de 2013

Culpar a parede

Texto de João Pereira Coutinho hoje hoje publicado no Correio da Manhã.

"Existe um país onde o governo pressiona e ameaça publicamente o Tribunal Constitucional. Não, não é a Venezuela. É Portugal. E pela boca do secretário de Estado do Orçamento.

Disse Morais Sarmento que, em caso de chumbo, a ‘troika’ fecha-nos a torneira porque o ‘incumprimento’ do programa será inevitável. Não vale a pena lembrar ao secretário de Estado que o ‘incumprimento’ já começou a partir do momento em que a ‘troika’, sem surpresas, teve que amaciar as metas do défice para 2012, e 2013, e 2014. Mas, ainda que isso fosse verdade, nada legitimaria esta grotesca interferência no princípio da separação de poderes, base de qualquer Estado de Direito. Se houver chumbo do TC, ele resultará da incapacidade do governo em aprender e em não repetir os vícios passados de injustiça na hora de distribuir os sacrifícios. Continuar a marrar contra a mesma parede não é culpa da parede.  "

sábado, 5 de janeiro de 2013

Bancarrota

Texto de Joana Amaral Dias hoje publicado no "Correio da Manhã".

"O Estado atirou 1100 milhões de euros no Banif, avaliado em metade e afundado em dívidas. Eis a nacionalização às direitas: o Estado paga e assume futuros riscos, sem quaisquer garantias. Você já viu este filme no BPN, no qual há mais três mil milhões de dívidas em incumprimento. Ou seja, o buraco pode chegar aos sete mil milhões.

Mais do dobro do que o governo quer cortar no Estado Social. Entre 2001-2011, os três maiores bancos privados distribuíram aos acionistas 4300 milhões de euros. Agora pedem ao Estado esse dinheiro para a sua recapitalização. Também passaram a dívida pública de besta a bestial. Não a comprando, forçaram a entrada da troika. Agora não querem outra coisa até porque mais nada lhes garante empréstimos do BCE a 1%. Entretanto, não injetam dinheiro na economia e cobram taxas de 8%. Já para não falar do jackpot para a banca que foi a transferência dos fundos de pensões para o Estado ou da diminuição do IRC de 328 milhões em 2009 para 42 milhões de euros em 2011. 

A coisa é simples: chama-se expropriação do dinheiro dos contribuintes. Os sacrifícios que lhe estão a pedir servem para salvar bancos. O resto são trocos."

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Aumenta tudo menos a vergonha na cara do governo

Texto de Tiago Mesquita, publicado no seu blogue "100 reféns" no "Expresso"

"O ano que agora está a terminar foi, talvez, o mais difícil de que tenho memória, desde 1974." A frase é do primeiro-ministro, foi proferida no dia 21 de Dezembro de 2012 em plena AR. "Este não foi o Natal que merecíamos", escreveu na sua página do Facebook dias depois, antes de rematar com um "Festas Felizes" - desejo seu e "da Laura".  Já na habitual mensagem de Natal, Passos Coelho saiu-se com enigmas: "todos beneficiarão das novas oportunidades" que serão criadas "nos próximos anos".

Explique-me, senhor primeiro-ministro, porque ou não entendi o discurso de Vexa, ou não estou realmente a vislumbrar as oportunidades de que fala. Admito que o erro seja meu, devo estar com certeza a leste do paraíso e daí não estar a conseguir acompanhar o alcance das fantásticas medidas lançadas pelo seu governo, que aparentemente vão gerar um sem numero de oportunidades, e que irão beneficiar todos, segundo afirma. Explique-me, por favor, para que não seja injusto, já que neste momento apenas pergunto em que mundo o senhor habita, de que país ou realidades fala. Afinal de contas, em que planeta está alojado o seu governo?

Ora bem, se o ano de 2012 foi, segundo diz, "o mais difícil desde 1974" e sabendo nós que em 2013  vamos ter aumentos da luz, do gás, dos transportes, das portagens, dos telefones, do tabaco, dos impostos, da Segurança Social, sabendo ainda que o custo de vida vai disparar em flecha, que os salários e as pensões vão diminuir, que a recessão vai continuar,  que o desemprego vai galopar e que milhares de falências estão previstas, gerando problemas sociais que nos farão regredir décadas, ora se tudo isto é REAL, está e vai acontecer, de que raio de oportunidades fala afinal Vexa? O ANO DE 2013 VAI SER MELHOR? Sim ou não? Se sim, como? De que forma? Vamos assaltar um banco? Não foi já assaltado o BPN?

Se aumenta tudo, e quando digo tudo estou a falar de ABSOLUTAMENTE TUDO, não seria altura destes aumentos transversais serem acompanhados por um aumento generalizado de vergonha na cara de quem nos ilude desde o primeiro dia em que pensou formar governo? Chega de MENTIRAS.

A abstenção violenta de Cavaco Silva

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias.

"Temos um Presidente da República que, entre a Constituição de que é garante e o memorando com a troika, escolhe este e hipoteca aquela.

Bem pode o porta-voz do PS louvar a mensagem de ano novo do Presidente por ter deixado Passos Coelho politicamente isolado. Bem podem os opinadores encartados do costume encontrar na dita sinais de descolagem de Belém relativamente a São Bento. Um e outros querem que esqueçamos o essencial: Cavaco Silva é figura de referência das direitas tecnocráticas e dos economistas do deslaçamento social para quem a democracia é um estorvo.

Cavaco Silva é um político profissional. E a sua mensagem de ano novo foi isso mesmo: um exercício de pura política profissional. Daquela que, por dizer uma coisa e o seu contrário, tem conduzido a uma alergia crescente dos portugueses pela política. Do Orçamento do Estado disse que é um alimentador da espiral recessiva que está a destruir a economia portuguesa, que arrasa fiscalmente a população trabalhadora e o tecido empresarial, que é profundamente injusto e, para usar palavras brandas, que "suscita dúvidas" sobre a sua conformidade com os princípios elementares de equidade e não discriminação estatuídos pela Constituição. Isto dito, Cavaco pede desculpa mas promulga o dito horror. Fica claro: Cavaco partilha com Seguro a cultura da abstenção violenta. É o interesse nacional que mo impõe, diz com o ar grave que essa contrariedade requer. Queria não o ter promulgado mas se o não tivesse feito o País afundar-se-ia, seria o caos. E a gente pergunta: mas uma coisa assim tão má como o Presidente da República a pinta não traz o caos agarrado a ela? Um Orçamento tão destruidor não afunda o País? Uma lei com tão grande probabilidade de ser inconstitucional promulga-se e depois logo se vê? É isto um Presidente responsável?

Político profissional com muitos anos de prática, Cavaco Silva faz escolhas a coberto de imperativos gerais, pedindo desculpas por não poder alegadamente fazer outras. Na sua mensagem, Cavaco Silva enunciou com clareza a sua escolha política: repudiará qualquer crise política - leia-se: não quer que se force a demissão do Governo nem que haja eleições - e fará do cumprimento do memorando com a troika o mandamento maior da vida do País. Ora, criticar o Orçamento e fazer a apologia do cumprimento do memorando é uma contradição insanável. O Orçamento é o que é porque o memorando estabelece o que estabelece. O Orçamento do memorando é a crise da política real, mesmo se não houver crise política formal. Mas disso Cavaco Silva não quer saber. O que verdadeiramente lhe causa preocupação é que possa ganhar força a exigência de renegociação da dívida. Porque sabe que é aí que se desmorona a política de que ele é presidente, sabe que é aí que se rompe com a hegemonia da política do embaratecimento do trabalho, da política das privatizações a pataco, da política que rasga o contrato com os cidadãos mas sacraliza o contrato com os credores.

Cumprir o memorando para que tenhamos imagem de bom aluno e os credores possam continuar a financiar uma economia de baixos salários, de baixa qualificação e de direitos mínimos - esse é o desígnio de Cavaco Silva. E para que ele se cumpra, o Presidente toca a reunir. Ao lembrar que o memorando foi assinado por uma constelação partidária que representa 90% do espaço parlamentar, Cavaco põe no centro da política uma fórmula governativa de banda larga para apoio ao memorando da troika, seja com coligação formal ou com outra forma institucional. É a essa escolha de Cavaco que cada partido tem de responder. Alinhando com ela ou combatendo-a. Não há espaço para abstenções. Mesmo violentas."

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Resistir, nunca desistir

Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"

 "Entrámos no ano de todos os perigos e de todos os medos. Ninguém ameniza as perspectivas, e o primeiro-ministro acentuou a nossa angústia afirmando que nunca as coisas, depois do 25 de Abril de 74, tinham estado tão escuras. Os seus apaniguados, contentíssimos, aplaudiram as declarações, considerando-as sinal de honrada "transparência". Esqueceram-se, evidentemente, de que, à esquerda e à direita, gente altamente qualificada e sensata já advertira da tragédia próxima. E Passos Coelho continua a não reconhecer, claramente, o que a aplicação da ideologia neoliberal nos tem feito. Nem o que essa ideologia significa de risco para a própria democracia, cada vez mais acanhada até ao ponto de constituir uma humilhação e um desespero intoleráveis para quem nela acredita.

O ano traz, portanto, malvados prenúncios. E, embora sabedor da nociva sorte que nos aguarda, Passos Coelho não move uma palha para inverter a funesta tendência. Não move ou não sabe mover. A representação do poder demonstra enorme desprezo pelos protestos de rua, pelos movimentos de massas (o 15 de Setembro testemunhou a recusa da apatia e da resignação, pelas razões que em si mesmo comportava), pelos depoimentos e pelas declarações veementes de economistas, sociólogos, políticos, alarmados com o caminho para o desastre a que o País é impelido. Interpelado sobre se a população aguenta o caudal de restrições, impostos e constrangimentos, o banqueiro sr. Ulrich admitiu: "Aguenta! Aguenta!", num escabroso convencimento, a roçar o insulto e o impudor. É em criaturas deste jaez e estilo que o primeiro-ministro se apoia, pois elas mesmas caracterizam um dos pilares em que assenta a ideologia que defende.

A ideologia. Eis a questão capital. E o novo paradigma político e social, que nos tem sido imposto, inscreve--se nessa nova experiência do capitalismo, como emergência de sair da crise por si criada.
A regressão a que Pedro Passos Coelho nos obrigou contém uma incerteza dramática, que o atinge, atingindo-nos cruelmente. Ele abriu a caixa de Pandora e, agora, não sabe como fechá-la. É um tonto perigosíssimo. Arruinou a pátria, não somente a pátria política, social e económica mas, sobretudo, a pátria moral. Nem daqui a duas ou três décadas o desastre será remediado, diz quem sabe. O nefasto "rotativismo" ocultará ou dissimulará os erros e os crimes cometidos. Ninguém vai parar à cadeia, porque eles protegem-se uns aos outros, com o impudor de quem se reconhece acima de deus e do diabo.
É pungente assistir-se às torções do PS, como aos embustes, ao vazio de sentido dos discursos do PSD. Não desejo referir-me, neste texto, ao dr. Cavaco, por nojo e estrito resguardo mental. Desejo, isso sim, demonstrar o orgulho e a vaidade que sinto por pertencer a um povo como este, sofrido, cercado, mas decente e indomável."

A culpa

Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"

"Ao contrário do que por aí se diz, este Governo tem uma excelente estratégia de comunicação. Em pouco tempo, conseguiu impor um discurso que uma boa parte da sociedade e dos fazedores de opinião absorveu acriticamente. Como caracterizá-lo?

O seu tema central é a culpa. Tudo começou pela interiorização do chamado "discurso alemão" sobre a crise. De acordo com essa visão, os culpados pela crise do euro são, em exclusivo, os países da periferia. Por isso eles devem pagar pelos seus pecados, ainda que isso implique o sacrifício da racionalidade na própria solução da crise.

Passos Coelho e os seus amigos nunca desafiaram esta ideia, nunca pensaram a crise em termos estruturais e em função do sistema de incentivos perversos criados pelo euro. A narrativa alemã da culpa convinha-lhes porque ia ao encontro da sua própria narrativa de demonização do anterior primeiro-ministro. Para os alemães a culpa era nossa, dos portugueses no seu conjunto, mas a liderança política do Governo assumia de bom grado essa culpa porque podia, ao mesmo tempo, transferi-la para outrem.

Esta interiorização, seguida de transferência para um "bode expiatório", prosseguiu em todas as áreas da vida colectiva. Assim, para o primeiro-ministro os desempregados têm culpa do seu desemprego porque não saem da sua zona de conforto. Os beneficiários de RSI têm culpa da sua dependência porque não querem trabalhar. Os reformados têm culpa pelo descalabro orçamental porque recebem pensões pelas quais não descontaram. O Estado social tem de ser refundado porque, em suma, há muita gente a viver à custa dele e são esses os culpados.

Mas a estratégia de culpabilização acaba por abranger quase toda a sociedade. Os portugueses são culpados porque se endividaram, compraram casa e carro, quiseram comer bife em vez de batatas. Os trabalhadores por conta de outrem são especialmente culpados porque ficaram parados nos seus postos de trabalho, inamovíveis, difíceis de despedir. Os funcionários públicos são ainda mais culpados porque são eles os responsáveis pela despesa pública. Por isso é necessário tornar precário o trabalho em geral e o da função pública em particular, assim como diminuir salários e regalias.

Passos Coelho e os seus amigos, dentro e fora do Governo, vêem-se como uma espécie de sacrificadores dos "bodes expiatórios" nos quais eles próprios agruparam todos os pecados do passado. Daí terem um espírito de missão e uma linguagem moralista. O seu objectivo não é a reforma social, é a purificação. Os sacrifícios que aplicam, longe de incomodá-los, provocam neles a satisfação dos justos.

Quanto à compaixão, mesmo quando não se sente, encena-se. Basta uma mensagem no Facebook. Afinal de contas, o Pedro é um sentimental. Quem diria."