Texto de Baptista Bastos hoje publicado no
"Diário de Notícias"
O ataque ao
Tribunal Constitucional atingiu aspectos indecorosos. Dos sectores da
Direita mais radical e asinina, até à colaboração de articulistas
indignos, ou ao silêncio ordenado da maioria da "comunicação social", a
execração ultrapassa tudo o que seria previsível. Até a troika, agora,
em comunicado tão absurdo como abusivo, alude às decisões do Tribunal,
interferindo, gravíssimamente, na estrutura jurídica de um Estado,
apesar de tudo ainda soberano e democrático. O dr. Cavaco, ante esta
acometida, calou-se de modo abjecto. E o enfadonho Durão Barroso também
não se eximiu de admoestar os juízes do Constitucional, com aquela
leveza paquidérmica habitual no seu estilo.
Parafraseando um velho
amigo meu, Rui Cunha, socialista e homem de bem, não se dera o facto de
aquele Tribunal se portar à altura dos legados morais, a ditadura já
estaria aí, "reorganizada" em moldes "democráticos" e actualizada pelas
circunstâncias europeias.
Há algo de podre e de dissoluto num
Governo que estabelece leis e impõe métodos ilegítimos e se apoia numa
falsa legalidade do voto. Na realidade, o voto permite ir até certo
ponto, e impede que esse ponto seja tripudiado pelos caprichos de um
grupo. Neste caso, de um grupo celerado. A partir da altura em que a lei
é atolada, a rebelião patriótica torna-se exigência suprema.
Assisti,
há dias, entre indignado e colérico, às declarações de Passos Coelho,
num fórum de patrões. Foi muito aplaudido, porque se deslocara ao
Algarve unicamente para fazer genuflexões de servilismo. O rol de
iniquidades que aí vem, entre as quais a diminuição do subsídio de
viuvez, torna as leis de Salazar uma piedosa litografia. Pior ainda: o
tirano apoiava-se na repressão; este que tal, agora, sustenta-se na
falsa "legitimidade" do voto "democrático." Ao patronato foi garantir a
intocabilidade dos seus processos e o apoio político aos seus rumos. Aos
outros, a nós, caucionou e parafraseou a frase sinistra do banqueiro
Ulrich: aguentam, aguentam.
Temos necessidade de que os grandes
problemas portugueses sejam estudados e dilucidados por homens que
possuam e defendam valores morais partilhados. A partilha desses valores
não me parece seja comum, não só entre os governantes como naqueles que
se esticam para os substituir. A doença é endémica, e o paradigma que
se nos pretende impor simplifica ou rejeita os princípios e os padrões
de solidariedade e de compaixão que construíram a Europa do pós-guerra.
A
questão central é a de que o capitalismo não tem emenda nem reforma, e
de que estamos a ser apanhados por uma pertença de egoísmo e de
violência sem paralelo, aliás, na génese do sistema. E quase sem
possibilidade de nos defendermos. O desaparecimento da relação social é
um projecto imperial de novo tipo, escorado na desagregação do próprio
conceito de condição humana.
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
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