Texto de João Lemos Esteves hoje publicado no "Expresso" online.
Como é tradicional, o Primeiro-Ministro
dirigiu-se aos portugueses no dia de Natal. Importa, pois, fazer um
primeiro comentário geral às declarações de Passos Coelho.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Mensagem de Natal: Passos Coelho e o País que não existe
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
O plano A
Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
O Governo não
tem mesmo plano B. Aliás, nisso segue os passos da troika, cujos membros
de cada vez que vêm dizer que se enganaram na receita para Portugal - e
já são tantas... - logo acrescentam que a dita receita, mesmo errada, é
para cumprir até ao fim e até para permanecer ativa depois do fim pelo
menos uma vintena de anos. O Governo só tem plano A, que aplicará custe o
que custar. E esse plano é o de embaratecer o trabalho e transferir
esse diferencial para o lado do capital.
O relatório do
Observatório sobre Crises e Alternativas, esta semana tornado público na
sua versão preliminar, mostra com clareza esse plano A a ser executado.
Em setembro de 2012 o Governo anunciou um desagravamento do pagamento
da taxa social única pelas empresas que pretendia conseguir um acréscimo
do seu rendimento de cerca de 2300 milhões de euros. Nos planos do
Governo essa diferença seria suportada pelos salários dos trabalhadores.
As manifestações multitudinárias de 15 de setembro obrigaram o Governo a
recuar. Mas eis que os efeitos concretos das alterações na legislação
laboral operadas em 2012, no que respeita a remuneração do trabalho
suplementar e supressão de feriados e dias de férias, são precisamente
os mesmos que os pretendidos com a defunta mudança do regime da TSU: os
trabalhadores perderam, em média, 2,3% da sua retribuição efetiva, dando
assim às empresas um ganho estimado em... 2300 milhões de euros.
O
mesmo, portanto. Mas mais forte: a redução do pagamento do trabalho
suplementar teve como resultado uma perda de receitas da Segurança
Social entre 66 milhões e 252 milhões de euros, algo que nenhuma soma de
encargos com políticas ativas de emprego alguma vez atingiria. O plano A
de empobrecimento é também o plano A de privatização e as coisas vão de
mão dada, como inequivocamente se prova.
É esse o único plano que
o Governo tem, mesmo se ele acelera o endividamento nacional. Ou
melhor, o Governo tem todos os planos B que forem necessários para
cumprir até ao fim o plano A. Porque quem manda no País o obrigará a
isso, sem margem para hesitações. E, de preferência, com um suplemento
de sustentação política como fica evidente no apelo - mais um - a um
acordo entre esta maioria e o Partido Socialista, desta vez pela voz de
Alexandre Soares dos Santos.
Às mãos do Governo e da troika, a
austeridade é esse modo de organização económica que gere o País numa
lógica de vasos comunicantes, em que o que se suga ao trabalho se
acrescenta ao capital. Uma alternativa digna desse nome só pode ser
aquela que inverta o movimento e traga de volta ao trabalho aquilo que
lhe está a ser retirado. Esse tem de ser o plano A de uma alternativa ao
plano A da troika e do Governo. Para o levar a efeito, é preciso usar
para com o capital especulativo e para com o sistema financeiro a mesma
lógica que tem sido usada por eles para legitimar o embaratecimento do
trabalho: invocar o estado de necessidade e a excecionalidade deste
momento do País. Tributar devidamente quem tem sido poupado a esforços
maiores, resgatar a centralidade da contratação coletiva, impor uma
política de crédito que dê suporte à economia produtiva têm de ser as
apostas estratégicas deste outro plano A. Para ser assim, o plano A
implica um repúdio inequívoco do Pacto Orçamental e a coragem de
mobilizar o País contra a chantagem que se fará sobre a nossa
permanência na zona euro ou na própria União Europeia.
Entre o
plano A do Governo e o plano A de uma alternativa a sério não há
transação possível. Escolhe--se um ou escolhe-se outro. E escolhas são
sempre escolhas, mesmo quando são disfarçadas em nome da razoabilidade
ou da união nacional ou da construção europeia.
domingo, 8 de dezembro de 2013
Tea Party à portuguesa
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
Há quem tenha
ficado muito revoltado, chocado até, com a posição assumida pelo
secretário de Estado da Integração Europeia, Bruno Maçães, numa mesa
redonda sobre "governância económica e crise europeia", em Atenas. Em
termos muito simples, este cavalheiro, representando o Estado português,
mostrou total alinhamento com as posições alemães e contra qualquer
tipo de iniciativa, dos países mais afectados pela crise, para encontrar
uma alternativa. Mais tarde, quando acusado de ser mais troikista que a
troika, mais alemão que os alemães e fanático da velocidade do
ajustamento, veio para uma rede social orgulhar-se de assim ser tratado.
Ora, eu acho que o ex-autor de discursos de Passos Coelho merece
ser elogiado. Não pelas posições expressas, mas pela maneira clara e
desassombrada como exprimiu a posição do Governo português e as
convicções políticas e ideológicas de quem nos governa.
Bruno
Maçães, um dos principais ideólogos do primeiro-ministro, fez cair todas
as máscaras. Não é que já não suspeitássemos, mas agora ficou
absolutamente claro que o Governo não negoceia com a troika. Ou melhor,
negoceia mas dentro do espírito "tu dizes mata, e eu esfola". Hoje,
estes liberais de badana devem estar a esconjurar Gaspar, esse traidor
que não percebeu o sentido da História.
Espero que agora não
exista mais discussão sobre o porquê do Governo ter aplicado o dobro da
austeridade contratada no memorando. Nem sobre se o primeiro-ministro
queria dizer outra coisa quando afirmou que este seria sempre o seu
programa, mesmo sem memorando. Ficou cristalino que aquilo de ir para
além da troika não foi um "erro de comunicação". Era mesmo assim. E às
tantas até foi escrito pelo Maçães.
Afinal não se pediu nada. Nem
mais prazo, nem menos esforços para a classe média, nem para ninguém: é
preciso esmagar. "Drill, baby, drill": o Maçães é capaz de ter
aproveitado este slogan desse movimento que tanto admira, o Tea Party
americano - é um confesso admirador e apoiante de Sarah Pallin -, e
sugerido aos nossos credores que o adaptassem aos portugueses:
"Perfurem, rapazes, perfurem, que os meus concidadãos ainda não estão
secos."
Como é do conhecimento de quem frequenta este espaço, não
tenho dúvida nenhuma de que o caminho prosseguido pela Europa e
caninamente seguido pelo Governo português está a levar a própria
Europa, e ainda mais rapidamente Portugal, para uma situação que
terminará em desagregação económica, social e, finalmente, política. Que
no fim deste "reajustamento", não vai haver nada para reajustar: nem
empresas, nem emprego, nem nada. Que o nosso incipiente Estado social se
tornará uma gigantesca sopa de pobres. Que o fim acelerado da classe
média destruirá a democracia.
É, no entanto, esse o fim do
caminho que Passos Coelho, Maçães e camaradas defendem. Na perspectiva
deles, o País estará muito melhor depois de tudo isso acontecer.
Pensarão, com certeza, que a democracia - uma democracia sem classe
média e em que a liberdade económica será tudo e as outras liberdades
pouco ou nada - se aguentará. A vida vista desde um gabinete na
faculdade, rodeado de grandes idealistas que nunca conheceram uma
empresa, uma exploração agrícola, uma fábrica, um hospital, uma escola
pública, uma família pobre ou sequer de classe média deve ser um mundo
fantástico. Onde se mexe na folha de cálculo, se tira dali e põe acolá, e
tudo bate certo. Onde se pensa que a liberdade pode existir sem
igualdade e a igualdade é um conceito comunista.
E o serviço
nacional de saúde, a educação pública ou o salário mínimo instrumentos
limitadores da liberdade individual. Um mundo dividido entre fortes e
fracos, vencedores e derrotados, empreendedores e funcionários, velhos e
novos, ricos e pobres.
Muito se podia rir a esquerda, se não
tivesse em grande parte também entregue a patetas parecidos com estes.
Gente que pensa que os direitos crescem nas árvores e que o dinheiro é
uma coisa que se produz numa máquina. Visionários que dão como garantido
que não há altos e baixos na vida da comunidade e que os filhos ficarão
sempre melhor que os pais. Tipos que julgam que as dívidas são uns
papéis sem valor. Lunáticos que acham que o Estado social é um dado
adquirido e que não exige um constante esforço de adaptação aos tempos,
às condições económicas e à realidade social.
Neste momento
estamos nas mãos do Tea Party à portuguesa e de indivíduos como o Bruno
"Pallin" Maçães. Os irmãos americanos destes inconscientes estão a
destruir o Partido Republicano e a direita americana. Estes estão apenas
a destruir a direita e o centro-direita português - sob o olhar de quem
apenas critica pela calada e espera pela "melhor oportunidade" para os
parar.
Nos Estados Unidos, esta gente não conseguiu levar os seus
planos para a frente. Tinha de nos calhar a nós, desgraçados
portugueses, sermos o laboratório deste bando de loucos furiosos.
Alguns comentários de leitores:
Democracia é o vale tudo?
Um pequeno pormenor: Passos Coelho não disse que era este o seu programa
eleitoral. Eu sei, porque o li antes das eleições. Ora, as pessoas
votam com base nos programas com que os partidos se apresentam. Por
isso, pergunto que legitimidade têm um governo e um primeiro-ministro
que foram eleitos com base na mentira? Que legitimidade para governar
têm os políticos que depois governam contra os seus próprios programas?
Democracia é o vale tudo?
José Luiz ...
"Eles" não querem a democracia. Querem acabar com os Estados soberanos e
pôr em seu lugar corporações soberanas. Sem soberania nacional não pode
haver, é claro, soberania popular; e sem soberania popular não pode
haver democracia. Mas não faz mal, trata-se apenas de baixas colaterais
na guerra mundial movida pelas "pessoas" corporativas contra as pessoas
naturais como nós.
Corruptos e Sabujos!
Na mouche .... com a escumalha coelhista vamos de mal a pior enquanto os
mais ricos duplicam a sua fortuna com a "austeridade" os portuguese
empobrecem , são obrigados a emigrar e morrem na miséria!
tugatuga
Pessoal isto só lá vai quando aparecerem mais Costas e Buiças, com a
coragem suficiente para abater estes malandros que nos estão a
governar.Não vai de outra maneira,não tenham dúvidas.E tem de ser bem
depressa senão, nada sobrará para os mais carentes e necessitados.
Salvador
Só posso subscrever e aplaudir. "Tea Party português" é a designação mais apropriada para o partido de Passos & Cia.
V
Infelizmente é tudo verdade , o que diz ..somos governados por uns
tontos e a alternativa é pouco melhor..custa-me a acreditar que em
Portugal só exista esta fraca gente ...
a.gaspar
Completamente de acordo! O problema é que, como diz, as alternativas não
são melhores que o que temos. E assim vai Portugal, caminhando a Passos
largos e abrindo Portas para um funeral Seguro.
De 93% para 131,7% do PI
Quando Cuelho abocanhou o poder a dívida soberana do governo era de 93%
do PIB .... hoje, dois anos meio depois e apesar da brutal "austeridade"
de cortes cegos a dívida soberana do governo subiu para 131,7% do PIB .
... Terá aumentado em 50 mil milhões de euros ! .... Resultado de
Duplicar, acefalamente, a "austeridade" ....
Eu cá para mim
Não sei se é por fanatismo ideológico se por subserviência a interesses
estrangeiros se por interesses pessoais. Sei que quase que já destruíram
Portugal. Sei que já venderam ao desbarato o pouco que ainda havia para
vender. Sei que já puseram quase um Povo inteiro na miséria. Para mim
não passam de uma cambada de traidores à Pátria e não têm qualquer
desculpa por serem imbecis, corruptos e parasitas. Por menos foi
enforcado, injustamente, em Oeiras o General Gomes Freire de Andrade.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
O despudor sem freio
Texto de Eduardo Dâmaso, Diretor-adjunto, hoje publicado no Correio da Manhã
O Bloco Central dos Interesses levou muitas empresas a situações insuportáveis.
Públicas e privadas. Manipulando leis ou chantageando com o crédito numa banca controlada politicamente, PSD, PS e CDS deixaram o País de rastos. Criaram dificuldades públicas para recolher facilidades privadas.
O que fizeram aos Estaleiros de Viana do Castelo é apenas um exemplo.
Foi essa política que criou a imensa casta dos que já não precisam de ‘ganhar a vida', como diria o ex-ministro Silva Pereira. Foram eles que rebentaram com as contas públicas. Não o emprego, a saúde, a educação, as reformas dos que trabalharam a vida inteira. Neste País, o despudor já não tem qualquer freio.
sábado, 30 de novembro de 2013
Os velhos: não é possível exterminá-los?
Esta transcrição é algo que nunca se pensou ser possivel neste blogue. Dar razão e promover a palavra de Pacheco Pereira? Nunca, jamais, seria impensável tal acontecer mas, neste caso, merece mesmo destaque e promoção. É caso para dizer que "se até já houve quem visse um porco a andar de bicicleta" ...
Texto de Pacheco Pereira hoje publicado no jornal Publico.
Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”.
Eu gostaria muito de escrever artigos racionais, ponderados, que
merecessem uma aura académica e sensata, que unissem em vez de dividir,
que me permitissem ter a minha quota de lugares, prémios e prebendas,
mas estou condenado, nestes tempos, a escrever cada vez mais panfletos.
Acontece. Isto do imperativo categórico, como Kant sabia, é uma maçada.
Mas, mesmo que desapareçam como as figuras menores que realmente são, vão deixar estragos muito profundos no tecido já de si muito frágil da nossa vida colectiva, cavando fundo divisões e conflitos, destruindo o pouco de humanidade social que algum bem-estar tinha permitido. Eles estão, como as tropas romanas, a fazer no seu Cartago, infelizmente no nosso Portugal, o terreno salgado e estéril. Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.
Um exemplo avulta nos últimos dias, que já vem de trás, mas que ganha uma nova dimensão: o ataque aos velhos por serem velhos, uma irritação com o facto de haver tanta gente que permanece como um ónus para o erário público apesar de já não ser “produtiva”, de não ter saída no “mercado do trabalho”, de estar “gasta”. De ministros que não leram Camões e nem sequer sabem quem são os “velhos do Restelo”, a gente que pulula nesse novo contínuo dos partidos e do Estado que são os blogues, a umas agências de comunicação que são as Tecnoforma dos dias de hoje, boys e empregados de todos os poderes para fazerem na Internet e nos jornais o sale boulot, todos, de uma maneira ou de outra, atacam os velhos, por serem velhos. Numa sociedade envelhecida, isso significa atacar a maioria dos portugueses, em nome de uma ideia de juventude “empreendedora”, capaz de fazer uma empresa do nada só com “ideias”, “inovação” e design, sem os vícios do “passado”, capaz de singrar na vida sem “direitos adquiridos”, nem solidariedade social, imagem que tem o pequeno problema de ser tão mitológica como a Fada dos Dentinhos.
Grande parte do ataque a Mário Soares e a muitos que estiveram na Aula Magna foi feito em nome de eles serem “velhos”, logo senis. Nem sequer é por implicação, é dito com clareza, com o mesmo tipo de “argumentos” com que os soviéticos enviavam os dissidentes para os asilos psiquiátricos porque quem estivesse no uso normal das suas faculdades não podia deixar de ser comunista. Aqui é o mesmo: só pode ser senil quem duvidar da bondade das medidas do Governo, apresentadas como sendo a realidade pura, inescapável, inevitável. Como pode estar bom da cabeça quem coloca em causa a versão em “economês” da lei da gravidade? Só um louco. E se for velho, é-se senil, ultrapassado, antiquado, mesquinho, por definição. Não há outra maneira de explicar que haja velhos com tantas ideias “erradas” sobre a bondade do nosso “ajustamento” e que sejam empecilhos para os “jovens” brilhantes que o aplicam com vigor e sem vergonha.
Muito do discurso contra os velhos, que começa, em bom rigor, cada vez mais cedo, quando se perde o emprego e se fica “gasto” para o mercado de trabalho, é um discurso que pretende ser utilitário no plano político, e é isso que o torna moralmente desprezível. Destina-se a justificar o violento ataque a reformas e pensões, a gente que trabalhou a vida toda, e que ainda tem memória do que custou obter esses malfadados “direitos”, resultado de “contratos” de “confiança” com o estado, tudo coisas de velhos que estão a “roubar” aos mais novos do seu futuro. Estão a mais. E se eles não percebem que estão a mais a gente vai mostrar-lhes pelo vilipêndio e pelo saque que já há muito deveriam ter desaparecido.
Muita coisa tem hoje a ver com esta demonização da idade. Um caso entre muitos, é o que se está a passar com o despedimento colectivo dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Nem sequer discuto se a empresa tinha que encerrar ou não, porque a partir de um certo nível de dolo e degradação da linguagem esse não é o primeiro problema. Podia ser, mas com esta gente não é, porque, ao fazerem as coisas como fazem, sempre obcecados em enganar-nos, merecem que contra eles se volte tudo, o discurso empolgado dos “navegadores” e a retórica do “mar”, ao mesmo tempo que se fecha o único estaleiro que sobrava, a disparidade de não querer pagar 180 milhões de euros, enquanto se aumenta a taxa para a RTP, que recebe todos os anos muito mais do que isso, a displicência com que se apresenta como grande vitória, mais de 600 despedimentos.
Acresce a soma de mentiras habituais: que 400 trabalhadores vão ser reintegrados (afinal não há nenhuma garantia), que vão ser pagas as devidas indemnizações (afinal parece que só a parte deles), que vai continuar a construção naval (quando não custa perceber que o que a Martifer vai fazer não são navios). O que vai acontecer é um enorme despedimento colectivo feito pelo Estado, o encerramento dos estaleiros à construção naval, o preço de saldo para a Martifer após o Estado, como no BPN, pagar todos os custos. E, na vaguíssima hipótese de alguns trabalhadores serem empregados na nova empresa, serão sempre poucos, com salários mais baixos, com uma folha de antiguidade a zero, e ficarão de fora os mais velhos e os mais reivindicativos. Alguém vai contratar um membro da comissão de trabalhadores, mesmo que seja um excelente soldador? Como muita da mão-de-obra dos estaleiros já tem uma certa idade – os velhos começam a ser velhos aos quarenta –, está-se mesmo a ver a sua “empregabilidade”.
Não custa fazer o discurso politicamente correcto de que a “esquerda não tem o monopólio da sensibilidade social” (e não tem), nem dizer aqueles rodriguinhos do costume do género “que bem sabemos como os portugueses estão a sofrer”, ou que “nenhum Governo gosta de tomar estas medidas”, ou elogiar os portugueses pelo seu papel “decisivo” no sucesso da aplicação do “ajustamento”, etc., etc. Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”, já não posso ver a hipocrisia de Passos Coelho e de Aguiar Branco, ao lado do exibicionismo pavoneado dos soundbites de Portas.
Swift escreveu em 1729 uma sátira sobre a pobreza na Irlanda chamada Uma modesta proposta para evitar que as crianças dos pobres irlandeses sejam um fardo para os seus pais e o seu país e para as tornar um benefício público. Aconselhava os pobres a comerem os filhos, como meio de combater a fome, “grelhados, fritos, cozidos, guisados ou fervidos”. Na verdade, quando se assiste a este ataque à condição de se ser mais velho – um aborrecimento porque exige pagar reformas e pensões, faz uma pressão indevida sobre o sistema nacional de saúde, e, ainda por cima, protestam e são irreverentes –, podia avançar-se para uma solução mais simples. Para além de os insultar, de lhes retirar rendimentos, de lhes dificultar tudo, desde a obrigação de andar de repartição em repartição em filas para obter papéis que lhes permitam evitar pagar rendas de casa exorbitantes, até ao preço dos medicamentos, para além de lhes estarem a dizer todos os dias que ocupam um espaço indevido nesta sociedade, impedindo os mais jovens de singrarem na maravilhosa economia dos “empreendedores” e da “inovação”, será que não seria possível ir um pouco mais longe e “ajustá-los”, ou seja, exterminá-los?
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
E o Estado de Direito não põe comida no prato (2)
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".
A tomada das escadarias da Assembleia da
República transformou-se num marco simbólico para muitas manifestações. O
que já levou a momentos tensos e até violentos no Largo de São Bento,
com a polícia a defender, sem cedências, aquela linha que supostamente
divide a rua do poder. É por isso que a imagem da polícia a "conquistar"
aquelas escadaria se torna tão forte. Como podem as forças de segurança
impor aos outros os limites que elas próprias ultrapassam?
A Constituição e a Aula Magna
Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal I-online.
Como era inevitável, mais uma vez, o senhor Presidente da República enviou para o Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas de um Orçamento do Estado apresentado por este governo. No caso concreto, das normas que determinam a redução em 10% de pensões de reforma em pagamento. Aliás, o actual Presidente da República, reconhecidamente um patrono deste governo, já enviou para fiscalização constitucional mais diplomas do que qualquer outro dos seus antecessores. Por uma simples razão: este governo, por incompetência e por razões ideológicas, construiu o seu programa e o beija-mão à troika na base da permanente e deliberada afronta à Constituição e à Democracia. A afronta é tal, que nem Cavaco Silva lhe pode dar total cobertura. Esta obsessão de Passos Coelho pelo golpe de Estado constitucional não é novidade, pelo menos para os mais atentos: está inscrita na sua intervenção de encerramento do congresso que o elegeu como líder do PSD, em 2010.
Neste final de ano de 2013, a procissão ainda vai no adro. Os desmandos e desvarios deste governo, obcecado em lançar na miséria a maioria dos portugueses, e em transformar funções essenciais de um Estado democrático - a saúde, a educação e a segurança social - em negócios chorudos, como "solução final" para a recuperação económica e financeira do país, vão continuar. Enquanto isto acontece, os beneficiários de PPP, swaps e outros contratos do género, continuam a facturar e a fazer crescer as suas fortunas. Os sinais de que todas estas prepotências podem não acabar bem, avolumam-se: os polícias saem à rua e sobem a escadaria do palácio de São Bento, com a cumplicidade dos seus camaradas "de armas", enquanto os militares fazem protestos, por ora simbólicos, nos quartéis. Não devemos esquecer que, em última instância, o poder efectivo está na ponta das espingardas. E que as democracias se podem desfazer como castelos de cartas às mãos de um qualquer "sedutor".
PS - O encontro-comício realizado na última quinta-feira, na Aula Magna, promovido por Mário Soares, e que juntou na mesma mesa um leque diversificado e bem representativo de personalidades que não se acomodam ao presente estado de coisas, incomodou muita gente comprometida com o poder. O que é natural. Uns dizem que o ex-Presidente da República anda a apelar à violência; outros, mais ligeiros, dizem que quem defende a constituição nunca a leu; outros ainda, com a presunção de "historiadores" do dia seguinte, dizem que Mário Soares não ficará na história pelas suas últimas intervenções. Como disse José Pacheco Pereira, na Aula Magna: "os tempos não estão para inércias nem para confortos, nem para encontrar pretextos do passado, ou diferenças no futuro, para não se lutar, não pelas mesmas coisas, mas contra as mesmas coisas. Em momentos de profunda crise, tem de ser assim, sempre foi assim, e esse é o sentido mais profundo deste tipo de iniciativas de Mário Soares. O incómodo que geram, no poder e na oposição, vem disso mesmo." Sempre foi assim!
domingo, 24 de novembro de 2013
Não é justiça
O secretário de Estado da Administração Pública considera mais justo cortar nos salários acima de 675 euros brutos do que a partir dos 1500 euros.
Bombeiros pirómanos
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
Depois de ter
promovido várias nacionalizações de empresas portuguesas por Estados
estrangeiros, EDP e REN por exemplo, o Governo decidiu dar um outro
passo no caminho da colectivização dos meios de produção. A estratégia
consiste em criar um banco público que ajude, nas palavras do Governo,
as empresas.
Acaba-se com o mercado interno, mantém-se a
electricidade, gás, gasolina, a preços acima dos concorrentes europeus,
não se mexe uma palha para acabar com a burocracia e até se acabam com
as poucas boas medidas nesse sentido do anterior governo, acaba-se com o
crédito, aumentam-se os impostos, fazem-se disparar as taxas. E agora o
Governo cria a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), que vai
não só poder participar no capital das empresas como participar na sua
gestão - logo o Estado, esse fantástico gestor. Estamos regressados ao
condicionamento industrial do Estado Novo: será o Estado a escolher quem
deve ser ou não financiado, qual a actividade a ser apoiada e, com
jeito, quem devem ser os gestores.
Diz que é um Governo liberal.
Mas é mais um Governo que se comporta como um bombeiro pirómano: vai
tentar salvar as empresas que ele próprio se encarregou de incendiar.
Esqueçamos
o pormenor de passarmos a ter não um, mas dois bancos públicos.
Esqueçamos também que este era o primeiro-ministro que queria privatizar
a CGD. Façamos uma força extra e ignoremos que este era o Governo que
tiraria o Estado da Economia... O resultado é que acaba não só por fazer
exactamente o contrário, mas também por promover nacionalizações por
outros Estados de empresas portuguesas.
O facto é que a economia
portuguesa está ainda mais dependente de decisões políticas do que
alguma vez esteve. Ou será que alguém pensa que a EDP não seguirá à
risca o que for melhor para o Estado chinês? Ou será que alguém sonha
que a REN não criará problemas graves a Portugal por um qualquer
interesse de um dirigente do PC chinês? Ou será que há ingénuo que
imagina a IFD com critérios gerais e abstractos quando tiver de escolher
financiar esta ou aquela empresa, sugerir este ou aquele gestor - os
boys do CDS e do PSD devem estar a esfregar as mãos de contentes e os do
PS a afiar os dentes -, procurar um ou outro fornecedor?
O
resultado de toda a política que até agora tem sido seguida era
previsível e está a confirmar-se: uma economia destruída acaba por se
tornar dependente do único poder que permanece: o do Estado. A
sistemática destruição económica dos últimos anos deixou o tecido
empresarial tão enfraquecido que se torna praticamente inevitável a
intervenção estatal.
Daqui até à intromissão do Estado em
assuntos que não devem estar na sua esfera, ao aumento do clientelismo,
ao crescimento do poder arbitrário do Governo nas mais diversas áreas,
vai o passo dum anão.
Com a mesma lógica, não surpreendem os
números, que esta semana vieram a público, que mostram que meio milhão
de crianças e jovens perderam o direito ao abono de família em três anos
e que há muito menos pessoas a receberem o rendimento social de
inserção e o complemento solidário para idosos (dados do Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa). Não será preciso lembrar
que não haverá altura em que estes apoios seriam mais necessários. Por
outro lado, o Estado está a investir fortemente em cantinas sociais.
O
que se está a tirar em direitos e apoios para que as pessoas mudem de
vida e se diminuam as desigualdades está a dar-se em esmolas. É o
regresso da sopa dos pobres.
Também diz que o Governo é apoiado por um partido social-democrata.
No
fundo, o Estado sai de onde devia estar, diminui as suas funções
essenciais, reduz drasticamente os apoios sociais - que já eram dos
mais baixos da Europa - e aumenta muito a sua presença onde não devia
estar e que quando está só estraga. O Estado torna-se mais fraco onde
devia ser forte, e decisivamente forte onde devia ser apenas regulador e
facilitador. É a inversão total da lógica do funcionamento do Estado
numa democracia que quer ter uma sociedade civil forte e independente e
uma economia mais livre e com mais iniciativa.
O Governo não é
nem liberal, nem social-democrata, nem nada. É apenas incompetente e
ignorante. O pior é que essa incompetência e ignorância está a
transformar o país num lugar em que apoiar as empresas é pôr o Estado a
financiá-las e a geri-las e os apoios sociais acabarão por ser apenas
sopas para os pobres.
sábado, 16 de novembro de 2013
A escravatura do FMI
Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"
A 18 de outubro,
um estudo da ONG australiana Walk Free Foundation confrontou-nos com a
realidade trágica de que, em 2013, ainda existem cerca de 30 milhões de
escravos em todo o mundo. Destes, 14 milhões estão recenseados na Índia
do senhor Lall, chefe de missão do Fundo Monetário Internacional (FMI)
em Portugal.
Não sei se por inspiração histórica, devoção
ideológica ou deformação cultural, o modelo de sociedade que este
aspirante a capataz nos quer impor deriva do tipo esclavagista em que a
dignidade dos salários não existe, os direitos no trabalho e ao trabalho
são para abolir e o acesso à justiça por parte de quem trabalha é para
revogar.
Diz-nos o senhor Lall, no douto relatório às oitava e
nona avaliações do ajustamento português, que, apesar dos cortes já
efetuados, os salários continuam elevados, que os empregados menos
qualificados e com ordenados mais baixos devem estar à mercê de uma
maior flexibilização salarial em nome da competitividade, que as pensões
permanecem uma enormidade, que os trabalhadores despedidos sem justa
causa devem ser desincentivados de recorrer aos tribunais para se
defenderem, que os sindicatos devem ser conduzidos à irrelevância na
concertação social, que o esbulho nos rendimentos do trabalho,
proclamado aos quatro ventos como temporários pelo Governo, é para ser
definitivo... E por aí adiante.
O país de que fala o senhor Lall, e
de que antes falava o senhor Selassie, é o mesmo que aceita como uma
inevitabilidade o facto de haver mais de um milhão de portugueses a
ganhar menos de 600 euros por mês, que tem um Governo que recusa
discutir a subida do salário mínimo para essa fortuna que são 500 euros,
que já sorri com uma taxa de desemprego que cai para os 15,6% sem se
questionar sobre o impacto nestes números da emigração de 120 mil
portugueses num só ano - e também na sustentabilidade da Segurança
Social - que, a par da habilidade contabilística dos subempregados e dos
chamados "inativos", reduz drasticamente o universo da população ativa
em cima da qual se calcula a taxa de desemprego, que acha normal que a
destruição de postos de trabalho seja três vezes superior à criação de
emprego.
Não sei se foi neste país das maravilhas que o Dr. Pires
de Lima, qual pastorinho de Fátima, teve a epifania do "milagre
económico" e do "momento de viragem" que, nas palavras do ministro da
Economia, deveria encher de "satisfação" os portugueses todos. Sei, no
entanto, que à retórica da discordância afirmada pelo Governo
relativamente às posições mais radicais da troika tem correspondido
sempre o alinhamento com a austeridade cega e a submissão à lógica de
empobrecimento. Aos métodos e discursos punitivos que nos são impostos
segue-se sempre a mansidão do discurso e a resignação.
É óbvio que
a notícia de que saímos da situação de recessão é positiva, ninguém no
seu juízo perfeito pode contestar. Mas tal como é dito pelo senhor Lall,
o País ainda tem "riscos significativos" pela frente. E o maior de
todos não é nem o Tribunal Constitucional nem "o regresso à incerteza
política". A pior das ameaças é mesmo a ortodoxia do FMI.
Se ao
brutal Orçamento do Estado para 2014 se vier a somar a receita prescrita
neste relatório, depois de nos terem arrancado a carne, os senhores da
troika preparam-se para nos comer os ossos.
Aos credores não pode
ser permitido tudo. Aos credores, tal como aos capatazes, também é
preciso dizer basta. Não chega desvalorizar um relatório que é ofensivo
da dignidade humana. Talvez no país do senhor Lall a escravatura seja
cultural e socialmente aceitável. Talvez, antes dele, o senhor Selassie
se tenha esquecido ou até desconheça que, na Etiópia, os escravos foram
abolidos em 1942. Mas o que aqui está em causa é uma visão ultraliberal
que, à viva força, nos quer fazer retroceder a um passado do qual
devíamos todos envergonhar-nos e que não é compatível com a liberdade e a
civilização.
sábado, 9 de novembro de 2013
OIT: um relatório oportuno
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"
O relatório da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) "Enfrentar a crise do emprego em Portugal",
apresentado no passado dia 4, em Lisboa, pelo seu diretor-geral (Guy
Rider), é, por múltiplas razões, de enorme importância para o nosso
debate social, económico e político e para a construção de alternativas
às políticas injustas e de retrocesso a que estamos sujeitos.
A
OIT, observando as políticas seguidas em Portugal e em outros países,
considera "a austeridade como ameaça à prosperidade" e assume que é
preciso trabalhar-se no sentido de garantir "melhores empregos para uma
melhor economia". A OIT assume historicamente que a pobreza e as
desigualdades são os grandes perigos para o caminhar equilibrado das
sociedades e que "só se pode fundar uma paz universal e duradoura com
base na justiça social". As questões do emprego têm de ser absolutamente
centrais na nossa sociedade.
Esta semana, ficamos a saber que no
último ano, enquanto os trabalhadores e o povo sofriam, houve um aumento
de 11% do número de ricos com fortunas pessoais acima de 25 milhões de
euros. Quanto desemprego, quantos milhões de portugueses foram roubados
nos seus salários, nos seus direitos sociais, nas suas pensões, para
engordar estes 870 portugueses?
O relatório da OIT não foi
produzido como ato isolado. O Grupo de Ação Interdepartamental sobre os
Países em Crise, responsável pelo relatório sobre Portugal, também está a
produzir relatórios sobre a situação da Grécia, da Espanha e da
Irlanda. A decisão da OIT de elaborar relatórios relativos a países
sujeitos a programas de "assistência financeira" foi tomada pelo
conjunto dos 51 países da Europa e Ásia Central que participaram, em
abril passado, na Cimeira de Oslo.
A OIT, desde 2009 - quando os
governantes ainda diziam que os responsáveis pela crise teriam de ser
castigados e que a especulação e o roubo institucionalizado tinham de
acabar -, vem desenvolvendo importantes iniciativas (como foi o Pacto
Global para o Emprego, em 2009), estudos e orientações que, se tivessem
sido seguidos, poderiam ter evitado o desemprego, o empobrecimento e o
sofrimento dos portugueses e de centenas de milhões de cidadãos em todo o
mundo.
É ridícula a sobranceria com que governantes e
comentadores de serviço encaram as recomendações, as propostas e a
disponibilidade de ação apresentadas pela OIT. Com quase um século de
atividade, a OIT, por variadas razões, é talvez a organização
internacional que mais prestígio e confiança granjeia à escala global.
O
que nos diz o relatório sobre Portugal? Que a nossa situação
socioeconómica é crítica, em reflexo das condições macroeconómicas
"excecionalmente apertadas" (a austeridade), e que "é necessária uma
nova estratégia", exequível "através da mudança para uma abordagem mais
centrada no emprego".
A OIT vem dizer que não é sustentável o
atual desemprego e que devemos combatê-lo; que o desemprego de longa
duração, a destruição de atividades e a situação criada aos jovens
comprometem o nosso futuro coletivo; que é irracional o país ter mais de
1/5 da sua população com vontade de emigrar; e que a "reestruturação do
setor público" da chamada reforma do Estado contribui diretamente para o
desemprego.
A OIT denuncia a injustiça das políticas fiscais e de
juros da União Europeia, que matam as pequenas e médias empresas e
enriquecem os acionistas dos grandes bancos. Incentiva-nos a combater a
brutal precariedade do trabalho, a aumentar o salário mínimo nacional e a
proteção social, a desenvolver a contratação coletiva e o diálogo
social sério. Propõe investimento na criação de emprego, em particular
para os jovens. E disponibiliza-se a trabalhar em Portugal, com respeito
pelas nossas instituições, para ajudar à resolução dos problemas.
Se
o objetivo das políticas não for o de bater recordes de criação de
milionários, se corrermos com a troika e os resgates que ela nos
receita, se soubermos interpretar o significado de o relatório ser
apoiado pelas centrais sindicais e pelas confederações patronais, se
despedirmos este Governo e criarmos uma alternativa credível, se
soubermos utilizar esta ajuda da OIT e outras que se podem encontrar,
ainda podemos ter futuro.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
A OIT e a fase sonsa do governo
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".
Subitamente os
liberais esquecem-se de tudo o que aprenderam. Se há 16% de
desempregados, se dois terços deles não têm qualquer rendimento, se o
governo baixou o subsídio de desemprego e as prestações sociais, se os
salários do Estado desceram, se a lei laboral é mais flexível e a
negociação colectiva abrange menos gente, para onde pressiona toda a
realidade do mercado de trabalho, incluindo a realidade criada pelo
próprio governo? Para uma enorme pressão sobre os salários, que só não
desceram ainda mais porque a lei determina um salário mínimo. E o que
nesta realidade resultou de opções do governo tinha este objetivo:
permitir um suposto ajustamento salarial, ignorando o que a própria OIT
explica no relatório, ao mostrar como os salários portugueses se têm
afastado, desde 2000, da média europeia. Porque aumentaria uma empresa o
salário mínimo se tem dez candidatos prontos a trabalhar por menos do
que isso? Porque Pires de Lima lhes pede com jeitinho?
O jogo do desgoverno
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
As escolhas de Cavaco
Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
O velho sonho da
direita - um governo, uma maioria, um presidente - é realidade. Mas,
como o demonstram as sucessivas crises da maioria e do Governo, este
inédito alinhamento não tem selo de garantia.
Ele carece de um
aditivo de estabilidade e de força política que o ponha a salvo das
tensões e contradições que resultam da natureza atentatória de direitos e
de expectativas essenciais que é a das suas políticas.
Maioria e
Governo de direita oscilaram já vezes demais diante da turbulência
social para se poder negar a evidência: são politicamente frágeis.
Dois
fatores cruciais têm permitido contornar essa evidente fragilidade que,
numa democracia normal, teria há muito resultado na devolução da
palavra ao povo.
O primeiro é o uso da troika como argumento de
autoridade que se sobrepõe ao povo soberano e à constituição
democrática, como dispositivo de legitimação sem recurso dos extremismo
das escolhas políticas, económicas e sociais impostas às pessoas dia
após dia. O segundo fator é um desempenho do cargo de Presidente da
República que se afasta da lógica de pesos e contrapesos que a
Constituição sabiamente consagra e se apresenta como um seguro de vida -
e, mais do que isso, como um suplemento vitamínico - de uma governação
crescentemente agressiva.
Estamos no auge do choque entre dois
constitucionalismos em Portugal. De um lado, o constitucionalismo do
Estado de direito recebido na Lei Fundamental da República. Do outro, o
constitucionalismo do estado de exceção que arvora o memorando de
entendimento com a troika em Lei Fundamental de facto para, a partir
daí, eliminar direitos e descaracterizar o modelo democrático plasmado
na Constituição da República. Ora, mais do que qualquer outro órgão de
soberania, o Presidente da República está obrigado a fazer escolhas
claras entre esses dois constitucionalismos. É nessas escolhas que o
Presidente evidencia - ou não... - a sua lealdade ao povo e à
democracia. Ora, a verdade é que Cavaco Silva tem feito essas escolhas
claras.
Na tensão entre o povo que o elegeu e a troika que se lhe
contrapõe, Cavaco Silva nunca se furtou a assumir-se como garante de
aplicação do memorando com a troika e das políticas nele inspiradas.
Quando
a legalidade constitucional, cuja defesa é o seu único mandato, e a
excecionalidade imposta do exterior entraram em choque, Cavaco Silva
expressou sempre com clareza a sua prioridade: impedir que a
Constituição incomode os mentores do estado de exceção.
De tal
modo essa escolha é clara que nunca se lhe ouviu a mínima palavra de
defesa do Tribunal Constitucional contra as insuportáveis pressões sobre
este exercidas por entidades internacionais como a Comissão Europeia.
Qualquer presidente com pergaminhos de patriotismo - fosse de direita ou
de esquerda - o teria, evidentemente, feito. Cavaco Silva escolheu não o
fazer. Escolheu um lado.
Cavaco Silva assume-se como o melhor
Presidente imaginável para um protetorado, ou seja, um amigo leal dos
tutores, mesmo quando - ou sobretudo quando - seja necessário impor a
vontade deles contra os direitos do povo. A democracia portuguesa fica
claramente empobrecida com os mandatos presidenciais de Cavaco Silva.
O
ciclo político que está a aproximar-se exige um polo presidencial
liderado por alguém nos antípodas de Cavaco Silva: um amigo dos
direitos, um combatente inequívoco pela Constituição, um patriota contra
a humilhação do País, alguém que a grande maioria das pessoas - os mais
pobres - sintam como seu defensor. Um defensor do povo contra quem lhe
faz mal.
Milagres, viragens e alucinações religiosas
Texto de Ana Sá Lopes hoje publicado no jornal "i"
Se “a austeridade é para continuar”, os cortes para “persistir” e a procura interna para comprimir, é uma alucinação bolivariana identificar “o verdadeiro momento de viragem”
e muito menos “o milagre económico” anunciado aos portugueses pelo novo ministro da Economia, António Pires de Lima, na semana passada.
As alucinações são acompanhadas da tentativa de reatar o “compromisso com o PS”, através da utilização de processos de chantagem cada vez mais requintados. Os portugueses foram ontem informados pelo senhor primeiro--ministro de que a culpa de os seus impostos não serem mais baixos é do PS, porque se recusa a dar o ámen à reforma do Estado e à redução da despesa pública. “Quem se recusar a este compromisso estará a sacrificar a redução da dívida [...] e estará a sacrificar a necessária redução da carga fiscal e o crescimento da economia”, segundo Passos Coelho, numa declaração mirabolante vinda de um governante com maioria absoluta que não conseguiu reduzir dívida nenhuma, nem carga fiscal, e dificilmente vislumbrará o crescimento da economia. Culpar o PS por isto é acreditar que os portugueses são pouco inteligentes e que desculpam a Passos o facto de a famosa “retoma” vislumbrada há um ano e pouco pelo chefe do governo numa festa do partido nunca ter acontecido.
A manutenção de um posto de trabalho do governo em anos de troika parece, aparentemente, incompatível com mínimos de sanidade. Veja-se Álvaro Santos Pereira, sobejamente criticado dentro e fora de portas pela sua falta de jeito e de meios para recuperar a economia, que ontem veio dizer uma verdade inconveniente: a austeridade cega pode levar ao regresso das ditaduras à Europa. “Se não tivermos uma solução europeia, arriscamo-nos a ter novamente ditaduras na Europa”, disse Álvaro. Sair do governo faz bem à saúde.
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A montanha pariu um guião
Texto de Pedro Almeida Cabral hoje publicado na edição online do "Expresso".
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
O Presidente e o Governo estão surdos
Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"
A pátria está de pantanas, por uma governação aparentemente impune e alegremente estouvada. Os gritos de desespero que a fome e a desgraça despertam não são ouvidos em Belém. O crime terá, mais tarde ou mais cedo, de ser punido, e cada vez mais se acentuam as responsabilidades políticas e morais de um Governo que o não é, e de um Presidente que não há. Todos os dias da semana há protestos nas ruas, os governantes andam com um batalhão de "gorilas" a resguardar-lhes o corpo, os suicídios aumentam, milhares de famílias não têm pão para pôr na mesa, o País despovoa-se da sua juventude e temos a gelada sensação de que ninguém nos ajuda. Nas Jornadas Parlamentares do PSD-CDS, Paulo Portas, cuja imagem, distorcida e embaciada, está cada vez mais parecida com a do espelho em que se revê, abriu a sessão garantindo que já se vislumbra melhorias na economia. Mas que é isto? Vivemos nesta mentira, neste embuste, nesta pouca--vergonha que degrada a ética republicana e provoca amolgadelas maiores nos valores e nos padrões morais do nosso modo de relação social.
António José Seguro permanece ofuscado por qualquer problema que se desconhece. Nada diz, nada faz, em nada age. Cumplicia-se com o silêncio tenaz dos que se não querem comprometer. E as hostes agitam-se, cada vez mais, no PS, adquirindo proporções de que se registou uma pálida ideia na sessão de lançamento de um livro de José Sócrates. Esta agitação impeliu o antigo ministro Catroga ao beligerante comentário de que o ex-primeiro-ministro do PS deveria ser julgado. Bom. Neste caso e decorrências, o Catroga passaria ao lado? Ele, os que o antecederam e sucederam são santos impolutos e criaturas intocáveis?
O mal-estar que envolve o País tem muito a ver com este distúrbio, da natureza da consciência e de uma identidade própria que eles desagregam.
O faz de conta
Texto do Juiz Carlos Moreno (Juiz conselheiro jubilado do Tribunal de Contas) hoje publicado no jornal "i"
Faz de conta significa fingimento, dissimulação, camuflagem.
O poder diz que tem uma estratégia coerente e eficaz para consolidar as contas públicas. Mas limita-se a enormes aumentos de impostos e a cortes atrás de cortes, por si, e por imposição da troika quando esta cá vem e vê derrapagens nas metas irrealistas acordadas pelo poder para o défice. Em 2014, a austeridade vai duplicar, à custa dos velhos, das viúvas, dos reformados e das classes médias baixas. Os mais ricos continuam a escapar nas PPP, nas rendas da energia, na redução futura do IRC, cujos grandes beneficiários serão os grupos económicos do PSI 20. O poder faz de conta que tem uma excelente estratégia para reduzir o défice e a dívida. A Europa apoia-o. As oposições protestam, mas inutilmente.
O poder repete que, em Junho de 2014, a troika se vai e os portugueses recuperam a sua soberania, e que um mítico programa cautelar permitirá aceder aos mercados financeiros. Desde Maio passado, quando rebentou a crise na coligação, as taxas de juro da dívida soberana subiram para os 6% e nunca mais deram sinal de abrandar (na Irlanda estão na casa dos 3,6%). O poder faz de conta que irá aos mercados financeiros sem novos e pesados sacrifícios para os portugueses. A Europa fica muda. A oposição do arco do poder contesta, sem mostrar alternativa. Faz ainda de conta.
O poder diz que fez a reforma do Estado. Nunca teve para isso plano suportado em estudos, com objectivos e medidas devidamente calendarizadas e quantificadas. O célebre guião tornou--se uma miragem. A apregoada reforma da justiça não chegou ao terreno. A reforma fiscal e a da administração fiscal estão no limbo. As reformas para desburocratizar a administração central e local, e as tornar eficientes e eficazes, bem como as reformas na saúde e na educação, para melhor servirem o povo, limitam-se a cortes orçamentais aleatórios. O poder faz de conta que concretizou uma profunda reforma do Estado. A Europa diz "nim". A oposição que quer governar não revelou proposta credível. Faz de conta.
O poder exulta com o facto de a austeridade, sem mais e só por si, começar a dar frutos na recuperação da economia. O poder sabe que os ténues sinais de crescimento se devem às empresas exportadoras e, em parte relevante, à melhoria das expectativas e da esperança dos consumidores, abertas sobretudo pela reposição de subsídios ordenada pelo Tribunal Constitucional (TC). O poder sabe que a duplicação da austeridade para 2014 vai matar a esperança e voltar a assustar os consumidores, e assim a deprimir o consumo interno. As exportações não terão força para compensar este factor de diminuição do PIB e o investimento estrangeiro será residual. Mas o poder faz de conta que o "milagre" do crescimento está aí. A Europa cala--se. A principal oposição não acredita, mas não mostrou a sua aposta para o crescimento. Ainda faz de conta.
O poder cria leis retroactivas, que destroem direitos fixados no passado por leis legítimas, límpidas e transparentes, sem se preocupar com a machadada que assim dá na confiança dos cidadãos na democracia, no Estado de direito, nos partidos e nos políticos. Conduz uma campanha de assédio ao TC para que este decida como ele pretende e não com independência. O poder faz de conta que respeita o Estado de direito e que os juízes do TC não foram chamados antipatriotas e acusados de conduzir o país a um segundo resgate, mesmo antes de decidirem seja o que for. As oposições e muitos cidadãos, aqui, indignaram-se violentamente.
A discussão do OE/2014 corre o risco de levar a coligação e a maioria que a apoia a tentar transmitir à opinião pública que o OE/2014 é o purgatório inevitável que nos abrirá o céu, se o TC nada reprovar e a oposição lhe der o braço.
terça-feira, 22 de outubro de 2013
E o povo, pá?
Sem qualquer ponta de sensibilidade, a ministra das finanças apresentou um orçamento do estado para 2014 (OE) cruel, injusto e até anti-económico.
domingo, 20 de outubro de 2013
Para o ano há mais
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
Percebo a
vontade que muitas pessoas de esquerda têm de definir o actual Governo e
a presente política europeia como de direita: associar a direita a esta
loucura, que inevitavelmente resultará em catástrofe, provocará uma
quase hegemonia política da esquerda durante muitos anos. Conceitos como
reforma do Estado, reformas estruturais, maior liberalização económica,
menos Estado na economia, serão olhados como slogans revolucionários e
não como propostas válidas e absolutamente necessárias. Que não restem
dúvidas: a incompetência e a insanidade revolucionária irão afastar do
poder durante muitíssimo tempo políticos que não têm rigorosamente nada
que ver com esta gente e propostas ideológicas erradamente associadas ao
que estamos a viver.
Torna-se, aliás, penoso ouvir gente do PSD
revoltada com o actual estado de coisas e com a consciência de que a
linha governamental nada tem que ver com a história e os valores do
partido. É que a esmagadora maioria destas pessoas prefere o silêncio ou
as meias-palavras. Os militantes do PSD - os que lá estão por
convicções e não os meros aparelhistas - já perceberam que princípios
políticos, como o sentido reformista, a defesa intransigente da classe
média, a luta contra a desigualdade, um Estado forte e regulador, estão a
deixar de ser a essência do partido. Existem duas opções: ou param este
processo de destruição e declaram alto e em bom som o que dizem pela
calada ou ficam num partido que não é o mesmo a que aderiram. No segundo
caso é bom que saibam que se arriscam dentro de pouco tempo a estar num
partido marginal, mas isso, para o bem ou para o mal, os aparelhistas
vão perceber primeiro.
Também se entende a tentativa da gente
apoiante deste governo e desta política em definir toda a gente que não
concorda com eles como de esquerda. Em primeiro lugar, as trincheiras
são fundamentais para os intolerantes, para os sectários, para os
revolucionários. Eles ou nós é uma forma de tentar condicionar o
pensamento, de apelar a comportamentos tribais quase sempre irracionais.
Em segundo é uma maneira de tentar desacreditar dentro de um
determinado espaço ideológico as pessoas que não são, nem nunca foram,
de esquerda - as que se preocupam com isso, claro está.
Confundir
loucura revolucionária, incompetência, ignorância sobre as razões da
crise, desconhecimento do país, pulsões punitivas e slogans apatetados
do tipo "vivemos acima das nossas possibilidades", com posições
ideológicas pode dar muito jeito para a luta partidária, no pior
sentido, mas não tem o mínimo de adesão à realidade política-ideológica.
Mais, em termos europeus, a política prosseguida pouco tem que ver com
verdadeiras opções políticas mas com questões quase de fé, como a
suposta preguiça dos povos do Sul. Temos também os grandes objectivos
económicos. Neste caso, a ignorância sobre os motivos da crise de, por
exemplo, o nosso governo - que comprou a patranha da culpa
exclusivamente interna - e a incapacidade de os países mais afectados
pela crise financeira global, mais prejudicados pelos erros profundos na
implementação do euro e com estados de desenvolvimento económico e
social diferentes terem uma posição comum, ajuda decisivamente à
hegemonia das posições da Alemanha e seus parceiros.
O Orçamento
do Estado para 2014 é tão-só um exemplo da loucura instalada. Alguém
continuar a insistir numa política que está a destruir uma classe média
inteira, a criar um exército de centenas de milhares de desempregados, a
destruir o nosso incipiente Estado social, para depois de 15 mil
milhões de euros retirados às pessoas e à economia ter uma diminuição do
défice de 2,8 mil milhões é um perfeito absurdo. Diminuir o salário a
pessoas que ganham 600 euros mensais é uma infâmia. E o pior é que não
serve para rigorosamente nada. Não há a mínima oferta de uma perspectiva
de um futuro melhor. Para o ano o défice vai ser igual, mas terão sido
destruídas mais vidas e a economia estará mais deteriorada. Para 2015
será o salário mínimo a baixar, as pensões a desaparecer, a saúde e a
educação apenas para quem as puder pagar.
Os revolucionários estão quase a construir a nova sociedade. O homem novo está quase a chegar.
Muitas
razões contribuíram para este absurdo e provavelmente a inexistência de
alternativa à esquerda e o adormecimento, ou melhor, a cobardia dos
partidos de direita, não terá sido decisiva. Mas que contribuiu para
esta espécie de quarta via revolucionária/suicida não restam dúvidas. Já
estamos todos a pagar por isso, mas vai piorar. E, por este caminho,
nunca melhorará.
sábado, 19 de outubro de 2013
O último Orçamento
Texto de Pedro Almeida Cabral hoje publicado na edição online do "Expresso".