Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"
"Ao contrário do que por aí se diz,
este Governo tem uma excelente estratégia de comunicação. Em pouco
tempo, conseguiu impor um discurso que uma boa parte da sociedade e dos
fazedores de opinião absorveu acriticamente. Como caracterizá-lo?
O seu tema central é a culpa. Tudo começou pela interiorização do
chamado "discurso alemão" sobre a crise. De acordo com essa visão, os
culpados pela crise do euro são, em exclusivo, os países da periferia.
Por isso eles devem pagar pelos seus pecados, ainda que isso implique o
sacrifício da racionalidade na própria solução da crise.
Passos Coelho e os seus amigos nunca desafiaram esta ideia, nunca
pensaram a crise em termos estruturais e em função do sistema de
incentivos perversos criados pelo euro. A narrativa alemã da culpa
convinha-lhes porque ia ao encontro da sua própria narrativa de
demonização do anterior primeiro-ministro. Para os alemães a culpa era
nossa, dos portugueses no seu conjunto, mas a liderança política do
Governo assumia de bom grado essa culpa porque podia, ao mesmo tempo,
transferi-la para outrem.
Esta interiorização, seguida de transferência para um "bode
expiatório", prosseguiu em todas as áreas da vida colectiva. Assim, para
o primeiro-ministro os desempregados têm culpa do seu desemprego porque
não saem da sua zona de conforto. Os beneficiários de RSI têm culpa da
sua dependência porque não querem trabalhar. Os reformados têm culpa
pelo descalabro orçamental porque recebem pensões pelas quais não
descontaram. O Estado social tem de ser refundado porque, em suma, há
muita gente a viver à custa dele e são esses os culpados.
Mas a estratégia de culpabilização acaba por abranger quase toda a
sociedade. Os portugueses são culpados porque se endividaram, compraram
casa e carro, quiseram comer bife em vez de batatas. Os trabalhadores
por conta de outrem são especialmente culpados porque ficaram parados
nos seus postos de trabalho, inamovíveis, difíceis de despedir. Os
funcionários públicos são ainda mais culpados porque são eles os
responsáveis pela despesa pública. Por isso é necessário tornar precário
o trabalho em geral e o da função pública em particular, assim como
diminuir salários e regalias.
Passos Coelho e os seus amigos, dentro e fora do Governo, vêem-se
como uma espécie de sacrificadores dos "bodes expiatórios" nos quais
eles próprios agruparam todos os pecados do passado. Daí terem um
espírito de missão e uma linguagem moralista. O seu objectivo não é a
reforma social, é a purificação. Os sacrifícios que aplicam, longe de
incomodá-los, provocam neles a satisfação dos justos.
Quanto à compaixão, mesmo quando não se sente, encena-se. Basta uma
mensagem no Facebook. Afinal de contas, o Pedro é um sentimental. Quem
diria."
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
A culpa
Etiquetas:
governo,
passos coelho
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário