Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias.
A privatização
da RTP não é uma questão financeira. O Estado não gasta mais de 220
milhões de euros por ano com a RTP. Os custos operacionais da empresa
são substancialmente mais reduzidos do que os das suas congéneres
europeias e estima-se que termine o exercício de 2012 com um lucro de
cerca de 15 milhões de euros (à custa de um preocupante desinvestimento
na urgente renovação do parque tecnológico). Ora, nem os custos baixarão
significativamente com a alienação de um dos canais nem o encaixe
financeiro da operação terá impacto relevante no equilíbrio das contas
públicas.
A privatização da RTP não é tão pouco um problema de
reforço da sã concorrência. Justificar esta escolha com a necessidade de
o Estado não fazer concorrência desleal aos operadores privados é
esquecer que são precisamente os operadores privados que hoje mais se
batem para que o Governo não venda um canal da televisão pública. Porque
sabem que a recessão tem como consequência uma retração fortíssima do
mercado publicitário, sendo que, neste quadro, o aumento de 20% de
espaço televisivo para publicidade resultará num agravamento dramático
das dificuldades não só dos operadores privados de televisão, como de
toda a imprensa escrita e falada. Os trabalhadores dessas empresas e a
independência e qualidade da informação por elas prestada serão as
vítimas maiores desta obsessão ideológica de Passos e Relvas.
A
privatização da RTP é apenas isso: uma pura questão ideológica. Que em
toda a Europa a transição do analógico para o digital tenha sido
acompanhada de um aumento dos canais de serviço público (6 em Espanha,
10 em França, 11 na Alemanha, 22 no Reino Unido) enquanto em Portugal se
verifica o inverso é puro fanatismo ideológico. O Governo acha que o
serviço público de televisão deve ser residual, como acha exatamente o
mesmo sobre serviços públicos de saúde, edu-cação ou cultura. É isso, e
só isso, que importa discutir.
Tal como naquelas outras áreas, é a
democracia que exige um serviço público de televisão. Porque só assim
se consegue garantir uma efetiva universalidade do direito a fruir dos
bens informativos, formativos e de entretenimento que a televisão
propicia. Os anos que levamos de televisão privada já nos mostraram que
não é o mercado que garante essa universalidade - bem pelo contrário, a
diversidade das estéticas, dos conteúdos e a pluralidade informativa só
têm tendência a encurtar. É pois de direitos de todos - o avesso do
estreitamento produzido pelo mercado - que se trata para quem defende a
centralidade do serviço público de televisão.
E isso exige
qualidade e coerência de programação. Algo que a privatização de um dos
dois canais até agora públicos impedirá. Exigir a um canal único que
preste com qualidade todo o serviço público e que, ao mesmo tempo, se
afirme contra a concorrência dos privados é puro cinismo. Encaixar a
martelo a programação da RTP2 na grelha da RTP1 é descaracterizar ambas e
impor uma truncagem irremediável do alcance do serviço público.
Mas
o que ficará para a História é outra coisa: o cumprimento das promessas
de Passos e de Relvas de negócio chorudo para capitais portugueses ou
angolanos, combinada com a manutenção do controlo governamental sobre a
RTP e com a fragilização de toda a comunicação social. Três em um. É de
génio, reconheça-se. Com ou sem diploma e certificado.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
O tal canal
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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