Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".
"Como é do domínio público, o relatório do FMI - que propõe
inqualificável degradação da segurança social, da saúde e da proteção
social, regressão no sistema de educação, mais desemprego, redução de
salários, aumento dos horários de trabalho e fragilização da defesa e da
segurança - foi encomendado pelo Governo.
A encomenda foi feita
com o objetivo de ser instrumento do Governo no desencadear daquilo que
designa de "redefinição das funções do Estado" e no "corte adicional" de
4000 milhões de euros na despesa.
Pelo processo da sua produção
e, acima de tudo, pelo seu conteúdo, tal relatório deve ser classificado
de ignóbil. Ele só tem interesse num aspeto: tornou mais claro, perante
os portugueses, a malvadez, o retrocesso social e civilizacional das
políticas deste Governo e, logo, a certeza de que elas negam o futuro do
país.
Como muito bem expressou neste jornal Silva Peneda, este relatório "não vale nada. É um disparate".
Jamais
se pode permitir o entretenimento da sociedade em torno da validade ou
não validade do que esses parasitas funcionários do FMI - municiados por
Gaspar, Moedas e outros governantes e assessores mercenários -
desavergonhadamente nos propõem. O "trabalho" desenvolvido nas últimas
décadas, pela maior parte dos diretores e "especialistas" do FMI, é hoje
confirmadamente a causa da imensa miséria em vários países africanos,
da América Latina e outros.
Que sociedade nos propõe estes
indivíduos? Por exemplo, a nova dose de desemprego direto que recomendam
significa tão-somente despedir os nossos professores, médicos e
enfermeiros, os nossos especialistas e trabalhadores de várias áreas que
nos garantem acesso à saúde, à educação, à segurança, à justiça, a uma
vida com direitos fundamentais.
Existem portugueses sérios e
competentes, de várias formações ideológicas e técnicas, capazes de
analisar a situação do país nos diversos setores e de produzirem
propostas sustentadas para debate da sociedade. Não é nisso que o
Governo aposta, porque este não é, comprovadamente, um Governo para
resolver os problemas do país. Por isso deve ser demitido e substituído.
Passos
Coelho e C.ª, com todo o cinismo e desonestidade política, consideram
agora que já têm, sob capa tecnocrática, quem represente o papel de mau
da fita. O passo seguinte é encenarem uma discussão sobre a matéria, de
preferência com a participação de figurões do centrão político, aliás já
anunciada para o Palácio Foz. E engajar o mais possível o Partido
Socialista. E nesta etapa os perigos continuam a ser muitos, pois há
gente que há muito vendeu a alma ao diabo e está sempre disponível para
"minorar" a dimensão da dose. Mesmo quando é inquestionável que o
neoliberalismo e o neoconservadorismo dominantes querem destruir o que
se vai designando por Estado social.
Os desafios são grandes para
quem, nos diversos espaços políticos, quer defender o Estado Social e
encontrar caminhos alternativos para o país. Quem se coloca deste lado
sabe que parte em desvantagem: estão impregnadas na sociedade cargas
ideológicas muito fortes que condicionam todo o debate.
O
Memorando e as políticas feitas em seu nome inculcaram a ideia de um
conjunto de inevitabilidades, de opções mentirosas, designadas de
inevitáveis, que limitam os recursos para o Estado social, quer porque
determinam a economia e impedem o crescimento, quer porque canalizam
toda a riqueza que se consegue produzir e juntar para servir os
credores, os agiotas e os grandes acionistas de grupos económicos
protegidos.
Quando Vítor Gaspar afirma que "está em causa o Estado
social que os portugueses querem ter e o que querem pagar", afirmação
profundamente ideológica, ele parte do pressuposto que todas as opções
políticas já assumidas pelo Governo serão inamovíveis.
À Esquerda
impõe-se então um amplo debate, aberto e participado pelos democratas
dos diversos quadrantes, que discuta a despesa pública e o Estado social
a sério, não debaixo daquelas falsas premissas.
Este episódio do
relatório do FMI veio colocar em evidência que só será possível e viável
discutir seriamente o Estado social no contexto da formulação de
políticas e de governação alternativas."
sábado, 12 de janeiro de 2013
Relatório por encomenda
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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