Texto de Pedro Almeida Cabral hoje publicado na edição online do "Expresso".
O Orçamento de Estado para 2014 reúne condições espácio-temporais únicas. É o primeiro. E é o último. Ao mesmo tempo. É o primeiro Orçamento que o Governo gostaria de ter apresentado desde que tomou posse.
Tem tudo o que o Governo gostaria de ter implementado desde o início e
que, por inabilidade ou falta de coragem, ainda não tinha proposto.
Cortes drásticos e acumulados nos salários dos funcionários públicos e
em reformas. Aumento indiscriminado de impostos. E descida de IRC para
grandes empresas. E pode também ser o último Orçamento que o Governo irá apresentar. Algumas
das medidas são tão ostensivamente inconstitucionais que só se podem
explicar como um derradeiro desafio ao Tribunal Constitucional. Aquele que se for perdido pode significar uma demissão ou um pedido de segundo resgate. Por falta de condições. Constitucionais, claro.
Até agora, subiram impostos, cortaram reformas,
subiram ainda mais impostos, cortaram ainda mais reformas. Mas o
resultado não serviu. Ou melhor, deu um resultadão: o défice em 2013
será de 5,8 % do PIB (Relatório do Orçamento de Estado para 2014). 0,4% acima do objetivo acordado com os credores de 5,5%. Que
por sua vez já tinha sido alterado, pois o valor inicial era de 4,5%. 5
mil milhões de austeridade para ficar tudo na mesma. Ou pior. Portanto,
há que repetir e fazer tudo igual.
Este Orçamento é lógico vindo deste Governo.
Procura um objectivo psicológico para Troika ver. E é sobretudo um
manifesto ideológico.
É lógico porque desde sempre que este Governo
procurou não apenas executar o contratado com a Troika. Procurou sempre
fazer mais do que a Troika. O que passa por tornar serviços prestados
pelo Estado como dispendiosos, inúteis e, em algumas áreas como a saúde,
a educação e a segurança social, susceptíveis de serem melhor prestados
por privados. Assim vão surgindo ideias como o cheque-ensino ou o
constante ataque à natureza contributiva da segurança social. Pedia-se que o Governo, qualquer Governo, tratasse com a Troika. Não que aderisse à Troika. Dois
anos depois, este Governo nunca faria outro caminho. A hora do
crescimento que Gaspar falava na sua carta de (de)missão pode esperar.
É psicológico. Para Troika ver. E se condoer. O
objectivo de 4% de défice em 2014 é inalcançável. O crescimento de
consumo privado em 2014 de 0,1% com tantos cortes em salários e reformas
é inatingível. Até porque em 2013 se prevê que seja de - 2,5%. E o
crescimento de 0,8% do PIB depois de uma queda prevista de 1,8% em 2013 é
muitíssimo duvidoso. Tantas previsões irrealistas e cortes, reduções
e impostos só servem para mostrar à Troika que nada muda depois da
agitação que viciou o Governo e levou Portas a Vice. E que assim será até ao fim do programa de assistência. Irrevogavelmente.
É um manifesto ideológico porque sustenta enormes
desigualdades. Embora sejam as desigualdades que o Governo quer.
Cortam-se salários de funcionários públicos de € 600. Ao mesmo tempo que
desce o IRC pago por grandes empresas. E mantendo o IVA e o IRS nos
atuais níveis elevados. Não é distracção. É mesmo convicção. Convicção
que uma taxa baixa do IRC nos salva. Como se fosse uma taxa baixa do
IRC a criar emprego. Veremos o que acontece em 2014.
Um Orçamento de Estado não consiste apenas no deve e no haver do Estado. É sobretudo a maneira como o Governo olha para o país. Só que este Orçamento não olha para o país. Olha para a Troika em desespero para não haver segundo resgate. O que faremos se tudo arder? É o que vamos saber em 2014
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