Imagina o leitor o que possa ser pagar uma dívida do tamanho de 10% de
toda a riqueza que o nosso país produz? Certamente que não, porque
tamanha dívida só tem uma solução: a falência. E seria isso mesmo que
aconteceria, não estivéssemos a falar dos 14 mil milhões de euros que a
Estradas de Portugal deverá em 2020, caso nada seja feito relativamente
às parcerias que esta empresa pública alberga, os contratos de
concessões, as rendas e até custos de estruturas de apoio aos utentes
dos 3600 quilómetros de autoestradas de que dispomos. Em alguns casos
para podermos usufruir da mobilidade indispensável ao bom funcionamento
das pessoas, empresas e produtos, em outros sem percebermos ao certo a
quem beneficiam, pela simples razão de a sua frequência estar reduzida
ao paradigma do "lá vem um".
O espírito da coisa, ou seja, dos beneficiários destas e outras
parcerias público-privadas talvez nunca seja revelado na sua verdadeira
dimensão, a qual, como todos suspeitamos, terá forçosamente de ser
encontrada no plano do amiguismo que há anos marca o ritmo da ascensão e
queda das maiorias de governação.E claro que estas e outras tratantadas, pelas quais todos estamos a pagar como se fossem por nós praticadas, só foram possíveis em nome do bem comum de que o Estado é fiel depositário. Ora, sendo certo que o Estado não poderá ser incriminado, nem vir a ser preso, resulta que só há uma via: colocar os parceiros perante o dilema de receberem algum ou nada.
Acontece que por muito que as renegociações de contratos resultem em poupanças consideráveis, o problema de fundo permanece. O qual é muito simples de enunciar: o mal deste modelo está em que o Estado e afinal todos nós financiamos privados garantindo-lhes negócios de risco muito limitado ou mesmo sem risco.
O esforço que a atual gestão da Estradas de Portugal está a fazer é de aplaudir, mas o seu suor, engenho e arte somados dão uma redução na casa dos 600 milhões de euros em projetos que estavam a nascer e por isso foi mais fácil atalhar custos. E, por mais e melhor que consiga obter, em ganhos de exploração e renegociação das rendas, aqueles 14 mil milhões de dívida prevista para 2020 permanecem como um garrote sobre todos nós.
Lamentando que ninguém tenha sido preso até agora, resta reclamar do poder político que nos elucide rapidamente de que modo pretende evitar que este modelo de negócio em que o Estado pode - e em muitos casos deverá - ser parceiro dos privados não continua a ser este luxurioso banquete de amigos. Em que cada um vai dizendo à saída que a conta será paga pelo que vem atrás.
Se a crise é de todos, como nos relembram dia a dia, então que ela nos traga a esperança de que estas coisas não continuam impunes.
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