Texto de Bruno Proença hoje publicado no "Diário Económico"
O Presidente da República afirmou, a partir da
Suécia, que está surpreendido que em Portugal existam analistas e
políticos que digam que a dívida pública não é sustentável, para mais
quando os credores - Comissão Europeia, FMI e BCE - dizem o contrário. E
Cavaco Silva acrescentou: "Só há uma palavra para definir essa atitude:
masoquismo". Pois bem, eu assumo: sou um desses masoquistas. Vamos aos
factos e aos números.
Primeiro, infelizmente, os credores não
acreditam que a dívida pública portuguesa seja sustentável. Basta ouvir
as declarações dos representantes oficiais do FMI ou do Banco Central
Europeu para perceber que estão preocupados com a subida galopante do
endividamento estatal. Recordem-se as palavras de Abebe Selassie, antigo
responsável da missão do FMI em Lisboa, veja-se a classificação das
agências de ‘rating' que mantêm a dívida no "lixo" e, por fim, os juros
nos mercados internacionais continuam muito acima do sustentável. Se os
credores tivessem confiança na capacidade de Portugal pagar os seus
créditos, não pediam taxas de juro perto de 7%. Na verdade, a dívida
pública nacional é mais assunto de especuladores do que de investidores
institucionais estrangeiros.
Agora, os números. Há diversos
critérios para medir a dívida pública, mas em nenhum deles Portugal
aparece bem na fotografia. Segundo o último boletim da execução
orçamental do Governo, o ‘stock' da dívida directa do Estado atingiu
207,4 mil milhões de euros em Agosto, isto significa mais de 120% do PIB
- passou de 108% em 2011 para 124% no ano seguinte. Por outras
palavras, toda a riqueza criada num ano em Portugal não chegam para
pagar o endividamento acumulado pelo Estado.
Mas ainda mais
grave, Portugal não tem capacidade para aguentar o custo anual com a
dívida, por isso é que é insustentável. É uma bola de neve em movimento.
Desde logo, porque as contas do Estado continuam a registar défices
anuais que têm de ser financiados com mais crédito, por isso a dívida
pública continua a crescer. No mínimo, o Governo devia conseguir um
saldo primário positivo - saldo das contas públicas descontando os juros
e o serviço da dívida - mas depois de dois anos de intervenção externa
ainda estamos longe disso. Depois, o País não cria riqueza para pagar a
dívida. Mesmo no próximo ano, com a economia fora da recessão, o
crescimento económico será inferior aos juros associados à divida
pública - o PIB nominal será inferior aos juros médios da dívida
pública. Enquanto a realidade for esta, o endividamento estatal é
insustentável, com ou sem masoquismo.
Cavaco Silva devia ser o
primeiro a dizer a verdade aos portugueses. Meter a cabeça na areia não
resolve os problemas. O Presidente da República devia fazer pressão para
melhorar as contas públicas. A mensagem de Belém devia ser outra:
masoquismo é falar em segundo resgate e perdão de dívida. Isto sim
assusta os credores e potenciais investidores. Ou seja, a dívida pública
como está é insustentável mas ainda é possível encontrar soluções
benignas que evitem a catástrofe de forçar um perdão como aconteceu na
Grécia. Quem anda a gritar "não pagamos" ou sempre a falar na
reestruturação de dívida está de facto a prestar um mau serviço ao País.
O caminho é estreito e difícil mas ainda vamos a tempo de
garantir um programa cautelar junto da Comissão Europeia e do BCE. O
primeiro passo será o Orçamento do Estado para 2014 que deve ser
realista e mostrar que o Estado caminha seriamente para um excedente
primário. Isto é árduo. Vai obrigar a reduzir a despesa pública e a
fazer a reforma do Estado - a mãe de todas as reformas de que todos
falam mas ninguém quer fazer.
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Eu sou masoquista
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Paulo Portas
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