Texto de José Mendes hoje publicado no "Jornal de Noticias".
Não me recordo de ter assistido em Portugal a uma desigualdade de
tratamento como aquela com que o Governo tem brindado os trabalhadores
do setor público, promovendo descarada e irresponsavelmente a sua
estigmatização. A propósito de dois episódios da atualidade política
desta semana, proponho-me desfazer alguns mitos que parecem estar a
instalar-se na sociedade portuguesa. Refiro-me à publicação da lei que
permitiu ao Governo atrasar para novembro o pagamento do subsídio de
férias aos funcionários públicos e à divulgação da versão preliminar do
relatório da comissão parlamentar de inquérito às parcerias
público-privadas (PPP).
Começando pelo subsídio de férias, o
Governo encontrou uma forma legal de desrespeitar uma decisão do
Tribunal Constitucional, desferindo, na passada, mais um ato de
retaliação sobre os funcionários públicos deste país. Na sua deriva
neoliberal, fortemente alicerçada na absurda convicção de que tudo o que
é público é custo, o primeiro-ministro passa a ideia de que a despesa
associada às funções do Estado, incluindo os salários dos seus
servidores, constitui a origem dos males que afligem a nação e a razão
da dívida e dos sucessivos défices orçamentais.
É falso que
existam em Portugal demasiados funcionários públicos, como muito bem
comprovam estudos comparativos internacionais. E é também falso que os
seus salários sejam superiores aos do setor privado. Impõe-se seriedade
nas comparações, ponderando nomeadamente o facto do nível médio de
habilitações do público ser bem superior ao do privado.
Outra
ideia que perpassa é a de que os funcionários públicos são beneficiados
em termos de regalias sociais e fiscais. Não é verdade! O processo de
convergência de quase todos os parâmetros da proteção social decorre já
há anos. Para os que falam da proteção ao emprego público, eu
contraponho o elevadíssimo número de pessoas com contratos precários.
Por exemplo, muitos professores, aos quais foram durante décadas negados
direitos básicos como o subsídio de desemprego.
A insuspeita
Manuela Ferreira Leite veio recordar há umas semanas, no seu comentário
habitual na TVI24, que a razão de ser das restrições em matéria de
despedimentos no setor público se justificam pela necessidade de manter a
independência destes trabalhadores face ao poder dos governos,
garantindo-se assim a defesa do Estado e do interesse público. Não tenho
dúvidas de que, no dia em que o despedimento na Função Pública for
facilitado, a corrupção vai disparar.
E que dizer dos impostos? A
economia paralela está a aumentar em Portugal, estimando-se que
represente mais de 25% do PIB. Esta atividade económica não registada
escapa a todos os impostos, nomeadamente o IVA, o IRS e o IRC. A
pergunta que deixo é muito singela: onde está a economia paralela? No
setor público ou no setor privado?
E agora as PPP. O relatório
agora divulgado revela com clareza que a máquina idealizada e
implementada com o patrocínio de vários governos em que participaram PS,
PSD e CDS, destinada a fazer obra pública e, em simultâneo, extorquir
ao Estado (leia-se, aos contribuintes) umas dezenas de milhares de
milhões de euros, com base em projeções de tráfegos e consumos
escandalosamente exagerados, tem beneficiários bem identificados:
empresas de construção, bancos e escritórios de advogados. O que têm em
comum estes protagonistas? Isso mesmo: são todos privados. São esses que
recebem os pagamentos que, desde que acabou a brincadeira de os
esconder fora do perímetros de contabilização da despesa pública, muito
contribuem para a dívida e para os défices insustentáveis. E esse
dinheiro faz depois o seu caminho no setor privado, refletindo-se em
emprego gerado e em salários.
É esta a verdade que é preciso
dizer sobre a dicotomia público e privado. E acabar de vez com a mentira
assassina de que os trabalhadores do Estado são os vilões e os
restantes são as vítimas. A continuar nesta toada, o primeiro-ministro
arrisca-se a que toda uma comunidade de servidores da causa pública
abandone o registo bem-comportado, venha para a rua e de lá não saia
enquanto ele próprio não abandonar São Bento.
domingo, 23 de junho de 2013
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