Algumas reacções publicadas em jornais ao discurso infeliz e imbecil de Passos Coelho no comicio do PSD no Algarve.
Pedro no Pontal
Alberto Gonçalves, Diário de Noticias
"No excitante discurso da excitante rentrée, Pedro Passos Coelho não brindou os jornais com manchetes prontas a utilizar, género "Que se lixem as eleições!". A hora é de entrelinhas, e o desprendimento, por bonito que seja, tem limites, e já ninguém, incluindo o próprio primeiro-ministro, finge acreditar nele.
Tudo espremido, do Pontal saíram dois arremedos de ideias, ou duas informações codificadas. Uma: "Temos de cumprir as metas orçamentais e ainda encontrar outra medida de efeito orçamental equivalente ao corte de subsídios. Não vai ser fácil, mas temos de o fazer e serei eu próprio a anunciá-lo no momento certo." Outra: "Estou muito confiante, apesar das adversidades externas, que nós temos todas as condições para que 2013 seja um ano já de estabilização da nossa economia e de preparação da recuperação económica para Portugal."
Traduzida, a primeira "ideia" anuncia as próximas medidas de austeridade, naturalmente concebidas por quem manda e patrocinadas por quem obedece. A segunda "ideia" sugere o advento da lendária "retoma", enquanto de facto prepara terreno para justificar o respectivo e previsível falhanço com as igualmente lendárias "adversidades externas". É um filme muito visto.
Tão visto que, na verdade, dispensa a exegese das palavras do dr. Passos Coelho. Não vale a pena adivinharmos aquilo que o homem quer dizer na medida em que é altamente previsível aquilo que o homem acabará por fazer: o que o indígena médio faria no lugar dele. O objectivo imediato consiste em encolher suficientemente o défice para manter a confiança (e o dinheiro) da troika. De que maneira? Emagrecendo o rendimento dos contribuintes, pequeno vício que a troika afinal tolera, e evitando bulir nas sinecuras do Estado, ofensa que as clientelas não tolerariam. O segredo é iludir o povo ordeiro com promessas de mudança e apaziguar o restante com a certeza de que pouco ou nada mudará. Se alcançado, o equilíbrio permitirá ao dr. Passos Coelho aguentar-se no poder até 2015 e, se não for maçada, vencer as eleições de então, o objectivo supremo. Sem surpresa nenhuma, lixados estamos nós. "
(Transcrição parcial)
Acelerar alternativas
Texto de Manuel Carvalho da Silva, Jornal de Noticias
" As ideias e propostas que Passos Coelho transmitiu aos portugueses, no passado dia 14 de agosto, desafiam as forças políticas, sociais e económicas e os cidadãos que dizem não à política de desastre nacional a um esforço redobrado para a construção de políticas e soluções governativas alternativas, que tragam progresso para o país.
O discurso foi, em vários aspetos, um desastre. Não porque o cidadão Passos Coelho estivesse menos feliz ou se "espalhou", mas sim porque as políticas da governação externa (da troika) e, em particular, da governação interna (do PSD/PP) são desastrosas. Elas estão a infernizar a vida de milhões de portugueses no imediato e a comprometer o nosso futuro coletivo.
As mensagens de Passos Coelho, primeiro-ministro (PM) de Portugal, devem ser tomadas como um facto de relevo face ao seu conteúdo e ao contexto político em que vivemos.
O PM nada disse sobre o enquadramento de Portugal na União Europeia (U.E.) e sobre as políticas erróneas que estão a ser impostas nesse espaço; ignorou o significado dos graves indicadores sobre o emprego e a economia conhecidos nos últimos dias, e não apresentou nenhuma medida política nessas áreas vitais; vendeu gato por lebre e prometeu o que não poderá cumprir; colocou a Constituição da República Portuguesa como obstáculo e relevou uma patranha a que chama "regra de ouro" para, numa conceção neoliberal e retrógrada, justificar o não investimento e atacar a solidariedade entre gerações; anunciou aos portugueses mais austeridade, sem um mínimo de garantia de os violentos sacrifícios nos conduzirem a um futuro melhor.
O PM não pode, com verdade, dizer que "no mais importante ganhámos", pois, nem com todas as manipulações contabilísticas e com os saques feitos diretamente aos trabalhadores e ao povo, vai cumprir os objetivos de redução do défice.
O PM sabe que a dívida continuará a aumentar. Os juros e compromissos de Portugal para com os seus credores (e agiotas) conduz inevitavelmente para aí, e a nossa economia está a debilitar-se. A produção industrial caiu 4,4% num ano. As exportações estão a desacelerar e o contexto europeu não lhes vai ser favorável.
Temos crescimento da exportação de ouro, o que não admira quando vemos proliferar por cidades e vilas as casas de "Compra e Venda". Os portugueses estão a vender os anéis para sobreviver e as políticas seguidas aprisionam-lhes os dedos e as capacidades físicas e intelectuais.
Como pode Passos Coelho dizer que "no mais importante ganhámos" perante a violenta destruição de emprego, que num ano atingiu mais 205 mil pessoas, ou quando temos 827 000 desempregados e cerca de 1,3 milhões de desempregados e subempregados?
Como pode ser feita aquela afirmação perante os graves bloqueios com que se depara a juventude?
Um estudo conhecido esta semana mostra-nos cerca de 70% dos alunos universitários a pensarem emigrar, surgindo à cabeça os estudantes de engenharia, de tecnologias e de arquitetura. A emigração de jovens (muitos qualificados) em massa e a existência de uma baixa taxa de fertilidade condicionarão o de-senvolvimento da sociedade portuguesa por longo tempo.
É uma autêntica fraude dizer que vai haver crescimento económico num quadro de acentuada quebra salarial, de inexistência de investimento, de privatizações oportunistas, de destruição de empresas, de reformismo retrógrado no ensino e na saúde, de aumento dos combustíveis e das rendas de casa.
Para o PM quais são os reais problemas dos portugueses?
Este discurso torna mais urgente "mobilizar as energias e procurar os denominadores comuns entre todos os que estão disponíveis para realinhar as alianças na U.E. e reforçar a frente dos que se opõem à austeridade e pugnam pela solidariedade, pela coesão social, pelo Estado de Bem-Estar e pela efetiva democratização das instituições europeias" como é assumido na "Convocatória para um Congresso Democrático das Alternativas".
Travar o ciclo vicioso austeridade/recessão/austeridade é hoje um imperativo que não se compadece com ciclos eleitorais normais."
Passodologia
Joana Amaral Dias, Correio da Manhã
"Já se sabe que a festa do PSD no Pontal é um dos maiores comícios-feira do país. Mas, este ano, em que a coisa foi transferida da rua para uma caixa de fósforos, não fosse o povo tecê- -las, ainda mais entre quem sofre as passas do Algarve, os sociais-democratas atingiram o grau zero.
Além dos moralismos meio salazarentos meio merkelianos, Passos Coelho conseguiu nada dizer além da ladainha a troika custe o que custar, a troika ama-te e não há vida além da troika. Nem uma palavra sobre dois aspectos cruciais: orçamento e desemprego, que o Primeiro--ministro considera que não é um problema importante mas tão-só uma "nota negativa". Isto no dia em que se soube que 15% de portugueses já não têm emprego.
Calma. Como em qualquer festa do Pontal, existiram dois momentos futurologistas. Passos Coelho já não quer que as eleições se lixem, está convencido que vencerá as de 2015. E ainda anunciou 2013 como o ano da retoma. É. Tudo o que nega, como o desemprego e a recessão, acontece. Tudo o que vaticina, como a recuperação e nova vitória eleitoral, não se verifica. Como governante, Passos Coelho é um falhanço. Mas estávisto que como profeta também não se safa. "
Que se lixem as intenções
Nuno Saraiva, Diário de Noticias
" Não durou sequer um mês. Esta semana, Pedro Passos Coelho foi à Festa do Pontal refazer parte da sua narrativa e desvendar que, afinal, o aparente desprendimento em relação ao poder revelado num jantar de julho com os deputados do PSD não passou de um sound bite de verão.
A 24 do mês passado, afirmava, impante e messiânico, o primeiro-ministro: "Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o País, como se diz, que se lixem as eleições."
22 dias depois, terça-feira, dia 14, o mesmo chefe do Governo confessava perante uma plateia partidária: "Só estamos a um quarto do mandato e temos a ambição de renová-lo."
O propósito é legítimo, ninguém contesta. Mas é, ao mesmo tempo, revelador de que Passos Coelho, no que a eleitoralismo diz respeito, não é nem melhor nem pior do que outros primeiros-ministros. É igual!
Foi, aliás, a pensar em eleições - nas legislativas de 2015 mas também nas autárquicas do próximo ano - que o primeiro-ministro fez o único anúncio em pouco mais de 40 minutos de autojustificações. "Estamos mais próximos de vencer a crise e voltar uma das páginas mais negras da história da nossa Pátria. (...) 2013 será o ano da inversão na atividade económica", assegurou.
É certo que, nestas coisas, o risco de ser preso por ter cão ou por não ter é gigantesco. Isto é, fosse pelo otimismo excessivo ou por um discurso marcado pela ausência de esperança, não faltaria quem crucificasse Passos Coelho. Mas mandaria a prudência e o bom senso que o mesmo primeiro-ministro que num exercício de honestidade e humildade - é certo que forçado pelas revelações do INE sobre a economia portuguesa - reconheceu ter-se enganado nas previsões ao dizer que nem em 2011 a crise foi tão profunda como se esperava, nem as perspetivas faziam adivinhar um 2012 tão difícil como o que estamos a viver, não se comprometesse agora com um calendário para o fim da recessão.
Não vale sequer a pena enfatizar, mais uma vez, o facto de que a crise existe e é internacional. Coisa que há um ano, antes de eleições, não se reconhecia. Que a taxa de desemprego bate recordes e ultrapassa o estimado, surpreendendo inclusive os senhores da troika. Ou que a meta do défice para este ano, apesar da austeridade brutal, dificilmente será cumprida.
Mas o primeiro-ministro sabe, e se não sabe devia saber, que, como cautelosamente afirmou o ministro da Economia, "previsões macroeconómicas são sempre previsões macroeconómicas", o que equivale a dizer que há sempre imponderáveis que escapam ao controlo de quem governa e que a margem de incerteza das previsões é enorme. Sobretudo quando em causa estão o futuro da moeda única europeia - tópico central e sobre o qual Passos Coelho, inexplicavelmente, não disse uma palavra - e o destino de países como a Grécia, a Itália, mas também a Espanha ou a própria França, a cujo futuro Portugal não é de modo algum alheio, estando na primeira linha do contágio potencial.
Ora, o que Pedro Passos Coelho fez esta semana foi isso mesmo, previsões macroeconómicas. E como bem o advertiu Álvaro Santos Pereira, estas podem ser falíveis. Mas para o primeiro-ministro, ficou claro, as eleições contam. Mesmo que antes tivesse feito juras do contrário. Mas em política, já estamos habituados, é assim: que se lixem as intenções. "
sábado, 18 de agosto de 2012
Ainda Passos Coelho e o Pontal
Etiquetas:
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