Texto de Daniel Deusdado hoje publicado no Jornal de Noticias.´´
1. O país preso por
arames e uma greve geral, de novo. Inútil porque representa um tempo que
a impotência defronta a prepotência atroz. A expressão cívica das
pessoas, mesmo que massiva, é olhada como caricatura, uma válvula de
escape, com resultado quase zero. Hoje parece evidente que o país não se
fartou apenas da austeridade, fartou-se primeiro da cabotinice,
impreparação e, por fim, arrogância de Pedro Passos Coelho e Vítor
Gaspar. E a única coisa eficaz para mudar o curso da História é
pressionar Cavaco Silva para que não se perca mais tempo. O Governo já
não existe há muito tempo.
O presidente da República labora num
engano trágico para a nossa vida desde o 15 de setembro. Aquele dia é
cristalino sobre a sensação de engano dos portugueses, sobre a queda da
máscara, sobre um ideário arrasador quanto ao esmagamento para que
caminhava a economia portuguesa em nome de um processo de liberalização a
qualquer custo que nos torna numa espécie de Panamá dos grandes
interesses financeiros e económicos. Pode dizer-se que Passos Coelho
enunciou muitos destes princípios na campanha eleitoral. Mas a maioria
dos portugueses queria mais depressa ver-se livre de Sócrates do que ver
com atenção quem eram os amigos do líder do PSD e qual o seu objetivo
primeiro: impor uma modernização do país à moda de António Borges e Dias
Loureiro.
É totalmente falso que a estabilidade política valha
mais que a descrença total de empresários e trabalhadores. O presidente
da República sabe melhor que ninguém que o Conselho Económico e Social,
onde estão representados os sindicatos e confederações sindicais, tem
uma unanimidade nunca antes vista contra o irrealismo de Vítor Gaspar e
Passos Coelho. Aquelas reuniões são o melhor exemplo do absurdo a que se
chegou. Portanto, a única coisa eficaz não é a greve, é cercar Cavaco
Silva onde quer que ele vá, até que acorde. Fazer um cordão humano
permanente ao Palácio de Belém. Lembrar-lhe todos os dias que nos está a
condenar a ir ao fundo, agarrados a pessoas absolutamente incompetentes
e algumas delas amorais.
2. Exemplo desta
tragédia é o que se passa com a liquidação dos famosos swaps. Os
gestores das empresas públicas seguraram o risco da taxa de juro com
contratos (milionários) que enriqueceram a Banca. Os mais ousados
fizeram até contratos especulativos que os tornaria brilhantes magos da
alta financeira (e risco à custa dos contribuintes). Entretanto... pagar
isto entra na lógica das urgências do Governo. Porquê? Amortizar
contratos com perdas potenciais exatamente neste momento é fazê-lo numa
altura em que os juros dificilmente poderão descer mais. É pagar a
'multa' tendo por base o valor mais baixo da penalização e não o seu
valor médio (perder mais do que se perderia agora é praticamente
impossível). Apesar do desconto feito ao Governo na renegociação, são
800 milhões para pagamento imediato aos bancos. Entretanto não há
dinheiro para os subsídios de férias, o que significa mais um tiro no
turismo. Que gente é esta?
3. Continua a fazer
impressão por que razão não se discute essa decisão 'técnica' de passar a
aplicar a quase totalidade do Fundo de Estabilização da Segurança
Social apenas em dívida portuguesa. Atualmente as nossas futuras
reformas estão colocadas a 60% em dívida pública nacional e os restantes
40% em outros ativos financeiros, para diversificar o risco. Mas Gaspar
quer meter o dinheiro todo em dívida nacional. A pergunta que se coloca
é: Portugal corre ou não o risco de necessitar de um perdão de dívida?
Sabemos que Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar não o querem, mas há quem
ache que não conseguimos sobreviver com 130% de dívida pública face ao
PIB (produto interno bruto). Ora, estamos a ser entalados contra a
parede pelo Governo. As gerações mais velhas e os trabalhadores em geral
vão ser as principais vítimas do perdão de dívida do país, caso ele
exista. E se tal acontecer será como discutir se queremos destruir boa
parte das reservas da Segurança Social (para ter menos dívida e menos
juros) ou, em alternativa, não ter retoma económica porque o défice é
igual aos juros da dívida. É sinistro. É o que se chama ser-se
ultraliberal com a vida dos outros.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
Governo nem uma greve merece
terça-feira, 25 de junho de 2013
Velhos não são trapos
Os reformados e pensionistas viram os seus rendimentos brutalmente reduzidos nos últimos anos. São chamados a pagar os custos duma crise para a qual em nada contribuíram. O seu rendimento disponível cai por via da redução do valor das pensões, da tributação por IRS, do aumento do IVA e do preço dos transportes ou até da introdução de portagens nas SCUT.
domingo, 23 de junho de 2013
Da incompetência
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
1. Passados dois
anos, a maioria dos comentários sobre a acção do Governo, escritos e
falados, são panfletários ou muito próximos disso. A razão é simples: é
extremamente difícil encontrar racionalidade na incompetência.
Há
quem tenha uma espécie de fé no Governo e jure que tem uma lógica
qualquer. Esta lógica não estará ao alcance do entendimento do comum dos
mortais. São raras, mas ainda se consegue ler e ouvir pessoas que
pensam existir uma espécie de pensamento ideológico e uma linha de
actuação definida no Governo. É difícil, mas essas pessoas encontram um
racional para decisões como, por exemplo, a de não pagar o subsídio de
férias a uma parte dos funcionários públicos em Junho havendo dinheiro e
não existindo intenção de passar, no futuro, o pagamento dessa parte do
salário para outro mês. Ou que o Governo não dê uma justificação às
pessoas que tinham a sua vida planeada ou que nem se preocupe em
explicar muito bem explicadinho, como é próprio de uma democracia,
porque se mudam as regras a meio do jogo.
Ainda há mesmo quem
consiga explicar por que diabo o Governo se esqueceu de legislar a tempo
e horas e obrigou Cavaco Silva a uma promulgação que faz que o
Presidente da República pareça uma espécie de pau-mandado ou um mero
corta-fitas de legislação (o que Cavaco Silva faz para salvar o Governo
de um terrível vexame. Não há melhor ministro).
Talvez tenha
existido uma linha ideológica, um pensamento, um plano neste Governo.
Talvez. Se existia nunca chegou a ser conhecido e se chegou a existir já
morreu. Nem o liberalismo de contracapa chegou a revelar-se
inteiramente. O que havia era o memorando e as suas várias correcções e
adendas. Mesmo esse, que foi a única aproximação a um plano que nos foi
dado a conhecer, já se desvaneceu como linha orientadora do Governo.
Porque há uma assinatura que percorre toda a acção governamental: incompetência com muita ignorância à mistura.
Os
responsáveis governamentais não queriam acabar com a classe média como
estão quase a conseguir; não queriam, obviamente, criar estes níveis de
desemprego; não queriam obrigar tanta gente a emigrar; não queriam que a
dívida se tornasse impagável; não queriam destruir a economia
portuguesa por muitos anos. Sem ponta de ironia, claro que não.
Enganaram-se. Foram tão-só incompetentes. E não há nada pior do que um
incompetente bem-intencionado.
Nem vale a pena lembrar "assuntos
menores" como a TSU, dossier RTP, reforma autárquica, confusões na
Concertação Social, os patéticos pacotes de apoio ao crescimento. A
lista de disparates, de negligência grosseira, de erros infantis, não
tem fim.
Aliás, este súbito ódio à troika, ao FMI (é penoso
lembrar os elogios que foram feitos a esta instituição e os pedidos
lancinantes para que viesse para Portugal) e às receitas aplicadas
mostra bem quão mal estes senhores estavam preparados para governar: só
perceberam que o plano não estava a resultar quando toda a gente há
muito tinha percebido, só entenderam que o programa ia fazer piorar o
país quando já este estava de pantanas. É penoso lembrar as palavras de
Passos Coelho e do inefável Catroga sobre a genialidade da negociação
que tinha tornado o plano um programa genial que ia revolucionar
Portugal.
Não sobrou quase nada. Não há discurso, não há uma
linha de rumo, não há um plano. Há apenas uma vontade de sobreviver ao
próximo disparate, ao próximo descalabro orçamental, aos próximos
números do desemprego, aos próximos boletins meteorológicos, aos
próximos humores de Gaspar, aos próximos arrufos de Portas e a muita,
muita incompetência e ignorância sobre o país. Dois anos, apenas em dois
anos.
2. Esta semana Paulo Portas explicou-nos que o que correu
bem no Governo foi por causa dele e o que correu mal teria corrido muito
pior se não fosse ele. Isto foi-nos explicado durante a apresentação de
um programa de governo que será, pelo exposto, radicalmente diferente
daquele em que ele é ministro. Diz que é o plano pós-troika. Só faltou
mesmo mandar um abraço lá para casa a António José Seguro.
Crimes de colarinho
Uma das magistradas que julga o caso BPN considerou que a Galilei, antiga dona do banco, só mantém a atividade devido ao prejuízo de mil milhões de euros que resultaria para o Estado caso a empresa falisse.
Servidores públicos ou vilões?
Não me recordo de ter assistido em Portugal a uma desigualdade de tratamento como aquela com que o Governo tem brindado os trabalhadores do setor público, promovendo descarada e irresponsavelmente a sua estigmatização. A propósito de dois episódios da atualidade política desta semana, proponho-me desfazer alguns mitos que parecem estar a instalar-se na sociedade portuguesa. Refiro-me à publicação da lei que permitiu ao Governo atrasar para novembro o pagamento do subsídio de férias aos funcionários públicos e à divulgação da versão preliminar do relatório da comissão parlamentar de inquérito às parcerias público-privadas (PPP).
Começando pelo subsídio de férias, o Governo encontrou uma forma legal de desrespeitar uma decisão do Tribunal Constitucional, desferindo, na passada, mais um ato de retaliação sobre os funcionários públicos deste país. Na sua deriva neoliberal, fortemente alicerçada na absurda convicção de que tudo o que é público é custo, o primeiro-ministro passa a ideia de que a despesa associada às funções do Estado, incluindo os salários dos seus servidores, constitui a origem dos males que afligem a nação e a razão da dívida e dos sucessivos défices orçamentais.
É falso que existam em Portugal demasiados funcionários públicos, como muito bem comprovam estudos comparativos internacionais. E é também falso que os seus salários sejam superiores aos do setor privado. Impõe-se seriedade nas comparações, ponderando nomeadamente o facto do nível médio de habilitações do público ser bem superior ao do privado.
Outra ideia que perpassa é a de que os funcionários públicos são beneficiados em termos de regalias sociais e fiscais. Não é verdade! O processo de convergência de quase todos os parâmetros da proteção social decorre já há anos. Para os que falam da proteção ao emprego público, eu contraponho o elevadíssimo número de pessoas com contratos precários. Por exemplo, muitos professores, aos quais foram durante décadas negados direitos básicos como o subsídio de desemprego.
A insuspeita Manuela Ferreira Leite veio recordar há umas semanas, no seu comentário habitual na TVI24, que a razão de ser das restrições em matéria de despedimentos no setor público se justificam pela necessidade de manter a independência destes trabalhadores face ao poder dos governos, garantindo-se assim a defesa do Estado e do interesse público. Não tenho dúvidas de que, no dia em que o despedimento na Função Pública for facilitado, a corrupção vai disparar.
E que dizer dos impostos? A economia paralela está a aumentar em Portugal, estimando-se que represente mais de 25% do PIB. Esta atividade económica não registada escapa a todos os impostos, nomeadamente o IVA, o IRS e o IRC. A pergunta que deixo é muito singela: onde está a economia paralela? No setor público ou no setor privado?
E agora as PPP. O relatório agora divulgado revela com clareza que a máquina idealizada e implementada com o patrocínio de vários governos em que participaram PS, PSD e CDS, destinada a fazer obra pública e, em simultâneo, extorquir ao Estado (leia-se, aos contribuintes) umas dezenas de milhares de milhões de euros, com base em projeções de tráfegos e consumos escandalosamente exagerados, tem beneficiários bem identificados: empresas de construção, bancos e escritórios de advogados. O que têm em comum estes protagonistas? Isso mesmo: são todos privados. São esses que recebem os pagamentos que, desde que acabou a brincadeira de os esconder fora do perímetros de contabilização da despesa pública, muito contribuem para a dívida e para os défices insustentáveis. E esse dinheiro faz depois o seu caminho no setor privado, refletindo-se em emprego gerado e em salários.
É esta a verdade que é preciso dizer sobre a dicotomia público e privado. E acabar de vez com a mentira assassina de que os trabalhadores do Estado são os vilões e os restantes são as vítimas. A continuar nesta toada, o primeiro-ministro arrisca-se a que toda uma comunidade de servidores da causa pública abandone o registo bem-comportado, venha para a rua e de lá não saia enquanto ele próprio não abandonar São Bento.
sábado, 22 de junho de 2013
País zero
Para a direita a greve só é válida se não maçar vivalma, se for servida sem o princípio ativo.
Dois anos de governo do caos
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".
A dívida pública cresceu bem mais de 40 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que caiu o produto interno bruto, e ainda mais os salários reais. Cerca de 250 mil portugueses, em particular jovens, foram forçados a emigrar. A geração melhor preparada para desenvolver o país, formada pelo Estado social que o povo pagou, está a ser autenticamente exportada, provocando roturas entre gerações.
Os direitos das pessoas e as suas condições de vida vão sendo nivelados por baixo e a democracia vai-se esvaziando. A "matriz de desenvolvimento" do país assenta numa espiral regressiva - no plano social, económico, cultural e político - apresentada como inevitável face à austeridade e à "necessidade" dos portugueses se purificarem por, pretensamente, terem andado a viver acima das suas possibilidades.
Entretanto, os problemas estruturais continuam por resolver. Não é possível determinar a situação de caos em que pode ser colocada a sociedade portuguesa se prosseguirem estas políticas e continuarem por resolver as questões fundamentais da renegociação da dívida, da definição de um rumo coerente e sustentável do país, no que diz respeito à sua permanência na União Europeia e às opções a tomar quanto ao euro.
Nestes dias em que o Governo procura dar a ideia de estar aí para lavar e durar, e para fazer uma "segunda parte de mandato com novo fôlego", há que, simultaneamente, denunciar o fracasso das suas políticas, reclamar a sua demissão, lutar por alternativas de políticas e de governação, esclarecer a complexidade da situação, criar fatores de esperança e confiança no futuro.
A exploração a que estamos sujeitos é feita de forma ardilosa. E não está encetado um processo de clarificação, de mobilização e responsabilização das organizações sociais e económicas e do povo em geral, quanto a custos e compromissos que é preciso assumir para se sair deste buraco que o Governo PSD/CDS aprofundou brutalmente.
Não podemos permitir que o tempo corra à espera de um qualquer dia em que nos venham dizer, "oficialmente", que a crise acabou, deixando-nos com "cara de bobos agradecidos" e sujeitos a crítica por não acreditarmos que isso seja verdade.
Como escreveu Concha Caballero (El Pais-Andalucía, 18.06), a propósito das políticas seguidas na União Europeia, esse dia só será anunciado "quando a nossa juventude já estiver amestrada na arte de trabalhar quase de graça", "quando já tiverem expulsado do sistema educativo uns 30% dos estudantes sem deixarem rasto", "quando o nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária", "quando nos cobrarem por cada direto, por cada prestação".
A apropriação da riqueza sempre foi feita na esfera da produção. Agora, em cima dessa apropriação há um novo saque, feito a partir da esfera do crédito, colocando as pessoas e o Estado debaixo de fortes dívidas. O valor do trabalho das pessoas e o valor das pensões são espremidos duas vezes.
Com enorme malvadez, foram criados os mercados da saúde, do ensino, da segurança social. Depois criaram o "mercado da dívida pública". Para que esses mercados funcionem, o Estado está transformado em máquina de cobrança de impostos e de intensificação da exploração do trabalho. As receitas obtidas vão para alimentar aqueles mercados e não para sustentar a prestação dos direitos sociais e as atividades necessárias para garantir dignidade e qualidade à vida dos cidadãos.
É por tudo isto, e porque os atuais governantes não se afastarão de uma cartilha ideológica retrógrada, que assistimos ao caos da gestão de Crato sobre a Escola, aos colapsos nos serviços de saúde ou na máquina fiscal.
quinta-feira, 20 de junho de 2013
Corrupção sem rasto
quarta-feira, 19 de junho de 2013
Contratos impunes
O primeiro grande contrato PPP foi a Lusoponte, que já continha o código genético dos ruinosos negócios em que o Estado se envolveu.
Moralizar a gestão da coisa pública
Texto de Pedro Sousa Carvalho, Subdirector do "Diário Económico" hoje publicado nesse jornal.
Os contratos ruinosos das PPP, o buraco das contas públicas da Madeira, a imoralidade dos contratos ‘swaps'.
É só levantar o tapete e ver o lixo que esteve escondido durante o
tempo das vacas gordas e que agora, pouco a pouco, estamos a descobrir.
Até lixo tóxico encontramos.
Hoje em dia, com as dificuldades que as
pessoas estão a passar, é quase ofensivo dizer que há um lado bom na
crise. Mas há. Estamos todos mais sensíveis e mais alertas para casos de
abusos, gestão danosa, demagogias ou simplesmente incompetência a gerir
a coisa pública.
Ontem ficámos a conhecer o relatório preliminar da Comissão de
Inquérito às PPP. Um relatório arrasador para um sem número de
governantes que - por incompetência ou outro motivo qualquer que a
Justiça há-de descobrir - foram cúmplices em contratos altamente lesivos
para os interesses do Estado e dos contribuintes. PPP que garantiam aos
privados taxas de rentabilidade de dois dígitos e que passavam o risco
dos contratos para os contribuintes. Contratos que foram assinados,
negociados e renegociados e que podem lesar os contribuintes em nove mil
milhões de euros.
Também ontem ficámos a saber que o Estado já gastou mil milhões de
euros para tapar os buracos dos contratos ‘swaps'. E se o Santander
fizer finca-pé, o estrago para cofres do Estado pode chegar a 2,5 mil
milhões.
Hoje estamos todos mais sensíveis para descobrir estas
situações, mas isso não chega. É preciso dar o passo em frente para
moralizar a política e a gestão dos bens públicos.
O que vai acontecer aos gestores das empresas públicas que fizeram
contratos ‘swaps' tóxicos? São despedidos e depois amigos como dantes?
Onde pára a auditoria do Tribunal de Contas sobre as parcerias
rodoviárias que encontrou ‘compensações contingentes' ou contratos
paralelos nas PPP? Não tinha seguido para a PGR e para o DCIAP?
Em que gaveta da PGR pára a investigação à ocultação de dívidas
públicas na Madeira que Alberto João Jardim publicamente assumiu ter
escondido e que nós ainda hoje estamos a pagar?
Não basta levantar o tapete e constatar que há lixo escondido. É
preciso varrer e afastar dos cargos públicos quem não sabe gerir a coisa
pública. E aqui a nossa justiça tem tardado e tem falhado.
terça-feira, 18 de junho de 2013
Portugal cativo
A recente indecisão em torno do pagamento dos subsídios de férias aos funcionários públicos veio nos recordar, ruidosamente, de que estamos perante um dos mais cobardes, impunes e cínicos governos da história da democracia portuguesa.
Cobarde, sim, pois o Governo da República, escudado no manto da sua legitimidade parlamentar (pois questiono a sua legitimidade popular), sem que alguma vez tenha anunciado tais medidas aquando do seu diálogo genético com os portugueses (leia-se campanha eleitoral), e depois do Tribunal Constitucional ter chumbado tais pretensões, regressa na insistência de interferir de forma obtusa e abusiva - e sem que permissão lhe tenha sido dada - na vida de milhares de portugueses, que apenas procuram ter a oportunidade de poderem organizar as suas vidas - e as suas merecidas férias - de forma ordeira e pacifica. E fá-lo, ou procura fazê-lo, impunemente, pois sabe que pode aproveitar-se da paciência institucional da Presidência da República para sustentar a ambição de procurar circum-navegar as decisões do Tribunal Constitucional.
Ironicamente, este comportamento revela também como um cinismo atroz se apoderou com facilidade de todas as putativas definições ideológicas e coerências discursivas que em tempos o Executivo de Passos Coelho procurou fixar, pois para um governo que se gaba(va) das suas raízes liberais, o grau de interferência directa na vida dos cidadãos atinge níveis de ingerência de fazer inveja a muitos regimes totalitários. E o pior é que esta intromissão se revela aleatória e imprevisível, sequestrando lenta e progressivamente o País, que hoje se encontra refém das vontades fortuitas de um governo socialmente alienado e obcecado apenas com alter-realidades estatísticas e os seus miseráveis impactos numéricos.
Infelizmente, este sequestro às liberdades de um povo tem-se alargado de forma substantiva a diversos sectores da sociedade política, contaminando movimentos sociais e sindicatos, partidos e políticos. Estes, também de forma demagógica e abusiva, têm procurado estratégica e sistematicamente capturar a liberdade e a energia do descontentamento social - de pura origem popular -, para, depois de operadas as transformações discursivas necessárias, visarem a total apropriação de uma narrativa social que não procura institucionalização.
É neste múltiplo sequestro que se encontra hoje Portugal. Um sequestro asfixiante que nos coíbe de respirar liberdade, pois se é verdade que este Governo já não fala em nome dos portugueses, também os sindicatos já não falam em nome da maioria dos trabalhadores que se dizem representar, nem os movimentos sociais falam em nome das centenas de milhar que ocupam as ruas e avenidas em cada momento de protesto.
Resta saber que nova variante do síndroma de Estocolmo tomará conta do eleitorado nacional, com qual dos seus captores desenvolverá ele uma relação de proximidade (eleitoral). Até porque, sabendo o País institucionalmente cativo da vontade de um Presidente estático e da ambição desmedida de um sequestrador profissional (leia-se Paulo Portas), só o voto nos permite aceder a um momento de respiração totalmente liberto de todos os nossos sequestradores.
sexta-feira, 14 de junho de 2013
As leis, estas malditas leis
Texto de Paulo Ferreira hoje publicado no
"Jornal de Noticias"
A lei dos serviços mínimos atrapalha as intenções do ministro da Educação? O primeiro-ministro diz que é preciso revê-la, ao mesmo tempo que assiste de cátedra ao incêndio de consideráveis dimensões que consome o sistema educativo.
A lei que obriga à reposição do subsídio de férias atrapalha as contas do Governo? Inventa-se outra para minorar os danos.
As leis em que o Tribunal Constitucional sustentou o chumbo aos dois últimos orçamentos do Estado são um incómodo? Extirpe-se o que nelas incomoda.
O caminho é perigoso? É. Mas, perante a enormidade do confronto entre o Governo e as leis, apenas se vislumbram duas possibilidades: ou mudam as leis, ou muda o Governo. Verdade que há uma terceira hipótese: o Governo, por estar em maioria no Parlamento, pode sempre mudar as leis de que manifestamente não gosta, opção tributária da perigosa conclusão segundo a qual "vão as leis onde querem os reis".
O meu professor de Introdução aos Princípios Gerais do Direito disse um dia, perante uma atónita e tenrinha plateia de alunos, que a lei existe para ser contornada. Percebi anos mais tarde que o sucesso dos escritórios de advogados está intrinsecamente ligado a esta capacidade de encontrar no corpo das normas os buracos que permitem escapar à sua explícita determinação. Pelos milhões de euros que este negócio rende percebe-se que há gente muito, mas mesmo muito, eficaz e profissional a tratar de torcer a lei até que ela diga o que convém.
O que, francamente, nunca pensei ver foi um Governo a dedicar-se a tal exercício, arriscando pôr em causa uma conquista que custou a alcançar: o primado do Estado de Direito. Costuma dizer-se que há uma regra imutável no Direito: a lei é dura, mas é lei. Para este Governo, a lei é moldável. Depende das circunstâncias. Um perigo, um perigo.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
A escolha de Bilderberg
Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
Não é preciso um governo mundial para haver governação global. Porque a
governação global não é feita de regulações centralizadas por
instituições de escala mundial mas sim da definição de modelos de
regulação e da adoção de um quadro ideológico de referência que
dispensam amarrações institucionais.
Robert Cox, um dos vultos
maiores da reflexão académica contemporânea sobre relações
internacionais, sintetiza no conceito de "nebulosa" essa autoria difusa
da governação global. Define-a assim: "Uma elite indeterminada de
influentes e de agências que partilham um bloco de ideias e que
desempenham em conjunto a função de governação. A política e a doutrina
são desenvolvidas e difundidas através de conclaves não oficiais (por
exemplo, a Comissão Trilateral, as conferências de Bilderberg, as
cimeiras económicas anuais de Davos, etc.) e de organismos
intergovernamentais e de peritos: os comités da OCDE, o Banco de
Pagamentos Internacionais de Basileia ou as cimeiras do Banco Mundial e
do FMI." E acrescenta: "Não há um processo de decisão formal, há sim um
conjunto complexo de redes interligadas que criam uma ideologia
económica comum e que injetam este produto consensual nos processos
nacionais de decisão. A nebulosa é simultaneamente externa e interna aos
Estados."
É pois nesse espaço informal e nebuloso que se define o
que é good governance e o que não o é. E essa informalidade é o rosto
não democrático do poder mundial. As ideias, os modelos, os discursos,
as escolhas, as cumplicidades, são inoculados nos "líderes" nesses
espaços imunes ao contágio da exigência democrática.
O Clube de
Bilderberg - como a Comissão Trilateral ou o Forum de Davos - não tem
que ser visto como sinónimo de conspiração obscura para poder ser
avaliado politicamente. Embarcar em exercícios estilo Código Da Vinci na
leitura da influência destes atores dá preferência à novela sobre a
política. Desde 1954, o Clube de Bilderberg reúne elites políticas,
empresariais e militares. Com discrição, sem holofotes, sem povo e com
muito poder - o poder do contágio, o poder da modelização do olhar e do
discurso, o poder da limitação da escolha política. Bilderberg é o
centrão em escala mundial. E é para facilitar a perpetuação do centrão
que manda - na finança, nos media, na produção de senso comum, na
elaboração de políticas - que o clube serve.
António José Seguro
participa com Paulo Portas na conferência de Bilderberg de 2013. Sendo
um convite de Francisco Pinto Balsemão, é uma escolha do
secretário-geral socialista. E é uma escolha francamente preocupante
para quem quer dar densidade programática concreta a uma alternativa de
esquerda ao atual Governo das direitas em Portugal. Acreditar que
António José Seguro seja convidado para sensibilizar os CEO e os
estrategas de Bilderberg para os graves problemas do emprego e do
crescimento na Europa é o mesmo que acreditar que um simpatizante da
não-violência converterá uma claque de futebol organizada à tolerância e
ao fair play. Não, sabidamente Seguro participa no exercício anual de
densificação de uma rede de poder. Só isso. E isso tem um enorme
significado.
terça-feira, 4 de junho de 2013
Privatização dos CTT: a anatomia de um crime
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".
A forma como os CTT têm feito os encerramentos das estações de correios,
transferindo, quando o faz, para postos em floristas e mercearias (e
para juntas de freguesia, o que, apesar de tudo, é bem mais aceitável),
as suas funções, de um dia para outro, sem avisar os utentes e as
populações, é indigna de uma empresa pública. Mas corresponde a
uma cultura de cobardia e desrespeito pelos cidadãos que este governo
promove em todo o Estado, das finanças às forças de segurança, das
empresas públicas aos ministérios. Não vou aqui discutir esta opção,
porque imagino que haverá casos muito diferentes. Sei que ela resulta da
redução de tráfego o que não é exatamente o mesmo que a redução de clientes.
A primeira é o único critério para uma empresa privada, a segunda é
fundamental para uma empresa que presta um serviço público.
Seja como for, é evidente que estas decisões estão ligadas ao processo de privatização dos Correios. Quer-se, explicou um deputado da maioria à SIC, "reduzir os passivos e valorizar os ativos". A ideia de serviço público está, como é normal neste governo, ausente do discurso. Porque esta maioria não compreende que os
Correios são, para muitas pessoas, sobretudo idosos ou a viver em zonas
isoladas, um dos poucos contactos físicos com o Estado. E isso, num serviço público, é um "ativo".
De todas as privatizações que foram e estão a ser
feitas, a dos CTT é, com a da REN e a das Águas de Portugal, a mais
criminosa. Os Correios dão lucro. Desde do início dos anos 90,
quando as telecomunicações foram autonomizadas do serviço postal, que a
empresa respira saúde, coisa que se acentuou a partir de 1996. Até lá, o
serviço postal ajudava a pagar investimentos na área das
telecomunicações. Investimento de que a Portugal Telecom (que juntou TLP
e telecomunicações dos CTT) privatizada veio a beneficiar. Desde que a
separação se deu ficou claro que o serviço postal era plenamente
sustentável e, prestando um serviço público de referência em toda a
Europa (e sendo uma das empresas com melhor imagem junto dos
portugueses), ainda dá dinheiro a ganhar ao Estado. Dinheiro de que o Estado precisa.
Mesmo assim, os Correios perderam várias oportunidades. O melhor exemplo foi a não criação, ao contrário do que chegou a estar projetado, de um banco postal.
Algo que esteve para ser feito em coordenação com a Caixa Geral de
Depósitos e que permitiria à banca pública ter uma cobertura nacional
plena e aos Correios rentabilizar a sua rede de balcões. Os bancos
privados não desejam ter um banco público demasiado forte. E se os
bancos privados não querem os administradores da CGD, que saltitam do
privado para o público e do público para o privado, também não. Foi a
CGD do Estado que sempre boicotou esta excelente ideia que daria aos CTT
um novo fôlego como empresa pública e que tornariam as estações de
correios muito mais usadas pelas populações.
Muitos carteiros foram substituídos por contratados sem vínculo nem formação, com deterioração da qualidade do serviço. Os certificados de aforro, que eram a poupança dos remediados, foram dizimados enquanto se garantiam benefícios fiscais aos PPR. Foram encerradas dezenas de estações,
dando mais um precioso contributo para a desertificação do interior.
Tudo ao contrário do que devia ser. E, mesmo assim, os CTT continuam a
ser uma empresa de referência.
O deputado Adriano Rafael Moreira, do PSD, justificou esta privatização com um chavão ideológico: o Estado é "mau gestor". A deputada Ana Drago
recordou-lhe que ele mesmo fora administrador da CP. Cito, porque não
diria melhor: "Não disse, quando lhe foi feito o convite - eu não creio
que o Estado seja um bom gestor e portanto acredito na iniciativa
privada. Não, o senhor sentou-se nas reuniões do conselho de
administração e recebeu o ordenado. Portanto, quando o senhor diz que o
Estado é mau gestor está aqui a truncar a mensagem. Não é o Estado,
entidade pública que representa a soberania popular, que é mau gestor.
São os senhores. Têm nome. É o senhor. Foi mau gestor, é verdade.
Como foi Paulo Braga Lino, é verdade. Como foi Juvenal Silva Peneda. Mau
gestor, é verdade. Como foi Maria Luísa Albuquerque, que fez contratos swap
em nome da Refer. Má gestora, é verdade. São os senhores, não é o
Estado. São os senhores que aceitam os lugares no Estado, recebem o
ordenado, sentam-se à mesa da administração, destroem o serviço público
e, em cima da desgraça que provocaram, vêm dizer que o Estado é mau
gestor." É isto mesmo que acontece: boys políticos tomam conta das
empresas públicas, gerem-nas mal, para, usando como argumento a sua
própria incompetência, virem, eles mesmos, sem qualquer pudor ou
vergonha, defender a sua privatização. Porque o Estado (eles
próprios) é mau gestor. Mas, nem com este fado se conseguiu que os CTT
fossem uma empresa deficitária. O que não impede que o mesmo argumento
volte a ser usado.
Há pelo menos dois candidatos prováveis à privatização completa dos CTT: Urbanos e Correios do Brasil (ECT). Uma empresa de distribuição e uma empresa pública estrangeira. Ou seja, uma empresa que não terá, como é evidente, qualquer preocupação com o serviço público ou, à semelhança do que aconteceu com parte da EDP, uma nacionalização de uma empresa portuguesa que passa a estar dependente das decisões de um Estado estrangeiro.
Portugal continua a aceitar a nacionalização de empresas, tendo como
proprietários outros Estados. Nem imagino as cambalhotas que um liberal
tem de dar para defender esta aberração. Talvez achem que os Estados
brasileiro ou chinês são "bons gestores".
A privatização dos CTT é inaceitável de dois pontos
de vista: do ponto de vista dos interesses dos cidadãos e dos interesses
do Estado.
Os Correios são um instrumento de coesão social e territorial. Aos privados interessará apenas o filé mignon:
Lisboa, Porto e cidades mais populosas. Das três uma: ou abandonam as
regiões mais remotas do país, ou fazem preços diferenciados, ou o Estado
financia o que não rende. Ou seja, privatiza o lucro e mantêm o
prejuízo nacionalizado. Em qualquer um dos casos, ficamos a perder. Não é
por acaso que só cinco países europeus deram, com maus resultados, este
passo e nem nos Estados Unidos a privatização da lendária USPS é
assunto de debate. Não é por acaso que a empresa pública de correios
brasileira quer comprar e não vender. Tendo em conta que os CTT dão
lucro, a diferença não está nos encargos da propriedade pública dos
correios. Está na cegueira dos nossos governantes.
Em tempo de aflição e com a cada vez mais evidente irresponsabilidade deste governo, esta privatização será sempre uma venda em saldo e não terá nenhum efeito no défice.
O dinheiro irá direto para os credores, porque os resultados das
privatizações têm de ir, obrigatoriamente, para o pagamento do serviço
da dívida. Do ponto de vista orçamental, tem apenas efeitos nas despesas
com os juros da dívida. Ora, só os CTT e os vinte por cento na EDP
recentemente privatizados davam ao Estado, em dividendos, todos os anos,
o mesmo que se ganha na redução dos custos da dívida com todas as
privatizações feitas e planeadas para estes anos. Com uma diferença: depois de paga a dívida, perdeu-se um ativo.
Como escrevi, Portugal será um dos poucos países da
Europa a não ter um serviço postal público. Um serviço fundamental para
qualquer ideia de soberania. Se a isto juntarmos a privatização de quase
todos os transportes públicos, dos aeroportos, da companhia aérea, da
REN e das águas (como os Correios, monopólios naturais), num país sem
autonomia monetária, percebemos que Portugal, quando este governo se for embora, dificilmente poderá voltar a chamar-se a si próprio de Estado soberano.
Pela simples razão de ter perdido todos os instrumentos de soberania
económica e territorial, incluindo os que lhe davam dinheiro a ganhar.
Pouco sobreviverá, para além da cobrança de impostos e dos tribunais,
que permita aos portugueses determinar seja o que for sobre a sua
própria vida e o seu futuro. Não é fácil encontrar na história um
País que, não estando sob ocupação, tenha, voluntariamente, desistido de
todos os instrumentos que garantam a sua própria independência.
A privatização da REN, das Águas de Portugal e dos CTT são, depois de feitas, praticamente irreversíveis.
Ou passaríamos por um período revolucionário (que ninguém prevê e
poucos desejam), ou os valores necessários para recuperar estas empresas
serão incomportáveis para os cofres públicos. Esta é uma das razões
pela quais a queda deste governo é uma urgência nacional. Se não for,
como deveria ser, para construir uma alternativa, que seja para travar
tanta irresponsabilidade que, depois de feita, dificilmente terá
remédio. Os turcos ergueram-se para salvar um parque. Não conseguirão os
portugueses fazer o mesmo para salvar uma das poucas joias da sua já
tão delapidada coroa?