Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"
"E ao sétimo dia,
Passos descansou. Depois de uma semana inteirinha de originalidade, em
que um ministro - braço direito do chefe - se arrastou, demissionário,
pelos corredores da governação, eis que o primeiro-ministro tira da
cartola, não um, mas dois ministros de currículo académico
inquestionável. E, deste ponto de vista mesquinho, podemos dizer que
esta é a suprema ironia para com o dr. Relvas.
Importa porém
relevar deste ajustamento governamental algumas notas. Desde logo o
facto de Pedro Passos Coelho ter reduzido o CDS à sua insignificância.
Depois de mais de uma semana a ouvir altos dirigentes do partido de
Paulo Portas a reclamarem em público uma remodelação profunda e a
substituição do ministro da Economia, o primeiro-ministro ignorou a
pressão, fez um remendo e manteve Álvaro Santos Pereira no Governo.
Mesmo que nos custe a entender o que é que ainda prende Álvaro à mesa do
orçamento, tal é o vazio de competências a que já foi sujeito. Mas,
talvez mais cedo que tarde, Paulo Portas, que não tem memória curta,
perca a paciência com as afrontas sucessivas e obrigue o
primeiro-ministro a engolir a célebre declaração, deixada cair em
entrevista à RTP - ainda como vingança da TSU-, de que o número dois do
Governo era não o líder do CDS mas Vítor Gaspar.
Por outro
lado, por mais justificações e desculpas esfarrapadas que possam
arranjar-se, ficou à vista de toda a gente a dificuldade de Passos
Coelho seduzir quem ainda esteja disposto a sacrificar-se, mesmo que em
nome da pátria, e aceite integrar um governo cada vez mais parecido com o
Titanic. É verdade que Luís Marques Guedes já era quase ministro e
ninguém duvida da sua competência de tarimba feita desde os idos do
cavaquismo. Ninguém questionará também a superior qualidade intelectual
que Miguel Poiares Maduro acrescentará ao Governo. Mas o que estes nomes
confirmam, somados aos dos novos secretários de Estado, Pedro Lomba e
Cardoso da Costa, conhecidos cavaquistas, é que, de facto, a coligação
governamental foi alargada ao Palácio de Belém e Cavaco Silva é mesmo,
mais do que nunca, a "mão por detrás do arbusto".
Porém, e apesar
das reservas públicas ao rumo das políticas governamentais e das
críticas à atuação europeia na resposta à crise, o Presidente da
República não teve, ou não quis ter, a força suficiente para fazer
perceber ao primeiro-ministro que o maior e mais grave problema do
Governo chama-se Vítor Gaspar. É certo que, por definição, os ministros
das Finanças não são remodeláveis, sobretudo em contexto de emergência
financeira como aquele que vivemos. Mas como pode alguém que não acerta
uma previsão que seja, que faz dois Orçamentos feridos de
inconstitucionalidade, que é responsável pela maior tragédia económica e
social que o País alguma vez enfrentou, que com apenas dois meses de
execução orçamental já teve de rever por duas vezes as metas do défice,
continuar a ser apresentado como um joker e o grande fator de
credibilização nacional?
Se dúvidas houvesse, o primeiro-ministro
deixou claro que, apesar de a parede estar bem à frente dos nossos
olhos, prefere continuar ideologicamente a acelerar a grande velocidade
contra ela. É essa a única leitura possível do reforço de poder político
de Vítor Gaspar no Governo, por oposição à cada vez menor influência e
importância de Álvaro Santos Pereira.
Esta microrremodelação e as
suas consequências são, aliás, coerentes com a comunicação ao País do
dia 7 deste mês, em que Passos Coelho alegava, a propósito do chumbo do
Tribunal Constitucional (TC) a quatro normas do Orçamento do Estado, que
agora estava obrigado a explicar-se à troika. Ao que parece, o
primeiro-ministro tem falado pouco com o seu novo ministro adjunto, ou
teria percebido que, embora discordando do acórdão do TC, Miguel Poiares
Maduro sugeria na sua página do Facebook, entre outras hipóteses, que a
solução para Portugal passa, não pela subserviência e o servilismo com
os credores, mas pela capacidade de impor a óbvia renegociação do
memorando - acrescento eu, introduzindo medidas que estimulem o
investimento e o crescimento económico - ou pela ameaça de incumprimento
do dito programa de ajustamento.
Mas, pelos vistos, o chefe do
Governo sente-se confortável no papel de diretor-geral da troika em
Portugal e o ministro das Finanças orgulhoso da função, que exerce com
garbo, de embaixador do BCE e da Alemanha em Lisboa. Tudo isto com a
cumplicidade cada vez mais evidente do Presidente da República."
sábado, 13 de abril de 2013
Diz que é uma espécie de remodelação
Etiquetas:
governo,
passos coelho
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário