Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".
Provavelmente nenhum outro Governo, até hoje, invocou tanto os objetivos
da estabilidade e da equidade como o atual. Contudo, das suas políticas
resulta uma desestruturação da sociedade, uma instabilidade e um caos
social sem paralelo.
A dívida pública cresceu bem mais de 40 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que caiu o produto interno bruto, e ainda mais os salários reais. Cerca de 250 mil portugueses, em particular jovens, foram forçados a emigrar. A geração melhor preparada para desenvolver o país, formada pelo Estado social que o povo pagou, está a ser autenticamente exportada, provocando roturas entre gerações.
Os direitos das pessoas e as suas condições de vida vão sendo nivelados por baixo e a democracia vai-se esvaziando. A "matriz de desenvolvimento" do país assenta numa espiral regressiva - no plano social, económico, cultural e político - apresentada como inevitável face à austeridade e à "necessidade" dos portugueses se purificarem por, pretensamente, terem andado a viver acima das suas possibilidades.
Entretanto, os problemas estruturais continuam por resolver. Não é possível determinar a situação de caos em que pode ser colocada a sociedade portuguesa se prosseguirem estas políticas e continuarem por resolver as questões fundamentais da renegociação da dívida, da definição de um rumo coerente e sustentável do país, no que diz respeito à sua permanência na União Europeia e às opções a tomar quanto ao euro.
Nestes dias em que o Governo procura dar a ideia de estar aí para lavar e durar, e para fazer uma "segunda parte de mandato com novo fôlego", há que, simultaneamente, denunciar o fracasso das suas políticas, reclamar a sua demissão, lutar por alternativas de políticas e de governação, esclarecer a complexidade da situação, criar fatores de esperança e confiança no futuro.
A exploração a que estamos sujeitos é feita de forma ardilosa. E não está encetado um processo de clarificação, de mobilização e responsabilização das organizações sociais e económicas e do povo em geral, quanto a custos e compromissos que é preciso assumir para se sair deste buraco que o Governo PSD/CDS aprofundou brutalmente.
Não podemos permitir que o tempo corra à espera de um qualquer dia em que nos venham dizer, "oficialmente", que a crise acabou, deixando-nos com "cara de bobos agradecidos" e sujeitos a crítica por não acreditarmos que isso seja verdade.
Como escreveu Concha Caballero (El Pais-Andalucía, 18.06), a propósito das políticas seguidas na União Europeia, esse dia só será anunciado "quando a nossa juventude já estiver amestrada na arte de trabalhar quase de graça", "quando já tiverem expulsado do sistema educativo uns 30% dos estudantes sem deixarem rasto", "quando o nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária", "quando nos cobrarem por cada direto, por cada prestação".
A apropriação da riqueza sempre foi feita na esfera da produção. Agora, em cima dessa apropriação há um novo saque, feito a partir da esfera do crédito, colocando as pessoas e o Estado debaixo de fortes dívidas. O valor do trabalho das pessoas e o valor das pensões são espremidos duas vezes.
Com enorme malvadez, foram criados os mercados da saúde, do ensino, da segurança social. Depois criaram o "mercado da dívida pública". Para que esses mercados funcionem, o Estado está transformado em máquina de cobrança de impostos e de intensificação da exploração do trabalho. As receitas obtidas vão para alimentar aqueles mercados e não para sustentar a prestação dos direitos sociais e as atividades necessárias para garantir dignidade e qualidade à vida dos cidadãos.
É por tudo isto, e porque os atuais governantes não se afastarão de uma cartilha ideológica retrógrada, que assistimos ao caos da gestão de Crato sobre a Escola, aos colapsos nos serviços de saúde ou na máquina fiscal.
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