Texto de Baptista-Bastos hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Já se sabe que a
ideologia neoliberal não respeita nem as leis da economia nem as
obrigações do direito. Os enredos governamentais apoiam-se na
espontaneidade dos mecanismos económicos e na natureza dos acasos.
Economistas ilustres como Daniel Bessa ou Ferreira do Amaral e
professores universitários como Paulo Morais têm--no dito,
incansavelmente, acentuando as características complexas do poder e das
liberdades. As consequências são claras: a democracia, tal como a
concebemos e foi estruturada na Europa Social, está desfigurada e, por
este caminho, condenada a desaparecer. Quando Viriato Soromenho-Marques
escreve que a Europa morreu em Chipre, ele adverte-nos de que o
intervencionismo económico, tal como aconteceu naquele país, constitui
uma ameaça às liberdades.
Estamos no interior de uma nova guerra,
cujas conclusões são imprevisíveis. Parafraseando o outro: "É o
capitalismo, estúpido!" Do ponto de vista desta irracionalidade
política, não há lugar para o sujeito plural, para a diversidade de
opiniões. "Não há alternativa", frase tão ao gosto de Pedro Passos
Coelho, não lhe pertence em sistema de exclusividade: faz parte do
breviário da "nova" doutrina, agora, embora tardiamente, condenada pela
Igreja católica.
"É o capitalismo, estúpido!", decorre da
circunstância de não se lhe haver opositor, e as críticas conhecidas
(Badiou, por exemplo, L'Hypothèse Com- muniste) encontrarem pela frente
um concerto de estipendiados, bem pago e bem organizado, o qual faz eco
da frase "Salvemos os bancos!", salvaguarda de um sistema que incorporou
"o fim das ideologias" como teoria. É desolador o deserto de ideias à
nossa volta. A paixão pelo pensamento crítico parece ter desaparecido; e
as páginas dos jornais, habitualmente portadoras de sugestões,
incentivando à leitura e ao debate, consagram-se à superfície das
coisas, às futilidades e ao desprezo pelas causas. O ser humano está
concebido como homo oeconomicus, e a sua existência regida pela
rendibilidade e subordinada aos grandes interesses económicos.
Uma
certa Europa do humanismo e da solidariedade morreu em Chipre, como
acentuou Soromenho-Marques. E talvez para sempre, porque a capitulação
daquele pequeno país prova que a mutação do ideal social em um Estado
omnipotente e autoritário (a Alemanha é que manda, até por interpostas
economias) não é capricho do acaso, sim um projecto hegemónico e
perigosíssimo, que pode conduzir à guerra (avisou Jean-Claude Juncker).
Mas
há uma pergunta a formular: alguma vez essa Europa do humanismo e da
solidariedade existiu? É o capitalismo que ordena as coisas e a própria
vida das pessoas. O capitalismo que chegou excessivamente longe, com o
apoio das irresponsabilidades e das cedências de quem devia ter uma
posição moral irredutível. Nesta conjuntura avultam muitas traições e
imprevidências. Chegámos a esta miséria. E agora?"
quinta-feira, 4 de abril de 2013
"É o capitalismo, estúpido!"
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