DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Esquecimento e memória

Texto de Tomás Vasques hoje publicado no  jornal "i".

 Nestes três anos, nada de estrutural mudou, a não ser a vida dos muitos milhares de famílias a quem penalizaram com impostos e cortes em salários e pensões de reforma 

O ano político que, por estes dias se iniciou, é o último ano de vida deste governo. Para trás - ter memória, é importante -, estão três anos em que o governo exigiu pesadíssimos sacrifícios a quem menos podia fazê-los (culpabilizando-os com a afronta de terem "vivido acima das suas posses"); em que se aumentou até ao limite do escandaloso a carga fiscal; em que se arrasou a qualidade dos serviços públicos, nomeadamente na saúde e na educação; em que os salários dos funcionários públicos e as reformas dos pensionistas constituíram a presa mais fácil de sangrar; em que o desemprego e a emigração atingiram números nunca antes conhecidos.

E, apesar de tudo isto, nestes três anos, nada de estrutural mudou, a não ser a vida dos muitos milhares de famílias a quem penalizaram com impostos e cortes em salários e pensões de reforma, ou que foram lançadas no desemprego. O Estado continua a viver na sua habitual opulência, apesar de ter vendido, nalguns casos ao desbarato, os nossos anéis, alguns deles valiosos, como a ANA ou os CTT; os salários dos administradores e dirigentes de topo das empresas continuaram a subir, de acordo com um estudo recente; as grandes fortunas não pararam de engordar. A economia do país está mais fragilizada, o crescimento é invisível, e para sairmos da recessão foi preciso o Tribunal Constitucional contrariar algumas medidas do governo.

Dir-nos-ão, os partidos do governo, nos próximos meses deste ano eleitoral, que nada disto foi em vão e que o nosso futuro é radiante. Mas não é verdade. Em 2010, último ano completo do anterior governo, o défice orçamental chegou aos 10%. É exactamente o mesmo défice que está previsto para este ano, de 2014, último ano completo deste governo, usando os mesmo critérios de contabilização. O facto de Bruxelas e Berlim aceitarem, desta vez, outros critérios para disfarçar o défice, de modo a salvarem a face da sua parte de responsabilidade no fracasso das medidas aplicadas, não nos livra do peso, e das consequências, de um défice igual ao de 2010, depois de todos os sacrifícios que conhecemos. Fernand Ulrich, um banqueiro sempre na berlinda e bem informado, em relação ao BES/Novo Banco, no qual os contribuintes entraram com quase 4 mil milhões de euros, declarou: "O que pode acontecer é que o Banco de Portugal tenha feito mal as contas e aquilo seja vendido, por exemplo, por um euro." Isto significa que o governo está a empurrar as desgraças que estão à vista para depois das eleições legislativas.

Pior ainda quanto à situação da divida externa. Esta agravou-se substancialmente nestes três anos de chumbo de austeridade, e sem renegociação, sufocará a economia, famílias e empresas, condenando todos à pobreza e à austeridade, durante várias décadas. Não é por acaso que a senhora ministra das Finanças "propôs", há dias, um debate com a oposição sobre este explosivo tema, proposta que terá o mesmo destino que a discussão sobre a "reforma do Estado" - zero. Não se trata de propor uma discussão séria e aberta com a oposição e na sociedade, mas iludir a questão, marcar a agenda mediática e, também, empurrar a inevitável reestruturação da dívida pública (quanto a montantes, juros e prazos) para depois das eleições.

Aparentemente, foi aberto, com a aprovação do orçamento rectificativo, um "período de tréguas". O primeiro--ministro afirmou, no Pontal, que deixava em paz os reformados e pensionistas até ao fim da legislatura. Na semana passada declarou que o Orçamento do Estado de 2015 não terá aumento de impostos. Os partidos do governo vão querer, daqui até às eleições legislativas, fazer esquecer as medidas aplicadas neste três anos e disfarçar os maus resultados obtidos, atirando para uma fogueira os esforços da maioria dos portugueses. Nem sequer é de estranhar que, num ou noutro momento, surja a tentação de dizerem que o défice orçamental se equilibra com a eliminação das "gorduras do Estado", sem necessidade de mais sacrifícios. Agora acrescentando, sem pudor, que todos os problemas serão resolvidos com crescimento. As próximas eleições vão ser uma luta entre o esquecimento e a memória.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A hidra

Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"

Um espectro percorre Portugal: é o espectro da pobreza, da miséria moral, da fraude, da mentira, do embuste, da indecência, da ladroagem, da velhacaria. Este indecoro do BES foi o destapar do fétido tacho da pouca-vergonha. Os valores mais rudimentares das relações humanas pulverizaram-se. Já antes haviam sido atingidos por decepções constantes daqueles que ainda acreditavam na integridade de quem dirige, decide, organiza. Agora, o surto alcançou a fase mais sórdida. Creio que, depois de se conhecer toda a extensão desta burla, algo terá de acontecer. Com outra gente, com outros padrões, não com estes que se substituem, num jogo de paciências cujo resultado é sempre o mesmo. Mas esta afirmação pertence aos domínios da fé, não aos territórios das certezas.

O Dr. Carlos Costa revelou ter avisado a família Espírito Santo de que ia ser removida. Na TVI, Marques Mendes, vinte e quatro horas antes, anunciara o cambalacho. Já destituído, Ricardo Salgado e os seus estabeleceram três negócios ruinosos para o banco, abrindo o buraco da vigarice para quase cinco mil milhões de euros. Quem são os outros cúmplices, e quais as razões explicativas de não estarem na cadeia?

Enquanto o País mergulha num atoleiro, o Dr. Passos nada o crawl, com esfuziante aprazimento, nas doces águas algarvias. Há dias, afirmou que os contribuintes não serão onerados com as aldrabices dos outros. Mas já foi criado um chamado Fundo de Resolução, com dinheiro procedente, de viés, do nosso próprio dinheiro, embuçado na prestação de um grupo de bancos. Quanto ao extraordinário Dr. Cavaco, o reconhecimento generalizado da sua inutilidade como medianeiro de conflitos, e conivente com o que de mais detestável existe na sociedade portuguesa, converteu-se num lugar-comum.
Foi o "sistema" que criou esta ordem de valores espúrios. Este poder dissolvente fez nascer, por todo o lado, a ideia do facilitismo, oposta às regras da convivência que estruturaram os princípios da nossa civilização, dando-lhe um sentido humano. Tudo é permitido, e esta noção brutal, inculcada por "ideólogos" estipendiados ou fanatizados concebeu as suas próprias regras. A impunidade nasce do "sistema", e Salgado é o resultado, não a causa, o resultado de um aproveitamento imoral estimulado pelas fórmulas dessa ordem de valores. Surpreendemo-nos com o comportamento de quem assim foi educado, porém temos de estudar e de analisar aquilo que os explica.

O "sistema", em cuja origem está a raiz do mal, não carece de "regulação", exactamente porque a "regulação" nada resolve e apenas prolonga a crise sobre a crise. O capitalismo sabe e consegue simular a sua própria regeneração. Mas é uma hidra que se apoia em referências na aparência inexpugnáveis, realmente falaciosas. Enfim: o nosso dinheiro está à guarda de ladrões.

terça-feira, 17 de junho de 2014

E agora a Europa põe as prostitutas a render

Texto de Pedro Tadeu hoje publicado no "Diário de Noticias"

Decreta a União Europeia, e Portugal acata sem discussão, passarem as estatísticas nacionais a acrescentar ao valor do PIB a riqueza produzida com atividades de prostituição, tráfico e contrabando. Avalia o Instituto Nacional de Estatística que a ideia, a aplicar a partir de setembro, valerá 700 milhões de euros.

Claro que isto é um truque para diminuir artificialmente o valor do défice estatal numa série de países. Para Portugal o benefício será de 0,4%, o que deixará a senhora Maria Luís Albuquerque muito feliz. 

Como é que os dirigentes europeus deram o salto moral que lhes permitiu alterar a classificação de "roubo" para "receita" quando se fala de dinheiro proveniente de tráfico de cocaína ou de contrabando de tabaco? Não sei.

Sei é que os Estados não cobram impostos sobre estes lucros ilegais mas querem beneficiar as suas contas oficiais com dinheiro criminoso, através de estimativas discutíveis. 

Qual é, agora, a autoridade que lhes resta para cobrar impostos aos empresários e trabalhadores da economia legal? Quem acredita na seriedade do combate a estes crimes ou a outros aparentados, como a corrupção, o lenocínio, o tráfico de mulheres? Como podem pensar que pequenos passos como estes não degradam a confiança dos cidadãos no próprio Estado?

É verdade que a riqueza que se pretende contabilizar existe. O problema é que não deveria existir, pelo menos segundo as leis da maioria dos países europeus. Esta riqueza não deveria ser contabilizada, deveria, isso sim, ser combatida, ser exterminada. 

O caso, no entanto, da prostituição tem bondosos defensores. A tese é que as prostitutas terão, com este reconhecimento oficioso, mais condições para um dia serem aceites como "trabalhadoras do sexo", pagando impostos e tendo direito a segurança social, como muitas pessoas de esquerda e vários gurus das psicologias e das sociologias gostam de defender. 

Tudo o que se possa fazer para dar segurança, salubridade, apoio social às mulheres e homens que se prostituem é, simplesmente, humanitariamente imperativo. Qualificar a prostituição como um trabalho, ou seja como um fator de transformação do mundo, isso já me parece mais discutível - afinal, quantos mais prostitutas e prostitutos tivermos, mais o mundo fica na mesma. Sempre pensei, aliás, que acabar com a prostituição fosse um objetivo civilizacional... 

Mas já nem vou por aí, os moralistas de serviço que façam o seu papel. Constato apenas que em Bruxelas transformaram 27 países em assoalhadas de um gigantesco bordel, onde se conta o dinheiro das meninas e dos meninos que vendem o corpinho. A União Europeia é uma madame proxeneta.
 

sábado, 14 de junho de 2014

Onda liberal a crescer

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"

 É uma praga! Qualquer político nacional ou europeu no poder aproveita todas as oportunidades discursivas e a definição de medidas políticas para apresentar a receita milagrosa com que pretensamente se resolve a "crise" em que o país e a União Europeia (UE) estão mergulhados: as reformas estruturais. Em nome dessas "indispensáveis" reformas estruturais é desestruturado o modelo social europeu - assumido durante décadas como a vantagem distintiva da UE perante o Mundo - as disponibilidades financeiras são canalizadas para setores especulativos e rentistas e não para investimento em atividades de produção de bens e serviços úteis e necessários ao desenvolvimento da sociedade. 

Que reformas são essas que criam pobreza, que aprofundam injustiças e desigualdades, que secam as atividades culturais, que devoram direitos no trabalho e cilindram o direito do trabalho, que querem estigmatizar os emigrantes, que colocam em causa a soberania dos povos e a independência dos estados?

Estas reformas tratam os cidadãos como peças de uma engrenagem capazes de aguentar tudo - "ai aguentam, aguentam" - e atribuem aos mercados características e sentimentos humanos. Ao Estado, absolutamente capturado pelo poder financeiro e pelos grandes interesses económicos, é atribuído o papel de cobrador implacável de impostos a quem trabalha, e de canalizador desses recursos para os interesses privados desses poderes. Ao mesmo tempo, a sociedade é convidada a aplaudir todas as medidas apresentadas como adelgaçantes, como eliminadoras de gorduras: criou-se um ideal anorético de sociedade para o povo no que à dignidade, aos direitos universais e aos recursos materiais diz respeito. O comum dos cidadãos é convidado a desresponsabilizar-se pela coisa pública, a odiar a política, a deixar de sonhar com projetos de futuro, ou com uma vida minimamente estável depois de décadas de trabalho, de cumprimento de obrigações fiscais e de pagamento das contribuições para a Segurança Social.

As reformas estruturais são os instrumentos com que sacam aos povos os seus meios materiais e até a própria vida, para alimentar o animal insaciável que tanto dá pelo nome de "mercados", como de capitalismo neoliberal.

Como denunciou, no início do mês, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2007 e 2012, a pobreza infantil aumentou em 19 dos 28 países da UE, em resultado das chamadas políticas de austeridade, havendo em 2012 mais 800 mil crianças pobres. Hoje, infelizmente, serão bem mais. Foi também agora na Conferência Anual da OIT que se chamou a atenção para o facto de cerca de 40% da força do trabalho a nível mundial estar na economia informal, sem direito a trabalho digno. Isto numa sociedade onde os meios tecnológicos e comunicações disponíveis facilmente podiam ser utilizados para eliminar as fraudes e manipulações financeiras, fiscais e económicas.

Nada disto incomoda os que de forma ignóbil se apoderam da riqueza e os governantes de serviço, gente sem um pingo de vergonha, despudoradamente oportunistas e charlatães, perigosamente incultos e ambiciosos.

Para eles, umas cantinas sociais, uns patéticos apelos a sacrifícios redentores, um paleio vazio sobre empreendedorismo e capacidade criativa, é o quanto basta para construir a esperança e o futuro.

Em Portugal arrepia observar a destruição da escola, em curso, articulada com políticas que escorraçam os jovens do país, que despovoam e esvaziam grande parte do território. Na saúde, pelas limitações profundas a que está a ser submetido o Serviço Nacional de Saúde, a regressão é brutal, mas os negócios privados no setor continuam a florescer. Quando o dinheiro compra a vida, significa que está a ser ultrapassada a última barreira entre a barbárie e a civilização.

A tudo isto assiste o presidente da República, que se limita a convidar os partidos do centrão de interesse a instituírem-se como nova união nacional.

À esquerda há que tocar a reunir e a avançar, sob pena de termos um rápido e perigoso avanço da extrema-direita (e do fascismo em diversas formas), mesmo que com a direita a governar debaixo da tese de que é para "evitar mal maior".

terça-feira, 10 de junho de 2014

Cavaco e governo neste 10 de Junho de 2014

Dois artigos de opinião hoje publicados no Diário de Noticias.

De Mário Soares
Um Governo sem rei nem roque

É extraordinário como o atual Governo se mantém - contra a vontade da esmagadora maioria dos portugueses - com mentiras sucessivas e sem ter qualquer visão para o futuro a não ser o respeito pela famigerada troika. Um Governo de coligação cujos líderes se odeiam e se mantêm apenas para não perder as respetivas posições.

É um Governo que não governa, no sentido de não se saber para onde vai e que futuro terá. Está completamente paralisado. Mas os próprios membros dos dois partidos sabem que, mais dia menos dia, têm de desaparecer e sair do País, para não serem punidos.

É certo que contam com o Presidente da República - o grande responsável por tudo o que aconteceu em Portugal - fala o menos possível, como é sabido, mas é o protetor fiel do Governo, que perdeu toda a legitimidade e quer continuar a sê-lo, haja o que houver. Até que termine o seu mandato, o que não tarda muito a acontecer. É pouco provável que tenha a coragem de mudar de rumo. E por isso vai pagar muito caro. O seu retrato na história será invulgarmente negativo.

Porque a crise que Portugal vive é de natureza internacional e tudo vai mudar - como os leitores verão - para dar um novo rumo à zona euro, sem cair no abismo, como avisou Helmut Schmidt. O que seria o caso se os mercados continuassem a dar ordens e a defender a direita mais absoluta. Provavelmente haverá uma revolução.

O Governo que temos, sem nos dar contas de nada e muito menos do dinheiro que tem e como o gasta, em três anos destruiu o nosso País. Vendeu ao desbarato quase todo o nosso património e ninguém sabe para onde foi esse dinheiro e como foi gasto. Acabou com o Estado social e está a destruir aos poucos o Serviço Nacional de Saúde. Tem vindo a dificultar, e de que maneira, a vida às nossas universidades, obrigando as nossas melhores cabeças de cientistas e intelectuais a emigrar.
Pela terceira vez apresentou um Orçamento que, por ignorância total de quem o fez, voltou a ser chumbado pelo Tribunal Constitucional.

É obra... Mas não só fez pressões para que isso não acontecesse, o que é contra a Constituição da República, como tem vindo a insultar o Tribunal Constitucional, o que antes ninguém ousou fazer. O que é inaceitável e totalmente ilegal, como disse, com toda a razão e coragem, o ilustre constitucionalista Jorge Miranda.

É sabido que o Governo não gosta da Constituição da República e a ministra da Justiça nem sequer teve a coragem de defender o Tribunal e a Justiça, como era seu dever... É uma ministra completamente inútil.

O desvario do Governo é total. Ninguém com o mínimo de consciência o pode respeitar depois do que tem dito contraditoriamente. Mas o pior é que não governa e os ministros, cada um no seu canto, não se entendem entre si e não há quem os considere e entenda.

Quase todos os dias o primeiro--ministro fala, ao contrário do Presidente da República, que se limita a ouvir e a dizer banalidades. No sábado passado, o primeiro-ministro preconizou uma política social. Curioso, não é? Ele que há dois anos tem vindo a destruir o Estado social, não ouve nem tem qualquer respeito pelos sindicatos. E agora procura iniciar uma política social. Para quê? Só se for para ganhar tempo...

Os médicos e os enfermeiros protestam e estão contra o Governo que os maltrata. Porque segundo as queixas do ministro não há dinheiro para financiar a saúde dos portugueses. Então porque continua a ser ministro? Os professores estão na mesma. Os militares queixam-se da falta de dinheiro e não podem ver o ministro da Defesa. Mas a Polícia e a Guarda Nacional Republicana, que dependem do ministro da Administração Interna, também não. É caso para perguntar: Será que o Presidente da República, que é economista, sabe para onde vai o dinheiro e o que se passa com as Finanças públicas? Porque não o explica aos portugueses? Que já não acreditam em nada do que diz o Governo, a não ser que a cada dia lhes cortam as pensões a que têm direito ao fim de tantos anos de trabalho...

Nem o Governo que se diz falsamente democrático e social-democrata e democrata-cristão faz qualquer esforço para dar a conhecer aos cidadãos quase nada acerca do dinheiro que o Estado administra nem de onde lhe vem e onde o gasta.

Os bancos portugueses são vítimas da situação em que o Governo os colocou. Porque, ao que se diz, os ricos põem o dinheiro no estrangeiro e os pobres, o que resta, guardam-no nos colchões...
Tudo está péssimo e vai piorar enquanto este Governo estiver no poder, graças ao principal responsável e grande protetor do Governo: o Presidente da República. E, no entanto, devia ser o primeiro a conhecer bem a situação, como economista que é. Mas não. Os próximos meses ser-lhe-ão extremamente difíceis, se não tiver a coragem de dar um murro na mesa e dizer: Basta! Mas não terá coragem para isso...


De Pedro Tadeu
E vão elogiar a ministra Paula Teixeira da Cruz

Pois achavam que o Estado estava a cortar despesas para reduzir o défice estrutural, a dívida pública e todos os outros problemas que, garantem, são a causa dos males deste país? Pois parece que não é bem assim.

A senhora ministra da Justiça, tão elogiada pela troika e por Passos Coelho, dada a capacidade de implementar reformas tão boas tão boas que, a 1 de setembro, os julgamentos neste país terão de ser suspensos graças ao pandemónio aberto com a reforma do mapa judiciário, será candidata a outro lote de rasgados elogios se der seguimento a um anteprojeto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Qual a razão para esses futuros encómios? É esta: uma das normas desse Código, elaborado por sumidades jurídicas convidadas a figurar numa comissão especialmente criada para o efeito, prevê dar autorização para o Estado contratar advogados em casos de pedidos de indemnizações contra o Estado.

Teremos, portanto, senhores ministros, senhores secretários de Estado, senhores chefes de gabinete, senhores diretores-gerais, senhores presidentes de câmara e outros senhores da máquina administrativa a, direta ou indiretamente, poderem ser clientes dos senhores que dão nome aos grandes e médios escritórios da advocacia, facilitadores dos grandes e médios negócios que suportam as carreiras de boa parte dos cavalheiros anteriormente referidos.

O resultado para a salubridade ética no aparelho do Estado vai ser bonito de se ver, como qualquer alminha inocente é capaz de prever.

Perguntará o leitor: mas esta medida vai resolver algum problema? O Ministério Público, que até agora tinha o monopólio deste "negócio", está a sair-se mal?

Os jornais respondem que não: há 1,5 mil milhões de euros em discussão nos tribunais deste país mas em 83% dos casos resolvidos até agora o Estado foi declarado inocente, perdendo pouco dinheiro. Nada mau.

O salário dos magistrados que tratam destes assuntos é despesa fixa mas, por razões que me ultrapassam, o Governo colocou em discussão pública a hipótese de gastar dinheiro com advogados para se defender. Afinal... somos ricos!

Maria José Morgado, a líder do DIAP Lisboa, lança mesmo a suspeita: "O Ministério Público sofrerá um declínio em nome de interesses dificilmente escrutináveis." E eu, que tantas vezes critiquei a incompetência do Ministério Público, só tenho mesmo de alertar: estão a tirar-lhe o tapete, estão a destruí-lo em vez de o melhorar.

Mas Paula Teixeira da Cruz receberá, certamente, louvores e aplausos dos habituais liquidatários do Estado, sempre prontos a agradecer reformas deste tipo. É um ideal.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Foguetórios de ilusão e políticas chantagistas

Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no  jornal "i".

O governo está a criar uma crise artificial, envolvendo o próprio Tribunal Constitucional e aproveitando a confusão no PS
Qualquer português com uma memória que recue até 17 de Maio se lembra que a data foi vendida como a de uma verdadeira restauração, em que Portugal se libertou da troika.

Na sede do CDS havia um relógio simbólico que marcava ao segundo a aproximação do momento final. Houve conselhos de ministros e sessões parlamentares alusivos à efeméride. Produziram-se discursos e proclamações de vitória sobre a troika com agradecimentos pungentes ao Zé Povinho. Só faltou um solene Te Deum, talvez por o patriarca não ter mostrado disponibilidade.

É claro que havia uns troikocépticos que iam dizendo que talvez não fosse bem assim, para começar porque a última avaliação não estava fechada e porque a pressão dos credores só passará quando Portugal pagar o último cêntimo dos 78 mil milhões de euros que recebeu acrescidos dos juros.
Indiferente a tudo, o governo produziu e manteve um Orçamento do Estado que continha manifestas inconstitucionalidades, não querendo deliberadamente saber dos alertas, das reticências e das rejeições que anteriormente o Tribunal Constitucional tinha manifestado.

Confrontado com a mais recente decisão desse tribunal, o governo inventou um argumento novo, reclamando uma aclaração das suas decisões, como se houvesse dúvidas de substância sobre
o veto por causa de uma ou outra declaração de voto de um juiz ou quanto à data dos efeitos decisórios.

No meio da confusão de declarações, a maioria acabou por reconhecer que a troika está mesmo por cá e o processo de avaliação pode não ser fechado, admitindo portanto que as festividades do 17 de Maio eram para pacóvio ver.

Mais sóbrio esteve o Tribunal Constitucional, que fez saber que estava esgotada a sua intervenção, nada tendo acrescentado ao que decidiu sexta-feira. Na busca de mais um incidente, a maioria pretende agora que seja o parlamento a interpelar o Tribunal, visto que as decisões resultaram de acções oriundas de deputados. Nada como somar confusão à confusão.

A fúria do governo contra o Tribunal Constitucional é tanto mais insensata quanto é certo que, depois da sua recomposição recente, aquele órgão passou a ser constituído por um número de juízes maioritariamente apontados pela área do governo, o que pressupõe gente de um quadrante que, a priori, não lhe é hostil. Se os juízes actuassem por seguidismo, as decisões teriam passado ou chumbado por escassa margem, o que não aconteceu. Pelo contrário, as deliberações foram esmagadoras ou até unânimes.

Importa entretanto recordar que desde o início se anunciou que os cortes da função pública e noutro tipo de rendimentos, como as pensões, tinham um carácter transitório, pelo que não se pode invocar surpresa com a decisão de não aceitar que se tornem permanentes.

Como solução de via única, o governo e a maioria ameaçam agora com mais impostos, dizendo-se empurrados pelo Tribunal, que legitimamente não aceita a discriminação de grupos específicos e nega dar satisfações ao governo, que parece tentar preparar uma crise política ao dramatizar o assunto, eventualmente aproveitando a confusão que reina no PS com o avanço de António Costa.

A hipótese não é absurda, tanto mais que, se quisessem verdadeiramente resolver o problema, Passos e Portas poderiam pegar nos excedentes orçamentais ou numa ínfima parte dos 15 mil milhões que foram pedir para evitar sustos no tão saudado regresso aos mercados e que custam muitos mais milhões em juros. Isto para não falar em explicar à tal troika que o Tribunal Constitucional de cá é tão respeitado como o da Alemanha.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Leiam os meus lábios

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias

Há uma síndrome de read my lips que infeta a governação neoliberal na Europa. O uso da mentira pelos Governos europeus e pelos aspirantes a substituí-los cumprindo o cânone deixou de ser um recurso de circunstância e tornou-se uma condição de fundo. A mentira é hoje um ingrediente essencial da governação das democracias limitadas em que vivemos. Na União Europeia do nosso tempo, os programas que nos governam de facto não vão mais a votos - fossem e seriam cilindrados. As troikas não são eleitas - e, no entanto, são elas que nos governam. Ao contrário, os Governos que vão a votos não nos governam e os programas que submetem ao juízo do eleitorado têm pouco que ver com as políticas que, uma vez eleitos, põem em prática. Como Bush pai na Convenção Republicana de 1988 que o nomeou para candidato à Casa Branca, quem busca a eleição proclama "leiam os meus lábios: não haverá mais impostos". Sabemos todos - a começar pelos próprios - o que isso quer dizer sobre o dia seguinte.

Há quinze dias, Passos Coelho assegurou ao País que, para cumprir a meta de défice de 2,5% em 2015, o Governo não adotaria "medidas que incidam em matéria de impostos, salários ou pensões". O resultado da jura foi subida do IVA, subida da parte da taxa social única paga pelos trabalhadores e mudança de nome da contribuição especial de solidariedade. Da "enorme subida de impostos" de Gaspar passámos para o "aumento mais pequeno possível" de Albuquerque. Só que este se soma àquela. E, cinismo máximo, o Governo promete começar a repor os cortes de salários e pensões em 2015 com um horizonte de cinco anos. Mas não diz que só tem previsão concreta para 2015 (e mesmo essa com efeitos anulados pela subida de impostos).

O próximo episódio, tudo o indica, será a rábula da saída limpa. A barragem comunicacional de moldagem da verdade está preparada. Virá o discurso do sucesso. Virá o discurso da prova de confiança dos credores na correção do caminho percorrido. Virá até o elogio à heroicidade do povo - "o melhor povo do mundo", como dizia Gaspar - pela demonstração de ter compreendido que a autoflagelação dá saúde e faz crescer.

Ficarão por dizer duas coisas. A primeira é que, a confirmar-se a saída limpa, ela fica a dever-se à relutância da União Europeia em passar a imagem de insucesso do seu programa para Portugal e à recusa dos nossos parceiros (?) comunitários em nos garantir crédito se os mercados espirrarem. Não é por não precisarmos de almofada contra as turbulências do mercado que não teremos programa cautelar, é porque os ricos desta Europa sabem que o mínimo tremelique dos mercados é um tremor de terra para uma economia com uma dívida que em vez de diminuir cresceu e por isso não estão para arcar com o risco de nos servirem de avalistas. Ou, para estarem, exigem--nos coiro e cabelo. Foi assim com a Irlanda e não foi outra a razão da saída à irlandesa.

A segunda coisa que não nos será dita é que o suposto sucesso da saída limpa é apenas o pórtico para mais e mais austeridade. Ou seja, o que não nos será lembrado é que não é preciso programa cautelar para nos serem impostos mais pacotes de austeridade. Para que isso aconteça nos próximos trinta anos, basta-nos o cumprimento do Tratado Orçamental.

No meio das juras de europeísmo convicto, a maioria governamental e os demais europeístas convictos encarregar-se-ão de pintar de sucesso esse caminho de décadas de austeridade e de crescimento sempre medíocre da nossa economia. Em cada campanha eleitoral, na exata medida em que se avizinhem mais "medidas" - disfarce retórico de mais austeridade -, hão de repetir a ladainha do sucesso, da retoma à vista, do resgate da nossa independência, blá-blá-blá. E nós perceberemos bem o seu discurso: read my lips.

sábado, 5 de abril de 2014

Abaixo o consenso, vivam os compromissos

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"

Prossegue e intensifica-se a campanha a favor de um consenso de "alcance estratégico" entre partidos do "arco da governação" - mesmo que no seio do PS se observem matizes e honrosas posições que remam contra a maré -, representações económicas e sociais que, no fundamental, dominaram o rumo do país ao longo das últimas décadas, beneficiários de negócios chorudos, de jogos promíscuos feitos com troca de favores e de lugares entre o espaço privado e o espaço público, formadores de opinião de serviço e mesmo alguns jornalistas que gostam sempre de não desagradar ao poder. Trata-se de um consenso de imposição de sacrifícios e empobrecimento, construído escondido do povo. 

No comando das operações está, como lhe compete por formação, opção e interesses óbvios, o mais destacado "não político" da histórica da democracia portuguesa, o presidente da República (PR).
Este consenso que, com pequenas altercações, tem sido a base da governação a que temos estado sujeitos, é um consenso perigoso, que cheira a podre e tem de ser destruído. A sua revitalização e consolidação para o futuro - agora com o apoio dos poderes da troika e num contexto em que o país perdeu capacidades, soberania e densidade democrática - pode causar danos irreparáveis para algumas gerações.

Foi batalhando contra os poderes dominantes, com dinâmicas democráticas, conflitos e debate ideológico, que se avançou na construção da dimensão social do Estado, dos direitos no trabalho, na afirmação da democracia, da igualdade em vários campos, no progresso da sociedade portuguesa. E, mesmo no processo de integração e participação na União Europeia, foram as vozes de minorias que, em tempo útil, deixaram alertas fundamentados que deviam ter sido considerados.

É sob o interesse supremo desse putrefacto consenso que o PR permite e apoia um Governo de hipocrisia, mentira e manipulação, que despreza os cidadãos e as suas representações credenciadas. É na proteção deste consenso que assistimos à vergonhosa ilibação de responsáveis por desvios e roubos nos BPN, BCP, negociatas de PPP e em outros casos de apropriação indevida de milhões de euros.

É com este consenso que nos querem matar sonhos de liberdade, de vida feliz, de prosperidade, submetendo-nos aos interesses dos credores, humilhando-nos e impedindo-nos de encontrar alternativas.

Em tempo de preparação de eleições europeias desencadeiam uma patética campanha contra o debate político, que obrigatoriamente deve ter por base a apresentação e discussão de todos os caminhos e alternativas possíveis, por muito contraditórios que se nos possam apresentar. No país, como na Europa, as soluções têm de ser políticas e as eleições, em democracia, deveriam mesmo servir para discutir.

Abaixo este consenso! Apresentem-se e debatam-se conteúdos para um contraconsenso. Existem disponibilidades e propostas para o construir. Temos de ser capazes de lhes dar visibilidade e força - a nível nacional e europeu - e de gerar uma forte exigência de efetividade política dos seus conteúdos com novos atores na governação.

À Esquerda não se pode prosseguir na reclamação de uma unidade que não é viável ou em convergências abstratas. O tempo é de empenhos na destruição daquele consenso podre, na apresentação de propostas claras para alternativas, na construção de compromissos e na definição de tempos para a sua execução.

Partindo de posições bem diferentes, que não se devem diluir, é possível, e indispensável, discutir um caminho para a reestruturação da dívida sem a qual o país não pode ter investimento, emprego, desenvolvimento. São possíveis compromissos quanto a formas de desenvolver, setor a setor, a economia da produção de bens e serviços úteis, assegurar a defesa e afirmação do Estado social de direito democrático como alavanca da economia e do desenvolvimento, recuperar um regime de trabalho digno e emancipador, identificar homens e mulheres dignos, capazes e sérios para um governo que mereça confiança e mobilize a sociedade.

É tempo de dizer aos portugueses que não há apenas um arco do poder. Com empenho e responsabilidade haverá, com certeza, outro poder, com outras forças.

O país vive em tempo de exceção, abaixo o consenso, vivam os compromissos! 

domingo, 30 de março de 2014

A pobreza e os pobres de espírito

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

1-Nesta semana tivemos notícias do chamado programa de ajustamento. Há quase dois milhões de portugueses a viver com menos de 409 euros por mês, um terço das famílias não pode aquecer satisfatoriamente a sua residência e praticamente metade dos nossos concidadãos não pode acudir a uma despesa de 400 euros sem recorrer a crédito. Ser velho ou ter filhos é uma porta aberta para a pobreza (é bom que as pessoas do Governo percebam que alguém ainda perde a cabeça se se persistir em falar que é preciso ter mais filhos), e vale a pena lembrar que mais de metade das pessoas em situação de desemprego não recebem subsídio.

Os números divulgados pelo INE não deixam margem para dúvida: há cada vez mais pobres e os pobres estão cada vez mais pobres. A isto deve ser somado o aumento da desigualdade, que já sendo das maiores da Europa ainda cresceu mais. É a nova comunidade que estamos a construir, é o caminhar a passos largos para um passado que pensávamos não poder regressar.

Claro que esta queda no abismo da pobreza não surpreenderá ninguém. Muito menos os agentes externos e os fundamentalistas internos da execução da política suicida que vem sendo posta em prática. É este o plano, é esta a visão: criar um exército de pobres disposto a trabalhar por uma malga de sopa e esvaziar o País duns milhões de almas para que haja, digamos assim, mais espaço. É a já nossa conhecida estratégia de empobrecimento. Como acredito que ainda resta um mínimo de preocupação pelos outros cidadãos, um mínimo de decência, um mínimo de noção de bem comum, um mínimo de caridade, imagino que os estrategos desta loucura pensem que esta miséria provoque no final um milagre - um prodígio como o nascimento de árvores das patacas ou o súbito jorrar de petróleo no Bombarral. Tudo isto seria assim uma espécie de sacrifício para expiar pecados e depois viria, por obra e graça do Deus Desconhecido, a bonança. Francamente, já não se conseguem encontrar explicações racionais para a persistência num caminho que está a conduzir a estes resultados.

Mas, no mesmo dia em que foram divulgados mais números da tragédia em curso, Passos Coelho, reagindo pela enésima vez ao Manifesto dos 74 e não prescindindo do acinte com que tem brindado os subscritores, afirmou que este mostrava uma conceção infantil da Europa. Os assinantes do manifesto "estão a falar de uma Europa que não existe, nem existirá e ainda bem, porque ninguém aceitaria uma Europa em que uns poupam para que outros possam gastar". A colagem às teses que dominam a ausência de pensamento europeu é evidente. E é bom que fique claro, não há ponta de ideologia nelas. Passos Coelho está, na prática, a alinhar num conjunto de preconceitos quase racistas, repugnantes e mentirosos, e em assunções pretensamente morais. Não em nenhuma escolha ideológica.

Fica mais uma vez claro que o primeiro-ministro de Portugal pensa que os seus concidadãos são uns esbanjadores, uma malta que andou, e anda, para aí a gastar à tripa-forra. Os povos do Norte, claro está, poupados e sérios, estão fartos da nossa desbunda.

Não ignorando, Passos Coelho, os números da pobreza, do desemprego, da emigração no nosso país, parece perfeitamente razoável chegar à conclusão de que acha que ainda não são suficientes. Não pode ser mesmo doutro modo. E, assim sendo, resta a pergunta: quantos mais pobres e desempregados serão necessários para que sejamos considerados uns probos e dedicados cidadãos, senhor primeiro-ministro?

2-Nesta semana ficou claro que o ministro Maduro não faz ideia do que está a fazer no Governo, que Marques Guedes acha os jornalistas uns manipuladores, que o ministro Mota Soares não é tido nem achado em questões do seu ministério e é substituído por um secretário de Estado dum outro em que Maria Luís Albuquerque manda e acha que não tem de dar confiança a ninguém. O primeiro-ministro ainda não percebeu bem as funções que exerce e pensa que os membros do Governo devem contribuir para um debate sereno... aquele cavalheiro que em 2011 dizia que "a única coisa que aproveito para enfatizar é que todos aqueles que produziram os seus descontos e que têm hoje direito às suas reformas e às suas pensões as deverão manter no futuro, sob pena de o Estado se apropriar daquilo que não é seu".

Entretanto, vêm para aí mais cortes nas pensões (e salários) e foram anunciados de forma a instalar o pânico e a gerar incerteza numa parte já muito fragilizada da população. O costume, portanto.
A novidade veio de Portas. Segundo o vice-primeiro-ministro, cerca de 85 mil pessoas, nos últimos dois anos, deixaram de ter direito ao Rendimento Social de Inserção porque todas elas tinham mais de 100 mil euros na conta bancária. Das duas uma: ou, afinal, havia para aí muito dinheiro sem que ninguém soubesse, ou Paulo Portas mente despudoradamente, miseravelmente, irrevogavelmente, mesmo. É aguardar. 

sábado, 29 de março de 2014

Pensões: verdades, mentiras e verbos de encher

Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no  jornal "i".

Há actividades onde sobra dinheiro para pagar à Segurança Social
Como é evidente, o secretário de Estado Leite Martins não mentiu. Limitou-se a uma jogada de informação subterrânea, atirou o barro à parede e deu umas dicas para preparar o povão para um sistema de cortes permanentes das pensões ligado à demografia. Os desmentidos foram pró- -formas, como comprova o facto de a criatura se manter em funções.

Partindo deste caso, observa- -se, por exemplo, a diferença em relação a outros países, como a falida Espanha, onde há dias os pensionistas receberam uma carta a anunciar- -lhes um pequeno aumento e a garantir-lhes que as pensões, tal como estão, são intocáveis. O mesmo sucede na Alemanha, onde uma reforma tem um valor sagrado, igual ao da propriedade.

Por cá, procura-se furiosamente tornar os cortes definitivos, como todos adivinhávamos apesar das juras em contrário. O processo é decidido no Ministério das Finanças, sendo o da Segurança Social remetido a um papel decorativo, enquanto os membros do grupo de trabalho inventado para estudar a reforma das pensões são transformados em verbos de encher que estranhamente não se demitem. A situação é tão surrealista que não há nota de que o grupo se reúna, quanto mais de que tenha sugerido soluções. Uma vergonha a acrescentar à ópera bufa proporcionada pelo secretário de Estado.

As questões relacionadas com as reformas não podem continuar a ser tratadas de forma precipitada e agarotada, como se tem visto através de medidas tomadas à la minuta, caindo os sacrifícios sempre em cima dos mesmos, nomeadamente dos pensionistas, como reconheceu ontem Cavaco Silva.
Em primeiro lugar, o sistema que existe é viável e cobre as pensões de quem efectivamente descontou. O que não cobre é o pagamento anos a fio a quem nunca teve uma vida contributiva regular, pelo que esse pagamento não deve ir da Segurança Social mas do Orçamento do Estado. Em segundo lugar, os pensionistas e reformados são um importante grupo de consumidores, quer ganhem muito quer pouco.

Isto porque contam com uma determinada quantia mensal e gerem-na em função dessa expectativa, só poupando se realmente sobrar qualquer coisa, o que é uma raridade. Daí que precisem de uma protecção suplementar, desde logo por uma questão de respeito pelos mais velhos, como mandam as sociedades civilizadas, e depois porque a estabilidade do rendimento é indispensável para eles e para o mercado de consumo. Atirar ainda mais incertezas para cima dos reformados parece um esquema de sadismo social, perturba a economia e afecta um grupo que funciona como esteio da sociedade, quando ajuda filhos e netos em dificuldades.

O que se deve estudar hoje não é a forma de cortar mais ou para sempre, mas como ir buscar receita para a Segurança Social onde haja dinheiro. O sistema foi construído, primeiro, com base num esquema de aforro, e depois, em data incerta, passou a dizer-se que os trabalhadores de hoje pagam as actuais reformas, ajustando-se as regras quase anualmente. Ora numa altura em que praticamente nada é feito com mão- -de-obra intensiva e em que há muito desemprego, verifica-se um desequilíbrio contributivo que não advém só da demografia. As soluções passam por uma reforma global e europeia que encontre recursos nos negócios financeiros especulativos que geram dinheiro sobre dinheiro sem repartirem socialmente os lucros. Mas essa é uma solução da qual ninguém fala e não custa perceber porquê.

Sem perdão

Texto de Manuel Nuno Saraiva hoje publicado no Diário de Noticias

Esta semana, como noutras destes mais de mil dias de governação, o Governo saiu ao caminho dos mais velhos e meteu-lhes medo. Quinta-feira as manchetes, que citavam "fonte oficial", gritavam que a ministra das Finanças já tinha cortes definitivos para as pensões, que até aqui eram provisórios.

Ao final da manhã, a minha avó Luísa, reformada de 95 anos e de quem já aqui falei, ligou-me aflita depois de dividir o pânico com as amigas do centro de dia. "Filho, que mais é que estes bandidos me querem tirar?", perguntou-me com a voz trémula de quem não consegue parar de fazer novas contas à vida. É a água e a luz, o gás e a comida, os remédios e a ração para os pássaros companheiros das tardes de fim de semana, a renda da casa e mais as outras despesas imprevistas próprias de quem chega a esta idade. Desde então, foram duas noites, como muitas outras destes mais de mil dias de governação, sem pregar olho.

Pouco me importa se não há ainda decisão, se foi erro, calhandrice ou incompetência. Não me interessa se é ruído ou especulação. Não quero saber se Passos Coelho sabia ou se Poiares Maduro foi ignorado. Sei que isto, como tantas outras coisas nestes mais de mil dias de governação, não se faz.
A verdade é que, em matéria de choque e pavor, o Governo tem o cadastro cheio. Fez soar o alarme com a chamada TSU dos idosos. Causou o pânico com a pretensão de cortar a eito, em função da idade, as pensões dos funcionários públicos, pretendendo que os nonagenários sofressem um esbulho de 10% na reforma. Lançou o terror com o primeiro anúncio de corte nas pensões de viuvez. E tudo com a mesma tática ou estratégia: deixar escapar à bruta uma má notícia para testar reações a ver se pega. E depois, mais adiante, vir compungido anunciar que nunca foi bem assim, que houve manipulação da informação, que o Governo é socialmente sensível e que, por isso, protege os mais frágeis de entre os mais fracos.

Isto não é jogo limpo. Isto é terrorismo social.

Por mais proclamações inflamadas que façam, Pedro e Paulo escrevem epístolas cada vez mais vazias de social-democracia ou de democracia cristã. A matriz doutrinária destas duas correntes é humanista e socialmente preocupada. E determina que com a vida das pessoas não se brinca, muito menos tratando-se de idosos.

Aos mais velhos devemos respeito porque sim. Solidariedade porque sim. Apoio porque sim. Assistência porque sim. Não por caridade, apenas porque sim. E essa dívida, em parte ou no todo, não pode ser reestruturada nem perdoada.

O que o lamentável episódio desta semana revela é que o programa de empobrecimento ainda não está concluído, por mais que o Presidente da República reabilite a tese - foi o que ontem fez quando apelou a que "se for necessário reduzir o rendimento disponível de alguém no futuro, tem que ser àqueles que têm elevados rendimentos e que, até este momento, não foram seriamente prejudicados no seu bem-estar" - de que há limites para os sacrifícios que se podem pedir ao comum dos cidadãos.
E o que também ficou demonstrado é que existe, de facto, uma nova agenda de cortes que a maioria queria escondida. Mas apenas até às próximas eleições europeias.

Não sei, até porque não acredito nessas coisas, se o Governo vai parar ao inferno. Tenho no entanto a certeza que o purgatório a que os velhos estão a ser sujeitos, porque desumano e desleal, não tem perdão.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Promessas cumpridas

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias

O descrédito social da política contemporânea passa, e muito, pela noção cada vez mais disseminada de que só as promessas de regressão são sérias e de que todas as promessas de transformação que acrescentam dignidade e direitos às nossas vidas são demagogia irresponsável. Quando rigor só pode rimar com sofrimento e melhoria de condições passou a ser uma questão de fé e não uma possibilidade efetiva, a política só pode ser repudiada.

O Governo prometeu empenhar-se em fazer o País "sair desta situação, empobrecendo". Cumpriu uma parte: a do empobrecimento. Os dados esta semana publicados pelo INE relativos a 2012 mos- tram, de facto, como o Governo honrou a promessa de empobrecer a grande maioria dos portugueses. Há neste relatório duas informações essenciais sobre o que é o País depois do choque de empobrecimento prometido e cumprido.

A primeira é a de que a austeridade agravou e espalhou a pobreza. Um milhão e cem mil pessoas - mais 200 mil do que em 2010 - vivem em condição de pobreza severa (ou seja, não conseguem satisfazer as suas necessidades mais elementares). Um em cada quatro portugueses é pobre - uma subida de 25% em apenas quatro anos. A taxa de risco de pobreza - correspondente a 60% do rendimento mediano, o qual desceu significativamente descendo por isso a fasquia de contagem da pobreza - subiu mesmo assim, dramaticamente, de 17,9% em 2009 para 24,7% em 2012. Sabemos bem que por trás destes números estão vidas concretas de indizível sofrimento e indignidade: ter de escolher entre os medicamentos que se tomam e os que não se podem comprar, não ter dinheiro para manter a casa minimamente aquecida, não ter meios para comprar uma peça de roupa, não ter dinheiro para que um filho possa estudar, etc., etc. Quarenta anos depois do 25 de Abril, este país que o INE faz ver ao espelho volta a ver as mesmíssimas imagens que a democracia primeiro e a Europa depois fizeram crer que estariam banidas para sempre.

Mas os números do INE revelam-nos uma segunda imagem do País sob as políticas de austeridade. A diferença entre o rendimento dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres passou de 9,2 vezes em 2009 para 10,7 vezes em 2012. Os números são como o algodão: não mentem. E neles vai clara a demonstração de que houve uma parte do País a quem a promessa governamental de empobrecimento não se aplicou de todo. Há notoriamente mais pobres em Portugal, há uma mancha social muito mais ampla afundada na pobreza quotidiana e na falta de horizontes de saída dela. Mas o alastramento e o agravamento da pobreza da grande maioria reverteram a favor de uns poucos muito ricos, sempre incólumes aos sacrifícios.

Da grande promessa programática de 2011 - empobrecer o País para o "tirar desta situação" -, o Governo cumpriu a parte mais fácil: empobrecer os pobres e trazer para a pobreza os remediados. Aos ricos ajudou a que ficassem mais ricos. E, mais grave que tudo, sem que no fim se tire o País da situação que justificou isto tudo -, a dívida agigantou--se e a capacidade de a pagar diminui na mesma proporção. A resposta do Governo a este diagnóstico do INE será a confirmação, já anunciada, da natureza permanente dos cortes nas pensões e reformas. Ou seja, à vulnerabilidade da pobreza o Governo responde com a eternização dessa vulnerabilidade nos segmentos sociais mais frágeis.
É séria uma coisa assim? É realista? É razoável? Ou realista, razoável e sério é antes ouvir o clamor dos pobres e centrar toda a política na criação de um horizonte de mudança que assuma o quotidiano destas tantas centenas de milhares de pessoas como a única prioridade?

domingo, 9 de março de 2014

O bafo do Minotauro

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

No prefácio ao Roteiros VIII, ontem divulgado pelo Expresso, o Presidente da República não podia ser mais claro: depois de todos os cortes, de todas as subidas de impostos, de todo o desemprego criado, de toda a emigração forçada, de todas as falências, as nossas contas públicas continuam desequilibradas.

A boa notícia é que há uma fórmula que as equilibrará; a má, é que essa fórmula é impossível. Para que não restem dúvidas: toda a devastação criada serviu para rigorosamente nada.
Bem sabemos que o humor não é o forte de Cavaco Silva, mas até ele não terá deixado de sorrir ao escrever que "pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4%, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60% para o rácio da dívida, seria necessário que o orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3%. Em 2014, prevê-se que será de 0,3% do PIB". Ou seja, e como recordava Pedro Santos Guerreiro no Expresso, teríamos de "ter em cada um dos próximos vinte anos o que não tivemos num único dos últimos quarenta".

Nós, portugueses, sabemos que há milagres. Pode acontecer que através dum grande consenso entre os partidos do arco da governação as coisas possam melhorar. E quais serão as bases do consenso?
Pois claro, a reafirmação das políticas que foram seguidas neste últimos três anos. O primeiro consenso, aliás, pode começar por ser o anunciado pelo primeiro-ministro, esta semana, no Parlamento: os cortes e as descidas de salários passam a definitivos. O segundo consenso será o pré-anúncio de mais cortes nas pensões e descidas salariais provisórios (talvez já em Abril), que daqui a um ano passam a definitivos. O terceiro, pode ser o de termos impostos ainda mais altos. O quarto, limitar ainda mais o acesso a prestações sociais. O quinto, acabar com a saúde e a educação públicas. Com esta consensualização toda, o crescimento económico virá a toda a brida. Tira-se o que resta de dinheiro à economia, com os fantásticos resultados conhecidos, e tratamos de exportar tudo e mais alguma coisa. Talvez mesmo as pessoas que ainda cá estão. Vão gozar com o outro. Um consenso para deitar fogo é bom? Como é que se pode obter um consenso com um primeiro-ministro que diz que as outras partes têm de aceitar a realidade como ela é? Sabendo que é ele que define o que é ou não real. E que por acaso é, quase sempre, uma gigantesca fantasia que diz que todas as nossas desgraças têm causas nacionais. Ou com um líder da oposição que tem posições que desdizem em absoluto o tratado orçamental que assinou? Pois claro, programa cautelar, saída à irlandesa. Seguro contra todos os riscos, contra terceiros (os malfadados mercados e as suas pulsões especulativas). Muito importante podermos arranjar dinheiro a bom preço e sem sobressaltos. Mas será que ainda há alguém que consiga dizer sem rir às gargalhadas que a nossa dívida é pagável, nas condições existentes, e que é possível crescer economicamente com os encargos que ela nos impõe? O mercado vai-nos emprestar dinheiro a taxas simpáticas - Cavaco, no dito prefácio, diz-nos indiretamente que terá de ser abaixo, muito abaixo de 4%. E o resto, e o que está para trás? Sim senhor, ficaremos a coberto dum segundo resgate. Não morreremos de ataque de coração fulminante, ficaremos ligados à máquina até que a eletricidade acabe.

Andamos para aqui com jogos florais, com amuos no Parlamento, com fitas nas escadarias da Assembleia, com patéticos relógios, com programas eleitorais decorados com cães pintalgados, a fingir que discutimos o futuro da comunidade, e não saímos do labirinto.

O Minotauro cada vez mais próximo e nós a sermos convencidos de que a sensação que temos no pescoço não é o bafo do monstro, mas sim uma brisa de bonança. Cavaco Silva tem razão: correu mal.

Cavaco Silva volta a ter razão: é preciso consenso. Mas não se pode dizer, como de facto se diz, que correu mal e se quer consenso para continuar a implementar a mesma política. Além de que essa política impõe que os erros até agora cometidos se aprofundem mais e mais e se repitam indefinidamente até que não haja país para os praticar.

É inexplicável a sensação de todos sabermos que estamos a caminhar para o precipício, e continuamos, como se o suicídio fosse a única alternativa. Mas pior é dizerem- -nos que temos de ir todos de mãos dadas como se isso fosse o nosso destino. Não é. Não pode ser.

sábado, 1 de março de 2014

Alguém está muito melhor

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"

O processo da chamada saída da troika - ilusória, uma vez que continuaremos entroicados nas garras do poder financeiro e das políticas de uma União Europeia (UE) dicotómica e antissolidária - ao coincidir com as eleições para o Parlamento Europeu, tornou-se uma armadilha para o futuro coletivo. 

O Governo desenvolve com todo o à-vontade a campanha mentirosa do "êxito", beneficiando da cobertura política do presidente da República, da frágil intervenção de outros órgãos de poder e instituições que vêm claudicando perante a "inevitabilidade da austeridade" e da reduzida análise crítica nos grandes media. Como é sabido, não se pode confundir indicadores gerais (por agora pontuais) de crescimento económico com a melhoria das condições de trabalho e de vida das pessoas. Como veremos à frente, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na situação em que o país se encontra não significa mais rendimento disponível para as pessoas e para o conjunto da economia, e a injustiça na distribuição da riqueza tem-se agravado.

Parte significativa dos portugueses está tão manietada nas suas vidas, incapacitada na resposta aos problemas do dia a dia, que anda a fugir da vida, sendo tentada a acolher uma ilusão ou a dar crédito a um milagre como formas de abrir perspetivas de futuro.

O Partido Socialista, que no quadro político-partidário existente é, no senso comum, a força política que mais se afigura como alternativa, está hoje rendido ao domínio do poder económico e financeiro e a dimensões "necessárias" da austeridade, mesmo que uma parte dos seus quadros e bases sinta que essa cedência é desastrosa.

Neste cenário, o Governo e as forças políticas e sociais que o apoiam têm o caminho aberto para ampliar a venda de ilusões e empurrar os problemas com a barriga. Entretanto as faturas a pagar no futuro vão aumentando!

Num exercício de criatividade manipuladora, Luís Montenegro disse, no contexto do recente congresso do PSD, que "A vida das pessoas não está melhor, mas não tenho dúvidas de que a vida do país está muito melhor". Esta afirmação, tomada à letra, coloca uma irracional dicotomia entre condições das pessoas e condições do país. Mas merece ser analisada em duas vertentes.

Primeira, de facto há quem vá ficando com uma vida bem melhor ao lado do aumento generalizado do sofrimento do povo: os grandes capitalistas transformaram riqueza virtual em riqueza efetiva; acionistas da banca, e não só, ganharam com os roubos e a especulação que gerou a crise e continuam a ganhar com a sua gestão; os empresários poderosos deixaram de ter qualquer risco uma vez que o Estado (o Governo) tem agora por missão assegurar-lhes sempre lucros (veja-se os negócios das PPP), à custa dos impostos e sacrifícios dos cidadãos; apenas no espaço de um ano o número de multimilionários e as suas fortunas cresceram 11%; os sistemas de saúde, de ensino, de proteção social e os recursos do país estão agora mais disponíveis para serem explorados pelos capitalistas nacionais e estrangeiros em seu favor. Certamente são estes interesses que os Montenegro consideram como país.

Segunda, se tomarmos o PIB como uma medida do estado do país, o país pode parecer melhor quando o PIB cresce um pouco, como terá crescido nos dois últimos trimestres, mas a situação dos portugueses continuar a piorar. Isso acontece porque são transferidos para o exterior recursos sob a forma de juros e outros rendimentos de capital. É esta a perspetiva de futuro próximo anunciada pelo Governo e pela troika. Mesmo que "o país melhore" - o PIB deixe de cair - os portugueses vão continuar pior. É a consequência de uma dívida insustentável, que devia ser reestruturada, mas que jamais será com este Governo ao serviço dos credores.

A austeridade mata mas, dentro do quadro atualmente vigente no país e na UE, a morte lenta aparece como inevitável. Como a morte certa não é algo que alguém na posse do seu perfeito juízo possa desejar, é preciso alterar o quadro político existente no país e na UE. Isso exige muita luta, muita vontade, muita persistência. São precisas ruturas que pressupõem escolhas difíceis dos portugueses. Enquanto não o fizermos, alguns ficarão sempre melhor e o povo cada vez pior.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Castigar e humilhar

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"

A coligação neoliberal Governo-capital funciona em pleno e vai executando as decisões para otimizar e legitimar os interesses dos grandes detentores da riqueza e do poder. E multiplica as medidas que visam castigar, humilhar, tornar mais pobres e frágeis os trabalhadores. 

Os nossos governantes, desde logo o primeiro-ministro, apresentam-se como mercenários políticos do poder financeiro e económico nacional e internacional, e combinam esse radicalismo de ação com uma espécie de narcisismo cognitivo que a cartilha neoliberal tornou dominante e está a paralisar as necessárias respostas da sociedade.

Esta semana prosseguiu a campanha do êxito da ida aos mercados, quando os juros que nos impuseram, acima dos 5%, são impeditivos do desenvolvimento do país. Pagando estes juros, não teremos direito à saúde, ao ensino, à proteção social, a uma vida digna. Continuou a propaganda do êxito no combate ao desemprego e na criação do emprego, apesar de estarem provados três dados preocupantes: a emigração explica 2/3 da queda da taxa de desemprego; o emprego criado foi nas IPSS e no setor público, com características estranhas; o emprego "muito qualificado" que agora vai surgindo é pago a valores líquidos entre os 600 e os 900 euros.

O Governo repete, até à exaustão, o discurso da autonomia para a Escola, mas executa as políticas mais centralizadoras de sempre para estrangular a escola pública, desvalorizar e humilhar os professores.

As alterações à legislação laboral relativas ao "despedimento por extinção do posto de trabalho", medida combinada com a troika, só têm um objetivo: os patrões poderem despedir como quiserem. O Governo e os palradores que sustentam as suas políticas colocaram o enfoque na questão da "avaliação de desempenho". Já assistimos, num canal de televisão, a uma reportagem/ inquérito junto dos populares, recolhendo opiniões sobre essa questão. Trata-se de uma manipulação monumental. Mais de 90% das empresas portuguesas não têm qualquer sistema estruturado para a avaliação de desempenho, mas o comum dos cidadãos não sabe isso. Por outro lado, qualquer sistema de avaliação sério é negociado com os trabalhadores e os seus representantes, nunca pode ser um conjunto de regras determinadas unilateralmente pelo patrão.

O Governo está recheado de secretários de Estado e ministros, entre os quais Passos Coelho, Nuno Crato e Mota Soares, que se especializaram na venda da banha da cobra e no "jogo da vermelhinha". Com o seu determinismo cego, repetem aldrabice política incessantemente, explorando a ausência de uma análise crítica efetiva nos grandes meios de Comunicação Social. Assim vão criando um cilindro compressor de onde é cada vez mais difícil os portugueses se libertarem.

Quando mais de 100 autarquias já negociaram com os sindicatos condições para a aplicação das 35 horas de trabalho semanal, o Governo tenta, por todos os meios, impedir a aplicação desses compromissos livremente negociados, só para castigar estes trabalhadores e utilizar esse castigo como exemplo para todo o mundo do trabalho.

Vários presidentes de câmaras municipais, como o de Lisboa, já vieram publicamente dizer que a imposição das 40 horas não aumenta a produtividade, nem resolve os problemas financeiros e que as câmaras, porque dispõem de autonomia, têm direito a negociar com os trabalhadores.

O Governo faz letra morta do direito à contratação coletiva no setor público, consciente de estar a contribuir para a destruição geral desse direito. A contratação coletiva está absolutamente paralisada e para ser retomada é imprescindível: i) atualizar o salário mínimo nacional; ii) parar com as sucessivas alterações da legislação laboral e das condições de prestação de trabalho, através de decretos-lei sempre com sentido regressivo; iii) respeitar e valorizar os trabalhadores da Administração Pública, com um quadro de direitos/ deveres equilibrado, onde o seu salário e outros direitos estruturantes não sejam postos em causa.

A contratação coletiva foi no século XX, é hoje e será no futuro, como perspetiva a OIT, o melhor instrumento de políticas para dar dignidade ao trabalho e melhorar a distribuição da riqueza. Sem ela generalizam-se as humilhações.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

As rifas do fisco e a governação rasca

Texto de José Vitor Malheiros hoje publicado no "Publico".

Os grandes evasores fiscais são as grandes empresas e não os pequenos comerciantes.

A rifa do fisco que acaba de ser anunciada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, onde são sorteados carros topo de gama entre os consumidores que incluam os seus números de identificação fiscal (NIF) nos recibos das suas compras, é mais um exemplo perfeito da forma como funciona o Governo PSD/CDS: qualquer truque é aceitável desde que proteja os mais ricos, permita um golpe de propaganda populista e distraia as pessoas dos seus verdadeiros problemas, acenando-lhes com benefícios futuros que nunca vão conquistar. 

É evidente que o preenchimento de milhões de recibos com o número de identificação fiscal no momento do pagamento constitui uma perda de tempo considerável para comerciantes e clientes. A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) protestou aliás contra a medida, tendo estimado que ela represente em 2014 uma perda de 130 milhões de horas de trabalho para os seus associados. Mas o Governo não se incomodou com essa circunstância porque os inconvenientes e as perdas resultantes da medida recaem sobre a sociedade e as vantagens do golpe propagandístico serão colhidas pelos partidos no Governo.

Quais são as vantagens? Uma falsa aparência de combate à evasão fiscal e uma imagem moralizadora. Porquê falsa? Porque os grandes evasores fiscais são as grandes empresas e não os pequenos comerciantes, como toda a gente sabe, como os especialistas não se cansam de alertar e como as organizações internacionais que combatem a corrupção e a evasão fiscal denunciam. E porque os grandes responsáveis pela evasão fiscal são precisamente os governos. De que forma? Através dos tratamentos de excepção que concedem às grandes empresas e aos grupos financeiros em particular, com o argumento de que é necessário ser “fiscalmente competitivo” para atrair investimentos e para que as empresas possam “criar empregos”. Com a autorização de paraísos fiscais como o offshore da Madeira e todos os outros que existem na União Europeia e fora dela e fechando os olhos às falsas “deslocações” de empresas para a Holanda e para outras plataformas de lavagem de dinheiro.

Mas é mais útil criar a ideia de que os comerciantes são os responsáveis pela fuga ao fisco, que é principalmente através do IVA que isso acontece, que os consumidores devem agir como fiscais das finanças e que o Governo é um campeão da luta contra a evasão fiscal.

A medida é moralmente retorcida por outras razões. Seria lógico e louvável que o Estado (que é uma coisa diferente do Governo, ainda que este, ilegitimamente, se apodere do património do Estado como se fosse seu) lançasse uma campanha promovendo a moralidade do pagamento de impostos, que são a base do financiamento dos serviços públicos, e incentivasse os cidadãos a cumprir as suas obrigações fiscais. Mas é impossível fazer isso quando o Governo usa o Estado para roubar os cidadãos e os submete a uma carga fiscal imoral para arrebanhar dinheiro para pagar aos bancos uma dívida insustentável que deveria ter renegociado. De facto, o Governo não pode usar um discurso moral sem que o país inteiro se escangalhe a rir na sua cara e, por isso, a única forma que encontrou para dizer aos cidadãos que devem pagar impostos foi dizer-lhes que com isso podem ganhar um carro. É a mais venal das razões, mas essa é a única moralidade que os membros do Governo conhecem.

Há ainda outra razão imoral escondida: o bando que ocupa o Governo tem uma dificuldade de raiz ideológica em construir um discurso em torno de conceitos como comunidade, bem comum, serviços públicos ou património público e, por isso, prefere incentivar o pagamento dos impostos através da possibilidade de um benefício pessoal. Benefício pessoal é algo que eles percebem.

E porquê o carro “topo de gama”? Porque não simplesmente um carro ou dez carros? Porquê este conceito antiecológico que até fez a Quercus dar prova de vida e vir a terreiro contestar (e propor um carro eléctrico)? Porquê? Porque estamos a lidar com o PSD e o CDS, meus senhores, e não se pode pedir a uma rã que cante Schubert.

Isto do Governo tem-se vindo a degradar nos últimos anos e hoje temos no Governo a maltosa dos carros “topo de gama”, o novo-riquismo em todo o seu esplendor, o novo-raquitismo mental, analfabetos com botões de punho a condizer, monogramados. Para um jota não há maior glória que parecer um catálogo “topo de gama” e aparecer em revistas. Para um jota isso é a felicidade. Porquê a rifa do carro “topo de gama”? Porque os jotas pensam que qualquer um pode ser comprado com um carro “topo de gama” porque qualquer um deles se venderia exactamente pelo mesmo preço. O carrito “topo de gama” é o alfa e o ómega da carreira de um jota que se preze, é o simbolo de quem triunfou na vida, de quem é “alguém”, caraças! Pai, já sou ministro! Pai, tenho um carro “topo de gama”! Como os relógios e as marcas das camisas e os óculos “topo de gama” e tudo “topo de gama”. Chegámos ao cume da governação rasca. Saiu-nos na rifa mesmo sem dar o NIF. É preciso ter azar.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A nebulosa e os seus facilitadores

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias

Robert Cox, académico canadiano da área de Relações Internacionais, sugere que a governação global efetivamente existente tem como protagonista uma rede de contornos difusos, envolvendo empresas, governos, fazedores de opinião e operadores institucionais dos mercados mais influentes em cada momento. Cox chama sugestivamente a essa entidade "a nebulosa", pondo assim em destaque a falta de nitidez da sua institucionalidade e dos seus canais de expressão. 

A nebulosa produz pensamento, define padrões de política e recruta os melhores quadros para as pôr em prática. Em bom rigor, os governos nacionais são apenas os intérpretes de fim de linha deste modo de governar o mundo. Com uma influência muito mais forte na fabricação de decisões alinhadas por padrões de alcance internacional está esse grupo estranho que dá pelo nome de "facilitadores". Os facilitadores são os intermediários entre a nebulosa e as instâncias locais de decisão. São tipos cinzentos, que se movem discreta e habilmente nos círculos do poder, fazendo um vaivém permanente entre o mundo dos negócios e o mundo da política, que vêm à boca de cena debitar normas de boa governação carregadas de princípios de ética pública ao mesmo tempo que, na sombra dos seus escritórios, preparam diplomas legislativos destinados a favorecer interesse particulares que lhes pagam principescamente para o efeito. Os facilitadores facilitam, claro. Mas facilitam sempre o mesmo e para os mesmos. 

A porosidade entre os negócios e a política tem uma escala nacional conhecida, que nem a institucionalização do lobbying nem a fixação de um período de nojo mínimo conseguirá prevenir. As regras formais valem pouco diante de uma realidade informal feita de cumplicidades fundas traduzidas na defesa de interesses privados através de cargos públicos. Os que passam subitamente do governo onde tiveram a tutela de uma área para um operador privado dessa área são apenas o rosto mais obsceno de uma realidade tentacular muito mais complexa. Na verdade, ao exporem-se de modo tão aberto, esses facilitadores complicam a vida aos seus mentores mais do que facilitam.

Na promiscuidade entre a política e os negócios como no futebol, o campeonato português é subalterno. Há uma champions league com o estrelato político e empresarial - e salarial, já agora...- onde pontuam figuras como Mário Draghi - que ziguezagueou entre o Banco de Itália, o Goldman Sachs e o Banco Central Europeu - Peter Sutherland, com um percurso entre o Royal Bank of Scotland, a Comissão Europeia e o Goldman Sachs - ou Robert Zoellick, que transitou de funções de direção do Goldman Sachs para o Banco Mundial, regressando depois ao Goldman Sachs.

Pelos exemplos dados, salta à vista que o banco Goldman Sachs é um clube dessa champions league que é a nebulosa da governação global. Esse "nicho de um poder mundial não eleito" - como certeiramente o designou Viriato Soromenho Marques - faz da governação global a sua especialização de mercado. Uma governação global feita de bolhas especulativas, de cumplicidade com o falseamento de contas públicas, de promiscuidade entre governos e negócios, de manipulação dos mercados cuja liberdade e transparência apregoa. Foi para esse clube que José Luís Arnaut, deputado do PSD, advogado de várias empresas privatizadas por governos que apoiou politicamente, ex-ministro, foi agora recrutado. No futebol, como na facilitação de um relacionamento "agradável e útil" entre o mundo dos negócios e a política, os clubes da champions estão atentos aos campeonatos distritais. E recrutam quem neles sobressai.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Falácias e mentiras sobre pensões

Este é um texto que vale a pena ser lido dado ter sido escrito por alguém que sabe do que fala e assim desmontar uma das maiores patranhas que Passos Coelhos e a corja de idiotas que o acompanham tentam "vender" ao povo português.

Texto de António Bagão Felix, Economista e ex-ministro das Finanças, hoje publicado no "Publico".

A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida.

Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões alimenta. Eis (apenas) algumas:

1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”. O número está, desde logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às pensões, quem assim faz as contas esquece-se que ao seu valor bruto há que descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas. Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de pensões pagas (CGA + SS) há que abater a parte que financia a sua componente contributiva (cerca de 2/3 da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa 8,1% da despesa das Administrações Públicas.

2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando transforma as SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo futuro. Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E tantos outros casos…

3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando entravam mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.

4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é insustentável”. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito menos do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que tantos “sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões públicas e nada dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação também pelas mesmas razões económicas e demográficas? Ou das rodovias? Ou do sistema de justiça? Ou das Forças Armadas? Etc. Será que só para as pensões o pagador dos défices tem que ser o seu pseudo “causador”, quase numa generalização do princípio do poluidor/pagador?

5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas quais a CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).

6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por 90% das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50% de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo.

7. A CES, além de um imposto duplo sobre o rendimento, trata de igual modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não diferencia careiras longas e nem sequer distingue idades (diminuindo o agravamento para os mais velhos) como até o fazia a convergência (chumbada) das pensões da CGA.

8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e os créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as arbitrariedades?

9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”. Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima redução da dedução específica?

10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e dissimulada do famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU das empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo efeito por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já um passo significativo.

11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a “calibrada” CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€. Descontado o montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através da CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€ brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000 pessoas - que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo juntando mais alguns milhões de receitas por via do agravamento dos escalões para as pensões mais elevadas, dificilmente se ultrapassam os 80 M€. Faltam 148 M, quase 0,1% do PIB (dos 0,25% que o Governo entendeu não renegociar com a troika, lembram-se?). Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?

12. A apelidada “TSU dos pensionistas” prevista na carta que o PM enviou a Barroso, Draghi e Lagarde em 3/5/13 e que tinha o nome de “contribuição de sustentabilidade do sistema de pensões” valia 436 M€. Ora a CES terá rendido no ano que acabou cerca de 530 M€. Se acrescentarmos o que ora foi anunciado, chegaremos, em 2014, a mais de 600 M€ de CES. Afinal não nos estamos a aproximar da “TSU dos pensionistas”, mas a … afastarmo-nos. Já vai em mais 40%!

13. A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?

P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O plano B é o do costume

Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".

Já se sabe que a política nacional está tomada pela novilingua. É-se "requalificado" em vez de se ser despedido, há "ajustamentos" em vez de cortes e o "irrevogável" é apenas um argumento para a negociação de lugares. Não é de hoje nem é de cá. Nestes tempos em que os "colaboradores" são "dispensados" em "reestruturações", a forma mais eficaz de mudar a realidade é, como sempre foi, renomeá-la. Mas ninguém levou as coisas ao ponto experimentado por este governo. 

Como "plano A" para uma convergência de sistemas de pensões, que não era na realidade uma "convergência", foi unanimemente chumbado pelo Tribunal Constitucional, Luís Marques Guedes veio, com a serenidade doce de quem faz um mero "ajustamento", anunciar que, para não aumentar os impostos, o Contribuição Extraordinária de Solidariedade (outro eufemismo) será recalibrada. Era esse o "plano B".

Tudo errado. A "contribuição" não é uma taxa (que teria de corresponder a um serviço do Estado), é um imposto. E assim sendo, o seu aumento não é uma alternativa ao aumento de impostos, é um aumento de impostos dirigido exclusivamente aos reformados. Não é extraordinário, porque há muito deixou de ser transitório e porque a sua transitoriedade baseia-se em várias pressupostos não documentados e até algumas mentiras e desonestidades em relação à sustentabilidade dos sistemas de reformas. Sobretudo, o CES nada tem, nunca teve, a ver com a sustentabilidade do sistema de pensões. Tem apenas e só a ver com o confisco de rendimentos para cumprir metas acordadas com a troika que são e continuarão a ser inalcançáveis sem a destruição da economia. Não é, pela sua abrangência e pela população atingida, de "solidariedade". E não será "recalibrado" (um eufemismo pateta). Será aplicado a reformados com menos rendimentos do que até aqui, será aumentado ou as duas coisas. Resumindo: o governo vai aumentar um imposto específico sobre os reformados para cumprir a meta do défice. Ponto final, parágrafo. 

Resolve-se com isto a inconstitucionalidade apontada pelo Tribunal? Não sei. Sei que cria um novo problema constitucional. Não preciso de grande esforço para explicar porquê. Socorro-me do acórdão do Tribunal Constitucional de abril do ano passado, quando aceitou a constitucionalidade do CES: "A norma suscitada não se afigura ser desproporcionada ou excessiva, tendo em consideração o seu caráter excecional e transitório e o patente esforço em graduar a medida do sacrifício que é exigido aos particulares em função do nível de rendimentos auferidos, mediante a aplicação de taxas progressivas, e com a exclusão daquelas cuja pensão é de valor inferior a 1.350 euros, relativamente aos quais a medida poderia implicar uma maior onerosidade".

Baixando o rendimento a partir do qual este imposto é aplicado, fica em causa o pressuposto que levou à aprovação do TC. Implicando uma "maior onerosidade", podendo a medida passar a ser considerada "desproporcionada ou excessiva". A sua excecionalidade e transitoriedade é contrariada pelo alargamento sucessivo da sua base de incidência e pela sua utilização como expediente para substituir medidas inconstitucionais. O plano B não passa, portanto, do regresso ao plano do costume: mais impostos sobre o trabalho e as reformas, enquanto se reduz o imposto sobre o lucro das maiores empresas. Sempre o mesmo plano. Sempre para os mesmos.

A má moeda circula entre São Bento e Belém

Texto de Tomás Vasques hoje publicado no  jornal "i".

O discurso de Ano Novo do senhor Presidente da República roçou o patético porque, ao contrário de todos os seus antecessores, esvazia as funções que a Constituição lhe atribui

É pública e notória a obsessão deste governo, no cumprimento da sua estratégia de empobrecimento dos portugueses e do país, em perseguir particularmente dois grupos de cidadãos: os reformados e os funcionários públicos, como quem noutros tempos perseguia bruxas e hereges. Estes são os principais bodes expiatórios de uma punição religiosamente seguida: diminuir-lhes as reformas e salários, puni--los com impostos extraordinários e outras artimanhas que lhes baixem definitivamente o rendimento familiar ou os lancem para sempre no desemprego e na miséria.

Depois da declaração de inconstitucionalidade da "convergência de pensões" dos sistemas público e privado, tal como foi formulada, o governo apressou-se a apresentar as "medidas alternativas" que repusessem a prevista poupança de 388 milhões de euros. Como não podia deixar de ser, tais medidas vieram recair, outra vez, sobre os reformados, aumentando a incidência do imposto extraordinário sobre as pensões de reforma, agora a partir dos mil euros, e aumentando a contribuição dos funcionários públicos para a ADSE. Estas medidas "alternativas" cheiram a um revanchismo persecutório de que o ainda primeiro-ministro é useiro e vezeiro: só queríamos diminuir as pensões de reformas do sector público, mas como o tribunal Constitucional não permitiu, teremos de reduzir as pensões de todos os reformados, dos sistemas público e privado.

Esta sanha, esta insensibilidade social revela-se tão evidente que, ao mesmo tempo que essas medidas foram anunciadas, pelo ministro Marques Guedes, numa conferência de imprensa recheada de "recalibragens" e outros eufemismos da nova linguagem do poder, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, informava que a regularização de dívidas fiscais e à Segurança Social, que decorreu em Novembro e Dezembro de 2013, tinha permitido ao Estado arrecadar mais de mil e duzentos milhões de euros, quando a previsão era de setecentos milhões de euros. O que significou mais de quinhentos milhões de euros do que o objectivo traçado pelo governo. Só este facto era suficiente, mesmo que as suas consequências se reportem à descida do défice ao ano de 2013, para evitar mais esta punição sobre os reformados e os funcionários públicos. Mas, para este governo, o que está em causa não é o cumprimento dos défices, fixados pela troika, mas sobretudo o empobrecimento da maioria dos portugueses para agradar a credores e mercados, de quem se sente mandatário.

Nestas circunstâncias (de termos um governo que afronta, todos os dias, deliberadamente, a maioria dos portugueses), o discurso de Ano Novo do senhor Presidente da República roçou o patético, não só porque, ao contrário de todos os seus antecessores, esvazia as funções que a Constituição lhe atribui, ao colocar-se completamente ao serviço das desastrosas políticas do governo, mas também porque a sua voz perdeu toda e qualquer autoridade política que o cargo lhe conferia. É doloroso, para quem acredita na democracia, ouvir o "mais alto magistrado da Nação" cair no ridículo de apelar a "consensos", que se resumem a atrelar o Partido Socialista a esta política de terra queimada e ao inevitável "programa cautelar" que se seguirá ao actual resgate. Definitivamente, a "má moeda" circula entre São Bento e Belém, tornando irrelevante o cargo de Presidente da República, o que desequilibra os pratos da balança da arquitectura constitucional que enforma a nossa fragilizada democracia. E vamos caminhar, assim, sem apelo, mas com muitos agravos, pelo menos, até às próximas eleições legislativas.