Texto de João Lemos Esteves hoje publicado na edição online do "Expresso".
Passos Coelho tem de ser responsabilizado
politicamente pelos militantes do PSD, sob pena de o partido rapidamente
se descaracterizar. Tal como prometido, desenvolverei este tema em
próximo artigo. Hoje, porém, julgo pertinente comentar aqui no
POLITICOESFERA o serão de pura propaganda política (objectivamente, não
estou a insinuar que tenha sido essa a intenção dos responsáveis da
estação pública) que a RTP concedeu a Passos Coelho. Repito: propaganda
política. As perguntas foram objecto de apertado escrutínio por parte da
produção, os convidados estavam sujeitos a apertadas regras
(nomeadamente, a de não poderem contradizer ou voltar a direccionar o
discurso do Primeiro-Ministro para uma resposta efectiva à questão
colocada) e os assessores de Passos Coelho elaboraram previamente as
respostas. E este é precisamente o formato de
entrevista/questionário/tempo de antena que melhor se ajusta ao perfil
de Passos Coelho: Passos Coelho não é emotivo, é excessivamente
analítico, muito longo nas suas respostas, muito redondo, nada concreto.
Ora, como a pergunta do cidadão escolhido pela RTP era apenas o mote
para a intervenção do Primeiro-Ministro, este podia discorrer longamente
sobre uma matéria (claro que, nos termos que mais lhe conviesse) sem
qualquer contraditório ou interrupções. Qual foi o valor jornalístico do
programa? Pouco ou nenhum: para Passos Coelho é muito, muito mais fácil
ser questionado nos termos deste formato da RTP do que ser confrontado
com questões de jornalistas especialistas em matérias de economia,
finanças ou política pura. Devo dizer, aliás, que não obstante o muito
apreço pessoal e profissional que tenho por Carlos Daniel, ele foi
mais apresentador de um formato de entretenimento do que jornalista:
tirando a parte final, limitou-se a apresentar os cidadãos e deixava
Passos Coelho responder como lhe aprouvesse. Nem sequer se diga que este
formato corresponde ao modelo muito popular nos EUA das Town Hall Meetings:
primeiro, nos EUA, são utilizados em debates presidenciais, em que os
contendores presidenciais apresentam ideias alternativas respondendo a
questões de cidadãos - portanto, nos EUA, há contraditório; em segundo
lugar, o moderador tem um papel mais activo, não descurando o follow up
das intervenções dos candidatos. Isto já para não dizer que nos Estados
Unidos da América, o tempo concedido aos candidatos para responder às
questões não é tão extenso como o que foi dado ontem a Passos Coelho.
Portanto, como as audiências mostram, muitos portugueses sintonizaram a
RTP para ver Passos Coelho ser confrontado com questões difíceis, a dar
explicações aos portugueses sobre os insucessos das suas políticas,
mas, afinal, foram presenteados com o mesmo discurso vazio, sem qualquer
ideia nova e com um discurso cinzento que impressiona pela negativa.
Pois bem, este é o único ponto que fica do programa feito por encomenda
para Passos Coelho: é que o Primeiro-Ministro em vez de estar a salvar o
País, está a tentar salvar a sua pele. No fundo, Passos Coelho, no
seu íntimo, já atirou a toalha ao chão: sabe que perderá as
legislativas, sejam elas para o ano ou em 2015, restando-lhe tentar
ficar bem na História. Daí aquele argumento surreal, que revela no
limite uma visão totalitária do poder ao reconduzir o sucesso ou
insucesso de Portugal ao sucesso ou insucesso de Passos Coelho. Ou seja,
eu, Passos Coelho, sou Portugal; e Portugal sou eu, Passos Coelho. Tudo
pelo Passos Coelho; nada contra o Passos Coelho. Mais uma vez, Passos
Coelho não sabe o que é democracia - não sabe quais são os fins e o
métodos de legitimação dos Governos num Estado Constitucional.
Como já aqui defendi, Passos Coelho julga que poderá
ganhar eleições pelo medo, criando um falso dilema entre ou a política
que o Governo está a seguir ou o caos. É um erro crasso com implicações
negativas para o interesse de Portugal: é que sem confiança dos cidadãos
na política, sem motivação não há política de austeridade ou contenção
(reparem que o Governo já mudou o léxico!) que possa resultar. Há gente
que é teimosa, mas como é tão competente consegue ter êxito; há gente
que é muito incompetente, mas como é humilde consegue rectificar os seus
erros. Pois bem, Passos Coelho consegue o pior de dois mundos: é teimoso e é incompetente politicamente. Resultado: o desastre nacional em que vivemos
Mas outra implicação que importa salientar, com reflexos no funcionamento interno do Governo. Qual? Veremos no próximo texto.
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