Texto de Daniel Deusdado hoje publicado no Jornal de Noticias.´´
1. O país preso por
arames e uma greve geral, de novo. Inútil porque representa um tempo que
a impotência defronta a prepotência atroz. A expressão cívica das
pessoas, mesmo que massiva, é olhada como caricatura, uma válvula de
escape, com resultado quase zero. Hoje parece evidente que o país não se
fartou apenas da austeridade, fartou-se primeiro da cabotinice,
impreparação e, por fim, arrogância de Pedro Passos Coelho e Vítor
Gaspar. E a única coisa eficaz para mudar o curso da História é
pressionar Cavaco Silva para que não se perca mais tempo. O Governo já
não existe há muito tempo.
O presidente da República labora num
engano trágico para a nossa vida desde o 15 de setembro. Aquele dia é
cristalino sobre a sensação de engano dos portugueses, sobre a queda da
máscara, sobre um ideário arrasador quanto ao esmagamento para que
caminhava a economia portuguesa em nome de um processo de liberalização a
qualquer custo que nos torna numa espécie de Panamá dos grandes
interesses financeiros e económicos. Pode dizer-se que Passos Coelho
enunciou muitos destes princípios na campanha eleitoral. Mas a maioria
dos portugueses queria mais depressa ver-se livre de Sócrates do que ver
com atenção quem eram os amigos do líder do PSD e qual o seu objetivo
primeiro: impor uma modernização do país à moda de António Borges e Dias
Loureiro.
É totalmente falso que a estabilidade política valha
mais que a descrença total de empresários e trabalhadores. O presidente
da República sabe melhor que ninguém que o Conselho Económico e Social,
onde estão representados os sindicatos e confederações sindicais, tem
uma unanimidade nunca antes vista contra o irrealismo de Vítor Gaspar e
Passos Coelho. Aquelas reuniões são o melhor exemplo do absurdo a que se
chegou. Portanto, a única coisa eficaz não é a greve, é cercar Cavaco
Silva onde quer que ele vá, até que acorde. Fazer um cordão humano
permanente ao Palácio de Belém. Lembrar-lhe todos os dias que nos está a
condenar a ir ao fundo, agarrados a pessoas absolutamente incompetentes
e algumas delas amorais.
2. Exemplo desta
tragédia é o que se passa com a liquidação dos famosos swaps. Os
gestores das empresas públicas seguraram o risco da taxa de juro com
contratos (milionários) que enriqueceram a Banca. Os mais ousados
fizeram até contratos especulativos que os tornaria brilhantes magos da
alta financeira (e risco à custa dos contribuintes). Entretanto... pagar
isto entra na lógica das urgências do Governo. Porquê? Amortizar
contratos com perdas potenciais exatamente neste momento é fazê-lo numa
altura em que os juros dificilmente poderão descer mais. É pagar a
'multa' tendo por base o valor mais baixo da penalização e não o seu
valor médio (perder mais do que se perderia agora é praticamente
impossível). Apesar do desconto feito ao Governo na renegociação, são
800 milhões para pagamento imediato aos bancos. Entretanto não há
dinheiro para os subsídios de férias, o que significa mais um tiro no
turismo. Que gente é esta?
3. Continua a fazer
impressão por que razão não se discute essa decisão 'técnica' de passar a
aplicar a quase totalidade do Fundo de Estabilização da Segurança
Social apenas em dívida portuguesa. Atualmente as nossas futuras
reformas estão colocadas a 60% em dívida pública nacional e os restantes
40% em outros ativos financeiros, para diversificar o risco. Mas Gaspar
quer meter o dinheiro todo em dívida nacional. A pergunta que se coloca
é: Portugal corre ou não o risco de necessitar de um perdão de dívida?
Sabemos que Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar não o querem, mas há quem
ache que não conseguimos sobreviver com 130% de dívida pública face ao
PIB (produto interno bruto). Ora, estamos a ser entalados contra a
parede pelo Governo. As gerações mais velhas e os trabalhadores em geral
vão ser as principais vítimas do perdão de dívida do país, caso ele
exista. E se tal acontecer será como discutir se queremos destruir boa
parte das reservas da Segurança Social (para ter menos dívida e menos
juros) ou, em alternativa, não ter retoma económica porque o défice é
igual aos juros da dívida. É sinistro. É o que se chama ser-se
ultraliberal com a vida dos outros.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
Governo nem uma greve merece
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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