Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
A tolerância com
o Presidente da República Cavaco Silva já faz parte da história da
democracia portuguesa. Encolhiam-se os ombros quando ele se recusava a
explicar lucros extraordinários numa compra e venda de títulos,
assobiava-se para o lado quando, duma forma arrogante, afirmava a sua
superioridade moral perante o comum dos mortais, engolia-se em seco
quando ele promovia e apoiava patéticas conspirações contra um governo. -
o episódio das escutas levaria num país minimamente civilizado à sua
imediata demissão.
A paciência esgotou-se quando Cavaco Silva
insultou todos os portugueses afirmando que ia ter muitas dificuldades
em não ir às suas poupanças ganhando apenas cerca de 10 000 euros
mensais em pensões.
Apesar de tudo, alguns preferiram não dar
muito relevo a mais esse inconcebível desvario em razão das
circunstâncias do País. Com a crise económica a acentuar-se, a crise
política seria inevitável e, por isso mesmo, era importante preservar a
imagem institucional do Presidente da República. No fundo, era
necessário que o Presidente da República mantivesse a sua capacidade
política para que fosse respeitado e se constituísse num mediador com
peso num momento de extrema importância e fragilidade. Seria, e continua
a ser, necessário construir pontes, gerir sensibilidades, criar
consensos e, no limite, encontrar soluções de governo ou marcar
eleições. Era fundamental que se percepcionasse o Presidente como
equidistante dos partidos e das suas visões programáticas para que as
suas decisões fossem vistas nos momentos decisivos como imparciais.
A
esmagadora maioria dos que tantas vezes votaram em Cavaco desistiram
dele no episódio das pensões. Cavaco desistiu de ser Presidente da
República, na quinta-feira, quando renunciou a representar todos os
portugueses.
Desistiu porque, de facto, desistiu de buscar
consensos e optou pela mais radical das opções. Desistiu porque, numa
altura em que todos lhe pediam que arbitrasse, ele decidiu colocar-se
num dos campos. Desistiu porque se tornou na maior fonte de crispação
política quando hipocritamente apelou ao fim dela.
Cavaco Silva
fez um discurso absolutamente irresponsável. Dividiu o País em dois,
cavou com as suas próprias palavras uma trincheira e preparou-se para o
combate dum dos lados. Que consensos pode agora promover? Que diálogos
pode gerar ? Que confiança pode inspirar?
Não, não vale a pena
lembrar "os portugueses atingiram o limite dos sacrifícios" ou o
"sobressalto cívico" de há dois anos e casar as frases com a presente
"não se deve explorar politicamente a ansiedade e a inquietação dos
nossos concidadãos". É náusea garantida. Também não vale a pena recordar
a "espiral recessiva" de há apenas três meses. A falta de memória
auto-infligida já não é propositada, é apenas desprezo por quem nos
falha em tão decisivo momento. E não, também não é raiva pela
incapacidade do nosso mais importante representante de não perceber o
sentimento popular. O verdadeiro consenso que vai da esquerda à direita,
de grande parte do seu PSD, dos seus próprios apoiantes, de todos os
parceiros sociais. O consenso que rejeita a solução que agora é benzida
por Cavaco Silva. A que, de forma clara e cristalina, ele acha que,
apesar dos problemas, tem um saldo positivo. Um saldo positivo de
miséria, de desemprego, de recessão, de incompetência, dum futuro sem
perspectivas. Curiosamente, Cavaco vocifera contra as políticas de
austeridade europeias e faz o tal balanço positivo das nossas. A
irresponsabilidade é parente próxima da inconsciência.
Mas que
fique rigorosamente claro: ninguém lhe pedia que escolhesse um lado, que
optasse por contestar ou mesmo demitisse o Governo. Bem pelo contrário.
Apenas que actuasse como Presidente da República nas circunstâncias
presentes. Que se pusesse acima dos partidos, que fosse um fazedor dos
consensos, um conciliador de vontades.
Mas Cavaco Silva não
desistiu só de ser verdadeiramente um Presidente da República. Parece
também ter desistido da Democracia. No dia 25 de Abril, na casa da
democracia portuguesa, Cavaco Silva teve a ousadia de dizer que
resultados de eleições nada mudariam, que "de nada valerá integrar o
Governo ou estar na Oposição". Como se a decisão dos cidadãos de nada
valesse, como se as opções dos portugueses devam ser desprezadas se não
forem as consideradas certas por Cavaco ou a troika ou a Europa ou por
quem quer que seja. Como se o povo não fosse soberano e tivesse que ser
guiado por um qualquer iluminado.
A maioria deixou de o ser, o
Governo está em desintegração e desde quinta-feira nem Presidente temos.
E ainda há quem diga que não estamos a viver uma crise política."
domingo, 28 de abril de 2013
Nem maioria, nem Governo, nem Presidente
Buracos sem fim
Texto de Armando Esteves Pereira, Diretor-Adjunto, hoje publicado no Correio da Manhã
sábado, 27 de abril de 2013
As minhas "swaps" não são tóxicas
Texto de Rafael Barbosa hoje publicado no "Jornal de Noticias".
O resultado está à vista. Por obra e graça do espírito santo, que é como quem diz, por obra e graça dos mercados, e portanto da banca, as taxas de juro, em vez de subirem, desceram. E os banqueiros, que se preparavam para perder dinheiro, a bem da nação, começaram a vislumbrar um jackpot de milhares de milhões de euros: três mil milhões até à data. Que os fiadores (ainda se lembra quem são?) serão chamados a pagar, mais cedo do que tarde.
Acresce que, segundo a narrativa da senhora que guarda o nosso Tesouro, há "swaps" bons, que resultam de contratos em que só se pretendia salvaguardar o risco de subida das taxas de juro, e "swaps" maus, que resultam de contratos especulativos em que só se pretendia salvaguardar o risco de subida das taxas de juro. Os gestores públicos competentíssimos que assinaram estes últimos serão devidamente punidos. Os outros não, continuam competentíssimos.
Um dos gestores que mantém a competência é justamente Maria Luís Albuquerque. Hoje secretária de Estado, antes diretora financeira da Refer e subscritora de "swaps". Das boas, bem entendido. Tão boas, que a Refer só está a perder 40 milhões de euros, mais cêntimo, menos cêntimo. Mais ou menos metade do montante que o Governo queria faturar, através de um imposto inconstitucional, aos doentes e desempregados.
Acresce, a título de nota demagógica, que quando a guardiã do nosso Tesouro chegou à Refer, em 2001, o passivo da empresa estava nos 2 mil milhões de euros. E que em 2007, quando saiu, já estava nos 4,8 mil milhões. Ressalve-se que a atual secretária de Estado poderá sempre argumentar que não tinha nada a ver com a gestão financeira da empresa. Apesar de ter sido, precisamente, diretora do departamento de gestão financeira da empresa. A culpa, como sabemos, nunca morre solteira, é sempre de outro gestor competentíssimo qualquer.
Disse-nos ontem com candura a guardiã do Tesouro que o seu lugar, por definição, está sempre à disposição do primeiro-ministro. É pena que não esteja à disposição de quem devia, ou seja, da generalidade dos portugueses, e sobretudo dos portugueses que pagam impostos. Que são também os que vão pagar o desvario das "swaps". As boas e as más."
quarta-feira, 24 de abril de 2013
A casta do poder
"O golpe dos swaps tóxicos realizados por gestores públicos e que nos ameaça com uma fatura de três mil milhões de euros é um duro ataque aos contribuintes, às empresas que prestam um serviço fundamental e aos alicerces deste frágil Estado à beira da falência.
terça-feira, 23 de abril de 2013
Remodelar e pagar favores a um jornalista
domingo, 21 de abril de 2013
Consensos?
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
Em poucas dimensões, a comparação entre gerir empresas privadas e o Estado faz sentido, e mal andam políticos e gestores quando confundem as duas realidades na maioria dos métodos e sobretudo nos objectivos, mas foi impossível não recordar as palavras desse meu antigo chefe enquanto via a conferência de imprensa do Governo na passada quinta-feira.
O actual Governo já nos habituou a cenas não muito ortodoxas, digamos assim, mas depois duma reunião de onze horas convocar os jornalistas para, no fundo, dizer que não havia nada a dizer é, no mínimo, patético. Não nos disseram onde vão ser feitos os cortes, nem em que rubricas, nem como vão ser taxados os subsídios de desemprego e doença e também ninguém percebeu bem o novo possível imposto às PPP. Não fosse o ministro Marques Guedes ter lido as directivas comunitárias e a capacidade do ministro Maduro para repetir a palavra consenso e nada tinha saído daquela risível conferência.
Como se presume que os ministros não estiveram a falar de futebol, uma de duas coisas pode ter acontecido: ou não se entenderam e o primeiro-ministro não foi capaz de lhes impor uma determinada linha, ou ninguém no Governo faz a mais pequena ideia do que fazer. Tendo sido o próprio Passos Coelho a anunciar que depois desse Conselho de Ministros iam ser anunciadas as medidas concretas e que com esse anúncio ia até ser suspenso o despacho que dava todo o poder nos gastos dos ministérios a Gaspar (entretanto o dito despacho continua a vigorar), tudo levava a crer que já estava tudo pensado. Mas, como é habitual neste Governo, nada estava feito, nada estava estudado.
Não, o Governo não sabe o que fazer. O que não surpreende. Andam há meses para explicar como vão fazer o corte de 4000 milhões, que fará agora quando têm de acrescentar mais 1300. No final será como de costume: uma coisa feita em cima do joelho sem reflexão ou critério com um valor no fundo da coluna para agradar a burocrata troikiano.
Bom, pode ser que a um qualquer ministro reste um pingo de bom senso e tenha explicado o óbvio: o corte de 5500 milhões pode ser feito claro está, mas com ele vai o País. Vai a nossa coesão social, as desigualdades atingiriam níveis inimagináveis, o desemprego dispararia , a nossa saúde pública não teria o mínimo de qualidade e a nossa educação pública seria apenas uma caricatura. Mas não, mesmo que isso tivesse acontecido, lá estaria o primeiro-ministro para destratar tal herege.
O facto é que o Governo com o fim da quimera dos 4,5% e com a constatação do criminoso falhanço da receita troikiana não sabe, pura e simplesmente, o que fazer. Tentou ir buscar o passado para se desculpar, mas desculpas não servem para governar um país.
Agora o Governo tem um novo discurso: o consenso. Aliás, o ministro Maduro, na conferência de imprensa, repetiu e voltou a repetir a palavra. Esqueceu-se foi de explicar de que consenso estava a falar. Consenso sobre o quê? Em relação a que políticas? O responsável pela comunicação do Governo passou a mensagem, o coordenador político é que se esqueceu de lhe dar conteúdo.
De que consenso se fala quando grande parte do PSD, do PS, de todos os parceiros sociais sem excepção, da esquerda à direita, dizem que o caminho que o Governo e a troika querem continuar a prosseguir não é o defendido por eles?
O consenso na boca do Governo não passa duma palavra vazia de significado. Pior, o consenso que o Governo quer é em redor de políticas e medidas que já se provaram erradas e que estão a destruir o País. Consensos para o suicídio, não obrigado.
2-O CDS está a ser alvo de bullying político. A falta de respeito é tanta que o primeiro-ministro até no Parlamento trata mal o líder parlamentar do CDS.
Pode João Almeida falar, Diogo Feio gritar, Pires de Lima pedir remodelações, Portas faltar a tomadas de posse, que para o primeiro-ministro é música. Não ouve o CDS nem lhe dá a confiança de lhe dizer o que quer que seja.
Passos Coelho sabe que Portas sabe que está amarrado ao Governo e está a fazê-lo pagar o episódio da TSU, desconsiderações passadas e outras mais recentes. Portas teve a oportunidade de sair do Governo (e ele sabia, e sabe, que o caminho estava errado) e conservar capital político, agora é tarde. Vai ser humilhado até ao fim por Passos Coelho e depois vai sofrer uma hecatombe eleitoral. Há horas infelizes."
sábado, 20 de abril de 2013
As leis fundamentais da estupidez humana
Finalmente alguém apresenta, preto no branco, as LEIS comportamentais que classificam Passos Coelho.
Texto de Anselmo Borges hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Este - "as leis
fundamentais da estupidez humana" - é o título de um livrinho famoso,
publicado há muitos anos, mas sempre actual. Apareceu em inglês, depois
em italiano. Acabo de lê-lo em francês. O seu autor, Carlo M. Cipolla
(1922-2000), historiador da economia, foi professor na Universidade de
Berkeley e na Escola Normal Superior de Pisa.
Para estabelecer as
leis fundamentais da estupidez, é preciso, primeiro, definir quem é o
estúpido. Para isso, ajudará a comparação com outros tipos de gente. Diz
o autor que, quando temos um indivíduo que faz algo que nos causa uma
perda, mas lhe traz um ganho a ele, estamos a lidar com um bandido. Se
alguém realiza uma acção que lhe causa uma perda a ele e um ganho a nós,
temos um imbecil. Quando alguém age de tal maneira que todos os
interessados são beneficiados, estamos em presença de uma pessoa
inteligente. Ora, o nosso quotidiano está cheio de incidentes que nos
fazem "perder dinheiro, e/ou tempo, e/ou energia, e/ou o nosso apetite, a
nossa alegria e a nossa saúde", por causa de uma criatura ridícula que
"nada tem a ganhar e que realmente nada ganha em causar-nos embaraços,
dificuldades e mal". Ninguém percebe por que razão alguém procede assim.
"Na verdade, não há explicação ou, melhor, há só uma explicação: o
indivíduo em questão é estúpido."
Lá está a primeira lei: "Cada um
subestima sempre inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos que
existem no mundo." Já a Bíblia constata: "Stultorum infinitus est
numerus" (o seu número é infinito) - evidentemente, sendo o número das
pessoas finito, trata-se de um exagero.
Os estúpidos estão em
todos os grupos, pois "a probabilidade de tal indivíduo ser estúpido é
independente de todas as outras características desse indivíduo":
segunda lei.
A terceira lei corresponde à própria definição do
estúpido: "É estúpido aquele que desencadeia uma perda para outro
indivíduo ou para um grupo de outros indivíduos, embora não tire ele
mesmo nenhum benefício e eventualmente até inflija perdas a si próprio."
A maioria dos estúpidos persevera na sua vontade de causar males e
perdas aos outros, sem tirar daí nenhum proveito. Mas há aqueles que não
só não tiram ganho como, desse modo, se prejudicam a si próprios: são
atingidos pela "super-estupidez".
É desastroso associar-se aos
estúpidos. A quarta lei diz: "Os não estúpidos subestimam sempre o poder
destruidor dos estúpidos. Em concreto, os não estúpidos esquecem
incessantemente que em todos os tempos, em todos os lugares e em todas
as circunstâncias tratar com e/ou associar-se com gente estúpida se
revela inevitavelmente um erro custoso." A situação é perigosa e
temível, porque quem é racional e razoável tem dificuldade em imaginar e
compreender comportamentos irracionais como os do estúpido. Schiller
escreveu: "Contra a estupidez mesmo os deuses lutam em vão."
Como
consequência, temos a quinta lei: "O indivíduo estúpido é o tipo de
indivíduo mais perigoso." O corolário desta lei é: "O indivíduo estúpido
é mais perigoso do que o bandido." De facto, se a sociedade fosse
constituída por bandidos, apenas estagnaria: a economia limitar-se--ia a
enormes transferências de riquezas e de bem-estar a favor dos que assim
agem, mas de tal modo que, se todos os membros da sociedade agissem
dessa maneira, a sociedade no seu conjunto e os indivíduos
encontrar-se-iam numa "situação perfeitamente estável, excluindo toda a
mudança". Porém, quando entram em jogo os estúpidos, tudo muda: uma vez
que causam perdas aos outros, sem ganhos pessoais, "a sociedade no seu
conjunto empobrece".
A capacidade devastadora do estúpido está
ligada, evidentemente, à posição de poder que ocupa. "Entre os
burocratas, os generais, os políticos e os chefes de Estado, é fácil
encontrar exemplos impressionantes de indivíduos fundamentalmente
estúpidos, cuja capacidade de prejudicar é ou se tornou muito mais
temível devido à posição de poder que ocupam ou ocupavam. E também se
não deve esquecer os altos dignitários da Igreja."
É assim o mundo."
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Mais um filme de classe B
Texto de Paulo Ferreira hoje publicado no "Jornal de Noticias".
Além de falhado, é um ato de desespero. Se o Governo continuasse a ter a certeza absoluta de que a receita que tem seguido provará, um dia, a sua eficácia, por que razão chamaria agora Seguro para conversar? Aplica-se o mesmo aos representantes da troika: o apelo ao estabelecimento de duradouras pontes com o PS é o reconhecimento de que os problemas gerados pela receita não se resolvem numa legislatura. Nem, provavelmente, em duas ou três. Isto é: a troika deseja amarrar já quem vier a tomar conta do país nos próximos anos.
Há um pequenino pormenor aqui no meio: o presente não garante legitimidades políticas futuras. Essa garantia pertence ao povo e exerce-se pelo voto. Que isto custe a entender à troika pode perceber-se. Que os partido se deixem sujeitar a esta espécie de nova regra aplicada a democracias em dificuldades não pode aceitar-se.
É claro que, para Seguro, só resta uma saída: reafirmar, como ontem reafirmou, aquilo que anda a dizer há meses. Resumidamente: uma agenda para o crescimento e para o emprego; apoio ao regresso do país aos mercados; contra medidas que abalem mais o Estado social; inversão, numa palavra, da "política de austeridade". Dizer o contrário, nesta altura, era fazer o caminho rumo ao precipício.
De modo que, para citar o líder do PS, "no essencial, não houve nada de novo" nas conversas com o Governo e com a troika. Quer dizer: tratou-se de um ato de pura encenação promovido por Passos Coelho, que agora pode vir dizer aos portugueses que o PS se pôs fora da solução que ele e Gaspar laboriosamente criaram. Já vimos um filme parecido quando, em 2009, Sócrates chamou os partidos a S. Bento, na tentativa de formar um governo maioritário. Então como hoje, assistimos a um filme de classe B.
Gostará Cavaco Silva de filmes de classe B?"
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Troika quer a democracia como hipoteca
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso"
Os funcionários da Comissão Europeia, BCE e FMI saberão que o PS já se manifestou contra cortes estruturais no Estado Social. Há quem ache, por muito que espante estes amanuenses, que a educação, a saúde e dignidade na velhice são não apenas adquiridos civilizacionais (aqui e em toda a Europa), mas condição para o desenvolvimento e crescimento económico e para que um país não dependa eternamente do crédito. E que por isso possa ser intransigente quando toca a hipotecar o futuro de um País. Mas mesmo assim querem convencer Seguro a mudar de posição. Porquê? Porque querem garantir um compromisso por muito tempo, com este e futuros governos.
terça-feira, 16 de abril de 2013
Os câmara boys
Texto de Paulo Morais, Professor universitário, hoje publicado no Correio da Manhã
"As câmaras municipais são as maiores agências de emprego do País.domingo, 14 de abril de 2013
A quadrilha dos aparelhos partidários
Texto de Henrique Monteiro hoje publicado na edição online do "Expresso".
sábado, 13 de abril de 2013
Banditismo político
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".
O Governo agiu premeditada e ostensivamente na construção de um OE inconstitucional e, de certeza, os elementos da troika estavam informados desse objetivo. Insistiram sempre na tese de que não tinham "plano B", desde logo para chantagear o TC e depois para, de forma mentirosa, hipócrita e cobarde, esconder na decisão do tribunal o fracasso absoluto das suas políticas, para sustentar um ataque sem precedentes ao Estado social e a amplas funções da Administração Pública Central e Local, para desencadear uma ofensiva contra o regime democrático.
O Governo conhece, melhor que ninguém, os efeitos desgraçados das suas políticas no plano social e económico, o agravamento da dívida pública, e sabe que o desvio orçamental de 2012 é quase três vezes superior ao impacto das medidas travadas pelo TC.
As políticas que o Governo e os seus mandantes da troika estão a impor no nosso país não são exequíveis em democracia, atentam contra a soberania do Estado português e significam um dos maiores roubos organizados a que os portugueses foram sujeitos ao longo da sua história.
Vivemos tempos muito sensíveis para o futuro deste grande projeto coletivo de um povo - com mais de 850 anos de percurso - que é Portugal. Proliferam, expressa ou implicitamente, atitudes antipatrióticas, mesmo quando alguns figurões invocam em vão a necessidade de "sentido de Estado", ao exporem as suas propostas de saída que mais não são do que empurrar o lixo para debaixo do tapete.
O presidente da República (PR), vergonhosamente, deu o seu alto patrocínio à operação conduzida pelo Governo e pela troika e não levanta a voz em defesa da soberania do país e da exigência do respeito e da responsabilização das instituições. Será que o PR tem consciência de quanto está a contribuir para comprometer o futuro de Portugal?
É ignóbil e de um cinismo absoluto a afirmação do primeiro-ministro "não posso permitir que se desperdicem os sacrifícios feitos pelo portugueses", quando sabe estar a preparar muitos e mais duros sacrifícios.
Gaspar é um tecnocrata absolutamente ao serviço de interesses estrangeiros.
É indispensável sacudir a charlatanice política e denunciar com força a repetição das mentiras que ainda campeia nos grandes meios de comunicação social.
A situação difícil que vivemos precisa de trabalho técnico de economistas e especialistas de várias áreas, mas a sua resolução é do campo da política no mais profundo e sério sentido da palavra. Esta perspetiva começa, felizmente, a ser partilhada por mais democratas e de diversos quadrantes.
Esperemos que o Partido Socialista não aprofunde a sua corresponsabilização no desastre e não queira que a prazo lhe caia nas mãos o papel de coveiro do regime democrático. A discussão dos problemas económicos, sociais e políticos para a saída do buraco, quer no plano nacional, quer a questão do euro ou dos caminhos a seguir na União Europeia, é uma tarefa difícil mas que urge prosseguir a partir de várias perspetivas existentes.
É um facto que não existe uma utopia credibilizada na sociedade, um projeto alternativo com força. As ideias em relação a matérias sensíveis ainda não são claras, as vontades andam dispersas. Há que deitar com vigor mãos à tarefa, discutir falando verdade ao povo, utilizar todas as disponibilidades, organizar energias. O projeto alternativo nascerá daí."
Diz que é uma espécie de remodelação
Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"
"E ao sétimo dia,
Passos descansou. Depois de uma semana inteirinha de originalidade, em
que um ministro - braço direito do chefe - se arrastou, demissionário,
pelos corredores da governação, eis que o primeiro-ministro tira da
cartola, não um, mas dois ministros de currículo académico
inquestionável. E, deste ponto de vista mesquinho, podemos dizer que
esta é a suprema ironia para com o dr. Relvas.
Importa porém
relevar deste ajustamento governamental algumas notas. Desde logo o
facto de Pedro Passos Coelho ter reduzido o CDS à sua insignificância.
Depois de mais de uma semana a ouvir altos dirigentes do partido de
Paulo Portas a reclamarem em público uma remodelação profunda e a
substituição do ministro da Economia, o primeiro-ministro ignorou a
pressão, fez um remendo e manteve Álvaro Santos Pereira no Governo.
Mesmo que nos custe a entender o que é que ainda prende Álvaro à mesa do
orçamento, tal é o vazio de competências a que já foi sujeito. Mas,
talvez mais cedo que tarde, Paulo Portas, que não tem memória curta,
perca a paciência com as afrontas sucessivas e obrigue o
primeiro-ministro a engolir a célebre declaração, deixada cair em
entrevista à RTP - ainda como vingança da TSU-, de que o número dois do
Governo era não o líder do CDS mas Vítor Gaspar.
Por outro
lado, por mais justificações e desculpas esfarrapadas que possam
arranjar-se, ficou à vista de toda a gente a dificuldade de Passos
Coelho seduzir quem ainda esteja disposto a sacrificar-se, mesmo que em
nome da pátria, e aceite integrar um governo cada vez mais parecido com o
Titanic. É verdade que Luís Marques Guedes já era quase ministro e
ninguém duvida da sua competência de tarimba feita desde os idos do
cavaquismo. Ninguém questionará também a superior qualidade intelectual
que Miguel Poiares Maduro acrescentará ao Governo. Mas o que estes nomes
confirmam, somados aos dos novos secretários de Estado, Pedro Lomba e
Cardoso da Costa, conhecidos cavaquistas, é que, de facto, a coligação
governamental foi alargada ao Palácio de Belém e Cavaco Silva é mesmo,
mais do que nunca, a "mão por detrás do arbusto".
Porém, e apesar
das reservas públicas ao rumo das políticas governamentais e das
críticas à atuação europeia na resposta à crise, o Presidente da
República não teve, ou não quis ter, a força suficiente para fazer
perceber ao primeiro-ministro que o maior e mais grave problema do
Governo chama-se Vítor Gaspar. É certo que, por definição, os ministros
das Finanças não são remodeláveis, sobretudo em contexto de emergência
financeira como aquele que vivemos. Mas como pode alguém que não acerta
uma previsão que seja, que faz dois Orçamentos feridos de
inconstitucionalidade, que é responsável pela maior tragédia económica e
social que o País alguma vez enfrentou, que com apenas dois meses de
execução orçamental já teve de rever por duas vezes as metas do défice,
continuar a ser apresentado como um joker e o grande fator de
credibilização nacional?
Se dúvidas houvesse, o primeiro-ministro
deixou claro que, apesar de a parede estar bem à frente dos nossos
olhos, prefere continuar ideologicamente a acelerar a grande velocidade
contra ela. É essa a única leitura possível do reforço de poder político
de Vítor Gaspar no Governo, por oposição à cada vez menor influência e
importância de Álvaro Santos Pereira.
Esta microrremodelação e as
suas consequências são, aliás, coerentes com a comunicação ao País do
dia 7 deste mês, em que Passos Coelho alegava, a propósito do chumbo do
Tribunal Constitucional (TC) a quatro normas do Orçamento do Estado, que
agora estava obrigado a explicar-se à troika. Ao que parece, o
primeiro-ministro tem falado pouco com o seu novo ministro adjunto, ou
teria percebido que, embora discordando do acórdão do TC, Miguel Poiares
Maduro sugeria na sua página do Facebook, entre outras hipóteses, que a
solução para Portugal passa, não pela subserviência e o servilismo com
os credores, mas pela capacidade de impor a óbvia renegociação do
memorando - acrescento eu, introduzindo medidas que estimulem o
investimento e o crescimento económico - ou pela ameaça de incumprimento
do dito programa de ajustamento.
Mas, pelos vistos, o chefe do
Governo sente-se confortável no papel de diretor-geral da troika em
Portugal e o ministro das Finanças orgulhoso da função, que exerce com
garbo, de embaixador do BCE e da Alemanha em Lisboa. Tudo isto com a
cumplicidade cada vez mais evidente do Presidente da República."
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Governo já não tem o mínimo de credibilidade
Texto de Henrique Monteiro hoje publicado na edição online do "Expresso".
"Qualquer remodelação que não passasse pelo topo do Governo - e refiro-me
mesmo a Passos e Gaspar - ficaria incompleta. Claro que Miguel Poiares
Maduro tem um currículo invejável, sério, criterioso; é certo que
Marques Guedes transmite uma seriedade infinitamente superior à de
Relvas, mas nem um nem outro resolvem qualquer problema. Nem podem, por muito bom desempenho que atinjam.
E qual é o problema? Justa ou injustamente, este Governo perdeu aquele mínimo de credibilidade necessária.
Escusam-me de dizer que outros Governos também não a tinham, porque é
falso. Ou seja, olhemos para Sócrates: o Governo era mau, era péssimo,
tomou medidas que nos custam os olhos na cara. Mas tinha seguidores
indefetíveis. Uma parte significativa do país achava que Sócrates nos
salvava.
Ao contrário, bastou a Gaspar fazer um despacho numa tarde de segunda-feira, para logo nesse dia à noite começar a faltar tudo no país - comida nas cantinas, gasóleo nos carros, papel nas repartições. Não me interpretem mal: eu não
acredito que o efeito fosse esse, mas as vozes que se levantaram -
quase todas - assim o diziam. Ninguém concedeu, por um segundo, o
benefício da dúvida a Gaspar. E ninguém defendeu aquele despacho nem
aquele ministro. Em parte, porque os considerandos do documento são
revanchistas, inúteis; em parte porque Gaspar não tem apoios; em parte
porque o Governo está isolado de tal forma que, como escrevi há tempos
usando uma frase da terra da minha origem, já nem os cães o respeitam.
Claro que nenhum Governo no meio de uma crise assim seria popular.
Mas nenhum pode ser tão impopular. Claro que um Governo não pode
governar para agradar ao eleitorado, mas nenhum pode sobreviver se for
odiado - ativa ou passivamente - pelo eleitorado.
Este é um problema sério. Não se pode dissolver o povo nem instituições
como o Tribunal Constitucional ou o Presidente da República. E o povo - do CDS ao Bloco de Esquerda (basta ouvi-los na televisão) não suporta este Governo. Já não é só a esquerda, é a direita.
De Bagão Félix, a Manuela Ferreira Leite, de Pacheco Pereira a António
Capucho ninguém parece continuar disponível a acreditar em algo que este
Governo faça. O próprio novo ministro Miguel Poiares Maduro fez,
segundo li hoje no 'Público', algumas sugestões de governo diferente no
seu Facebook...
Este é, pois, o problema em que Passos tem de pensar seriamente. Eu, que
nem sou dos maiores críticos do Governo, por entender que ninguém que
faça reformas pode ser amado (embora escuse de ser tão extensamente
odiado), também já não suporto ver esta caminhada constante para o
abismo político e económico.
É preciso esperança, porque sem esperança não há caminho. E para renovar a esperança é preciso que alguns saiam de cena."
Remodelação? Qual remodelação!?
Texto de António Costa, Director, hoje publicado no Diário Económico
"Pedro Passos Coelho perdeu uma oportunidade
para abrir um novo ciclo político ao fazer uma remodelação minimalista,
um remendo, ao substituir Miguel Relvas por dois novos ministros. Mas a
estratégia do primeiro-ministro diz-nos mais do que pensa sobre o futuro
do país, económico e político, do que mil declarações políticas.
Em primeiro lugar, Passos Coelho mostrou quem manda no Governo,
se houvesse algum tipo de dúvida. Ao longo da semana, estiveram em cima
da mesa todos os cenários, as discussões sobre o modelo de remodelação,
os nomes e a orgânica dominaram as discussões de bastidores entre o
primeiro-ministro e Paulo Portas, mas a decisão foi solitária, e
pessoal. Mais: sem cedências.
O líder do CDS queria uma remodelação abrangente, desde logo do
ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, além de Miguel Relvas. A
demissão do principal aliado pessoal e político de Passos Coelho criou o
espaço para Portas pôr as cartas em cima da mesa. O ministro dos
Negócios Estrangeiros percebeu, cedo, que não poderia pressionar Passos
Coelho, que não é Durão Barroso, mas foi tarde.
A decisão de Passos Coelho, a decisão de não ceder às pretensões
de Portas, de não aceitar sequer dar ao líder do CDS a coordenação
política, revela que o centro de poder do Governo, de facto, reduziu-se a
dois, a Passos e a Gaspar. Porque Marques Guedes e Poiares Maduro, os
dois novos ministros, credíveis e competentes, não têm o peso político
para desempenharem esse papel.
Se houve um problema na primeira metade deste mandato foi,
precisamente, o facto de Passos Coelho não contar, verdadeiramente, com
Paulo Portas, com o CDS. Ficou, para a história, a declaração do
primeiro-ministro de que o número dois do Governo era Vítor Gaspar. E
continua, apesar do Governo, da estabilidade política do executivo,
depender do segundo partido da coligação. Por opção, por pressão do PSD,
Passos Coelho mantém Portas à margem, mas também não o compromete. O
CDS continuará, assim, com um pé dentro e outro fora do Governo.
Esta
pseudo-remodelação confirma, também, que o primeiro-ministro está
convicto de que a solução para os problemas do país, para a execução do
plano de ajustamento passa pela manutenção do ministro das Finanças e
depende da sua credibilidade externa, leia-se, também da vontade dos
ministros das Finanças do euro.
Verdadeiramente, uma remodelação sem incluir o ministro das
Finanças, que está no melhor e no pior do desempenho deste Governo, não
será nunca uma remodelação. Mais ainda neste Governo, em que o poder do
ministro das Finanças é enorme, de facto e de direito. Pedro Passos
Coelho poderia ter aproveitado estas mudanças para reequilibrar a
relação de forças entre as finanças e a economia. Pelo contrário,
acentuou a perda de poderes de Álvaro Santos Pereira ao retirar-lhe o
que ainda tinha de fundos comunitários, que passam para Poiares Maduro.
A manutenção do centro de poder do Governo na dupla Passos/Gaspar
evidencia também que a resolução dos problemas do País joga-se, na
perspectiva do primeiro-ministro, sobretudo, na Europa, na relação com o
ministro das Finanças da Alemanha e com a ‘troika'. Particularmente
esta semana, por causa da reunião que decorre hoje e amanhã em Dublin,
mas nos próximos doze meses, até ao fim da presença dos credores
externos em Portugal.
O primeiro-ministro deveria ter avançado já com uma remodelação
alargada, prefere, antes, levar esta equipa até ao limite, provavelmente
até às autárquicas, mas o tempo deste Governo não é normal, é
excepcional, como a situação económica e financeira do País. Ao não
fazê-lo, Passos Coelho vai prolongar os problemas políticos já evidentes
há meses. Até quando?"
Democracia e terror
Texto de Pedro Bacelar de Vasconcelos hoje publicado no "Jornal de Noticias"
O poder judicial é o definitivo garante da legalidade democrática e da ordem constitucional. Porque "as decisões judiciais prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades" e todos estão obrigados ao seu cumprimento: cidadãos comuns, Governo, deputados e Presidente. As leis são frequentemente violadas, independentemente do seu grau de perfeição e, muitas vezes, a própria administração, as polícias, o Governo, são acusados de as transgredir. Se a violação das leis não fosse punível, se ninguém se encarregasse de as fazer respeitar, triunfavam fatalmente a prepotência e a tirania. Inventaram-se os tribunais para que as regras do jogo não possam variar ao longo da partida, ao sabor da conveniência do mais forte. Um poder soberano mas "politicamente neutro", titulado por agentes - os juízes - constrangidos por inúmeras exigências e incompatibilidades que visam também assegurar a sua "neutralização" contra ameaças de instrumentalização de forças económicas e sociais.
O poder judicial independente é, neste sentido, o derradeiro garante do Estado de Direito Democrático. A necessidade de "neutralização política" é sobretudo evidente na função específica atribuída ao Tribunal Constitucional: garantir o respeito da Constituição, mesmo contra maiorias parlamentares conjunturais, e proteger os valores perenes dos direitos humanos, do pluralismo político e da alternância democrática contra qualquer ameaça de subversão. E por isso, se é inaceitável que o primeiro-ministro queira transformar os juízes em seus interlocutores - como fez na deplorável comunicação ao país - ainda mais grave e aberrante é tentar confundi-los com vulgares agentes políticos e culpá-los pelo falhanço e pelas graves consequências económicas e sociais que resultam exclusivamente de uma governação desastrosa que a todo o custo pretendem manter.
Este comportamento não denuncia apenas uma genuína cultura antidemocrática. Tem que ser designado pelo seu verdadeiro nome: "terrorismo"! A maioria que governa, que legisla e que chefia o Estado, passou à fase da agressão violenta aos tribunais e aos cidadãos... e o Presidente terá em breve de escolher o seu lado da barricada. Sem emenda nem remorso pelas quatro infrações cometidas contra a Lei Fundamental que todavia juraram cumprir, o Governo foi descendo todos os degraus de decência e passou abertamente ao terrorismo administrativo e financeiro, como se lê no despacho assinado por Vítor Gaspar, onde este se dá por vítima do poder judicial, à semelhança de muitos reclusos a cumprir pena nos estabelecimentos prisionais. A política transformou-se numa obscenidade. Não há diálogo possível com o terrorismo."
Um despacho, um programa
Texto de José Manuel Pureza hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Portugal
não tem quaisquer condições de pagar 125 mil milhões de euros (75 mil
milhões dos quais a credores privados) nos próximos oito anos. Não há
reengenharia financeira - incluindo extensões de maturidades dos
empréstimos - nem malabarismo político que permita infirmar esta
verdade. Sem anulação de montantes, Portugal sucumbirá a um insuportável
peso relativo da dívida no PIB nacional. Para pagar este primeiro
resgate terá de contrair um segundo, para pagar este um terceiro e assim
sucessivamente. Essa é verdadeiramente a única inevitabilidade efetiva
da nossa vida coletiva. Ela traz consigo uma escolha decisiva que o País
tem de fazer: renegociar a dívida ou naufragar nela. Só por cegueira
ideológica se pode teimar em negá-lo.
O Governo sabe-o melhor do que ninguém. E já escolheu, sem hesitar, o seu lado: o do segundo resgate. A encenação catastrofista da última semana não foi outra coisa senão a criação de um clima antecipador do segundo resgate. O Governo está tão empenhado na concretização dessa escolha que foi ele próprio, quando do debate da moção de censura apresentada pelo Partido Socialista, que entendeu por bem trazer para o debate público o tema do segundo resgate.
A explicação é simples: escolher o segundo resgate em detrimento de uma renegociação da dívida que inclua os seus montantes não é algo que o Governo faça porque tem de fazer. Não, o Governo vê no segundo resgate a oportunidade de levar por diante um programa, que sempre foi o seu, de destroçar por inteiro o Estado social em Portugal. Que Passos Coelho e Vítor Gaspar atribuam ao Tribunal Constitucional a responsabilidade dessa destruição dos serviços públicos é uma expressão de cinismo puro. Eles querem, nunca o esconderam, essa destruição. Esse é o seu programa para o País. Que não tenham a coragem de o assumir agora, escondendo-se por trás de uma sentença que os tira do sério, mostra a sua verdadeira dimensão como estadistas.
Nesse afã de preparar o caminho ao segundo resgate, o Governo não hesitou mesmo em evidenciar um inequívoco autoritarismo. Com a sua reação, de inédita violência, contra o Tribunal Constitucional, Passos Coelho assumiu por inteiro que não é primeiro-ministro de um Estado de direito, antes quer ser governante de um estado de exceção. E agora vem o despacho de Gaspar tornar dispensáveis e ridicularizar todos os ministros e instaurar por decisão administrativa a ditadura do Ministério das Finanças. Lançar as culpas dos nossos males sobre quem tem por função republicana garantir o respeito da lei suprema e aumentar desmesuradamente os poderes de um ministro que, em dois orçamentos sucessivos, mandou a Constituição às urtigas é bem a prova dos pergaminhos democráticos da direita governante.
Mas tudo isto é frágil, tudo isto é dramatização postiça. O fogo político sobre o Tribunal Constitucional é um disfarce do programa de esvaziamento da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social pública. Habilidosamente querem-nos convencer de que isso é imprescindível para "honrarmos os nossos compromissos" com os credores, para mantermos a "credibilidade externa". Tudo falso, tudo mal amanhado. Para "honrarmos os nossos compromissos" o Governo vai contrair um segundo resgate. Entretanto terá destruído o Estado social de direito em Portugal. E no fim estaremos com mais dívida para pagar. E com menos democracia."
terça-feira, 9 de abril de 2013
Cavaco une Portugal e dá posse a Jerónimo
Texto de Pedro Tadeu hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Leia esta frase:
"O meu país necessita de renegociar as condições do nosso ajustamento.
Digo-o e repito-o. Renegociar as condições de ajustamento com metas e
prazo reais."
Agora, leia esta: "O que vejo com preocupação é que
FMI, a Comissão Europeia e o BCE só reagem, só corrigem o caminho depois
de se tornar estupidamente óbvio que é preciso mudar de caminho."
Com
paciência leia, também, esta: "O novo rumo e a nova política de que
Portugal precisa têm de romper com a crescente submissão e subordinação
externas."
E, finalmente, esta: "Portugal é um país democrático, é
um Estado de Direito com uma ordem constitucional que tem de ser
respeitada. E a exigência por esse respeito dá ao Governo possibilidade
de exigir melhores condições no campo internacional."
Estas quatro
afirmações, feitas em semana louca, sugerem uma mais do que óbvia linha
de pensamento comum: os portugueses têm de impor limites à troika, ou,
pelo menos, devem tentá-lo.
Relembro, agora, a nota de Cavaco
Silva, divulgada após receber, sábado, o primeiro-ministro: "O
Presidente da República reitera o entendimento de que o Governo dispõe
de condições para cumprir o mandato democrático em que foi investido e
manifestou o seu empenho em que sejam honrados os compromissos
internacionais assumidos e em que sejam alcançados e preservados os
consensos necessários à salvaguarda do superior interesse nacional."
O
entendimento que o Presidente tem dos, cito, "consensos" que interessam
à Pátria é oposto ao pensamento comum expresso pelas pessoas, autoras
daquelas quatro frases, de raiz política e ideológica tão afastada como,
respetivamente, António José Seguro (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP,
reformador do IRC a pedido do Governo), Jerónimo de Sousa (PCP) e
Catarina Martins (BE).
Os maiores inimigos políticos, mesmo os
incapazes de se juntarem algum dia num Governo, unem-se
circunstancialmente em palavras, no objetivo de forçar a Zona Euro a
mudar de via. O consenso e interesse nacional está, assim e
aparentemente, no campo oposto ao de Passos Coelho e ao desejado pelo
Presidente...
Alguém imagina Cavaco Silva, fechado no seu Palácio,
a ter noção disto? Ou, se tivesse essa consciência, a arriscar dar um
passo que um dia o leve a dar posse a, sei lá... Jerónimo de Sousa como
ministro da Economia de um governo de, realmente, consenso nacional?
O
homem está longe desse, para ele, azar. Mas, como os tempos estão, na
sua sisuda imobilidade, caminha na direção de ver um dia a História
pregar-lhe essa partida."
D. Maria II, em Belém
Texto de Manuel Catarino, Redator Principal, hoje publicado no Correio da Manhã
"Estamos como no século XIX: Estado falido, País dividido entre ‘cartistas’ (apoiantes da Carta Constitucional) e ‘vintistas’ (inimigos da Constituição), comércio de rastos.
Então como agora, um período conhecido como ‘devorismo’ (assalto aos bens públicos) a que se seguiu um irracional aumento de impostos (até as janelas e portas eram taxadas). Com uma diferença: D. Maria II (instalada no Palácio de Belém) esforçava-se: sem grandes resultados, mas nunca deixou de tentar a melhor solução de governo. Cavaco Silva não faz nada. Observa que o Governo tem legitimidade. Sua excelência reduziu-se a notário. Limita-se a residir no palácio. É o Residente da República. "
Primeiro-Mentiroso
Texto de Paulo Morais, Professor universitário, hoje publicado no Correio da Manhã
"Passos Coelho, quando candidato nas últimas eleições, prometeu o céu. Mas remeteu-nos ao inferno. Em campanha, tinha garantido que jamais aumentaria impostos.segunda-feira, 8 de abril de 2013
O talentoso senhor Passos
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso"
domingo, 7 de abril de 2013
Apenas incompetência
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
"1 A decisão do
Tribunal Constitucional leva o défice público previsto para um valor a
rondar os 6,3%, um desvio de cerca de 0,8%. Como o director do Dinheiro
Vivo, André Macedo, referiu neste jornal, o ministro das Finanças
costuma falhar por bem mais - basta verificar os desvios do ano passado.
Em circunstâncias normais, o Governo negociaria com a troika -
explicando que num Estado de direito não se pode atropelar a
Constituição, caso os senhores não soubessem -, olharia melhor para as
rendas de algumas empresas, tentaria negociar as parcerias
público-privadas e não dramatizaria a situação afirmando simplesmente
que as instituições democráticas tinham funcionado e que havia de actuar
conforme.
A questão é que esta decisão do Tribunal foi a
machadada final no núcleo fundamental do Governo e na sua linha
política. Esse núcleo constituído por Relvas, Gaspar e Passos Coelho.
A
alma do Governo, o braço direito do primeiro-ministro, o homem que tudo
decidia, o tapa-buracos a quem se recorria para tudo e mais alguma
coisa, o para lá de incompetente coordenador político, Miguel Relvas,
foi escorraçado por triste e má figura.
O ideólogo do Governo, o
homem que define a política económica e orçamental, aquele que tratou de
preencher com ideais revolucionários o vazio ideológico do
primeiro-ministro está completamente desacreditado. Não acerta uma
previsão, exibe uma evidente falta de preparação para o lugar e teima em
querer governar contra a Constituição. A nossa Constituição é mais
importante do que as suas folhas de cálculo e a suas letras estão longe
de estarem mortas.
O que resta não é bem um Governo, é um conjunto
de homens e mulheres descoordenados, vagamente geridos por um
primeiro-ministro perdido, sem saber o que fazer e com uma linha
política chumbada pela realidade do desemprego, das falências, da
miséria, da recessão e, de novo, pela Constituição.
2 A reacção
desproporcionada e profundamente atentatória ao Estado de direito do
Governo à decisão do Tribunal Constitucional pouco ou nada teve que ver
com a decisão propriamente dita. Sim, a decisão pôs em causa a
estratégia do Governo, mas um Executivo tem sempre o limite da
Constituição. "É a lei do Orçamento do Estado que tem que se conformar à
Constituição e não a Constituição que se tem que conformar a qualquer
lei", que parte desta declaração do presidente do Tribunal
Constitucional Passos Coelho não percebeu? É que se não percebe isto não
pode ser primeiro-ministro numa democracia. Se não tem competência para
arranjar soluções alternativas não serve para governar um país.
A
razão da infelicíssima reacção é tão-só a admissão de incapacidade para
governar. A dramatização é resultado da implosão do núcleo central do
Governo e da sua política suicida. O Tribunal Constitucional está a ser
apenas utilizado como bode expiatório.
É bom que ninguém se esqueça: se o Governo sair sai pela sua incompetência, por rigorosamente mais razão nenhuma.
3
Já ninguém se lembra, mas na quarta-feira houve a apresentação da moção
de censura do PS. Ficou claro que este PS não tem sequer uma ideia de
alternativa e que Seguro ainda não está minimamente preparado para ser
primeiro-ministro. Melhor, ficou claríssimo que estamos metidos num beco
sem saída.
4 Eu também sou daqueles que não gostam de muitas
partes do texto constitucional, que o acham demasiado programático,
demasiado extenso e mesmo incapaz de assegurar direitos que tenta
prescrever. O que ninguém pode dizer é que a Constituição impede
reformas mais ou menos profundas ou que é responsável pelos nossos
problemas estruturais. Não, as nossas crises podem ter muitas origens e
podem ter muitos culpados, mas dentro deles não estarão com toda a
certeza os preceitos constitucionais.
Tenho poucas dúvidas de que
no seguimento da deliberação de sexta-feira do Tribunal Constitucional
os do costume atacarão uma vez mais a Constituição. Queria apenas
recordar a esses cavalheiros e senhoras que os princípios invocados para
declarar a inconstitucionalidade das normas foram os da igualdade e
proporcionalidade. Não esteve em causa a gratuitidade do ensino ou da
saúde ou os tão criticados direitos adquiridos ou coisa do género. Nada
disso. Repito: igualdade e proporcionalidade. Alguém está interessado
numa Constituição que não defenda estes princípios? E devem os juízes
olhar para a "realidade" e esquecê-los?"
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Alguém avise o governo que já morreu
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso"
quinta-feira, 4 de abril de 2013
"É o capitalismo, estúpido!"
Texto de Baptista-Bastos hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Já se sabe que a
ideologia neoliberal não respeita nem as leis da economia nem as
obrigações do direito. Os enredos governamentais apoiam-se na
espontaneidade dos mecanismos económicos e na natureza dos acasos.
Economistas ilustres como Daniel Bessa ou Ferreira do Amaral e
professores universitários como Paulo Morais têm--no dito,
incansavelmente, acentuando as características complexas do poder e das
liberdades. As consequências são claras: a democracia, tal como a
concebemos e foi estruturada na Europa Social, está desfigurada e, por
este caminho, condenada a desaparecer. Quando Viriato Soromenho-Marques
escreve que a Europa morreu em Chipre, ele adverte-nos de que o
intervencionismo económico, tal como aconteceu naquele país, constitui
uma ameaça às liberdades.
Estamos no interior de uma nova guerra,
cujas conclusões são imprevisíveis. Parafraseando o outro: "É o
capitalismo, estúpido!" Do ponto de vista desta irracionalidade
política, não há lugar para o sujeito plural, para a diversidade de
opiniões. "Não há alternativa", frase tão ao gosto de Pedro Passos
Coelho, não lhe pertence em sistema de exclusividade: faz parte do
breviário da "nova" doutrina, agora, embora tardiamente, condenada pela
Igreja católica.
"É o capitalismo, estúpido!", decorre da
circunstância de não se lhe haver opositor, e as críticas conhecidas
(Badiou, por exemplo, L'Hypothèse Com- muniste) encontrarem pela frente
um concerto de estipendiados, bem pago e bem organizado, o qual faz eco
da frase "Salvemos os bancos!", salvaguarda de um sistema que incorporou
"o fim das ideologias" como teoria. É desolador o deserto de ideias à
nossa volta. A paixão pelo pensamento crítico parece ter desaparecido; e
as páginas dos jornais, habitualmente portadoras de sugestões,
incentivando à leitura e ao debate, consagram-se à superfície das
coisas, às futilidades e ao desprezo pelas causas. O ser humano está
concebido como homo oeconomicus, e a sua existência regida pela
rendibilidade e subordinada aos grandes interesses económicos.
Uma
certa Europa do humanismo e da solidariedade morreu em Chipre, como
acentuou Soromenho-Marques. E talvez para sempre, porque a capitulação
daquele pequeno país prova que a mutação do ideal social em um Estado
omnipotente e autoritário (a Alemanha é que manda, até por interpostas
economias) não é capricho do acaso, sim um projecto hegemónico e
perigosíssimo, que pode conduzir à guerra (avisou Jean-Claude Juncker).
Mas
há uma pergunta a formular: alguma vez essa Europa do humanismo e da
solidariedade existiu? É o capitalismo que ordena as coisas e a própria
vida das pessoas. O capitalismo que chegou excessivamente longe, com o
apoio das irresponsabilidades e das cedências de quem devia ter uma
posição moral irredutível. Nesta conjuntura avultam muitas traições e
imprevidências. Chegámos a esta miséria. E agora?"