Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contr ário" no "Expresso".
Na quinta-feira Paulo Portas explicou que, tirando uns cortes aqui e
ali, mais nada de fundamental vinha para massacras os portugueses. E que
a TSU dos reformados, sua famosa linha vermelha, tinha ficado
definitivamente de lado. Não vinha aí qualquer pacote de austeridade.
Como escrevi na altura, era evidente que Portas não estava a contar
tudo. 48 horas bastaram para que Portas fosse desmentido e para que as
suas linhas vermelhas fossem rebentadas. O governo vai cortar nas
pensões de sobrevivência. Em vez da TSU dos reformados temos a TSU das
viúvas e dos viúvos. Grande parte delas com idades muitíssimo avançadas.
Podia haver mais abjeto do que isto?
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
E agora, a TSU das viúvas
Manda saber o
ministro de Portas, Mota Soares, que este corte só acontecerá quando a
pensão de sobrevivência, acumulada com a pensão da pessoa que está viva,
seja superior a um determinado valor. Ou seja, em vez de se tratar de
uma compensação pela perda de rendimento com a morte do cônjuge, esta
pensão passa a ser tratada como um complemento para sobreviver. Em vez
de uma pensão, é um subsídio. A expressão "sobrevivência" passa a ter um
sentido literal, imaginando-se que esta pensão serve para quem fica
ainda se aguentar mais ou menos vivo.
Como Pedro Adão e Silva muito bem explicou ontem na
SIC Notícias, a existência da pensão de sobrevivência resulta de uma
enorme diferença de rendimentos entre homens e mulheres (que se reflete
numa enorme diferença nos valores das suas reformas) que se sente ainda
muito fortemente nos atuais reformados. Como a longevidade das mulheres é
mais alta, a inexistência destas pensões implicava uma enorme perda de
rendimentos para quem tinha acabado de perder o seu cônjuge. Não se
trata, por isso, de garantir a mera sobrevivência de quem recebe essa
reforma, mas de não obrigar alguém com 80 anos a ter de viver, de um dia
para o outro, com metade, um terço ou menos do que vivia até então.
Para simplificar, dou um exemplo. Os meus avós eram o
típico casal de classe média baixa da sua geração. Remediados e sem
qualquer luxo, poupados e muito pouco gastadores. Depois do meu avô ter
morrido, a minha avó só conseguiu manter o seu nível de vida anterior
graças à sua pensão de sobrevivência. Sem ela, teria sido obrigada a
passar da classe média baixa para a pobreza completa. Percebem o que é
exigir isto a uma pessoa de 75 ou 80 anos? É assim tão difícil perceber a
selvajaria desta medida?
O governo diz que serão protegidas as pensões e
reformas mais baixas. Mas é importante percebermos do que estamos a
falar. A pensão de sobrevivência média é de 180 euros. Muito poucas são
superiores a 500 euros. Não é difícil imaginar até onde tem de ir o
governo para conseguir o corte anunciado de 100 milhões de euros com
esta medida. Ou seja, as pensões e reformas continuam a ser tratadas
como uma esmola e não como um direito à dignidade de quem confiou no
Estado. A ideia, no futuro, será esta: quem quiser viver decentemente
terá de fazer um PPR com os bancos. O Estado lida apenas com os
indigentes.
Por fim, a medida é, mais uma vez, retroativa.
Aplica-se a quem já estava a receber a reforma e não às reformas
futuras. Se se confirmar que ela é extensível à Caixa Geral de
Aposentações (as notícias têm sido contraditórias), estamos perante o
terceiro corte consecutivo nas pensões dos funcionários do Estado.
Não me venham, por favor, defender esta medida com a
conversa sobre da insustentabilidade das contas públicas. Este é o
mesmo governo que nos anunciou, há poucos meses, uma redução das taxas
de IRC que terá, nos próximos cinco anos, um impacto orçamental
acumulado de 1,2 mil milhões de euros. Perdas que têm de ser
compensadas. Não defendo impostos altos para as empresas. Mas na
política fazem-se escolhas. E, na prática, a escolha tem sido tirar a
reformados e trabalhadores para garantir uma redução de um imposto que é
tudo menos certo que venha a ter um impacto visível no emprego ou no
crescimento económico.
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