Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
Percebo a
vontade que muitas pessoas de esquerda têm de definir o actual Governo e
a presente política europeia como de direita: associar a direita a esta
loucura, que inevitavelmente resultará em catástrofe, provocará uma
quase hegemonia política da esquerda durante muitos anos. Conceitos como
reforma do Estado, reformas estruturais, maior liberalização económica,
menos Estado na economia, serão olhados como slogans revolucionários e
não como propostas válidas e absolutamente necessárias. Que não restem
dúvidas: a incompetência e a insanidade revolucionária irão afastar do
poder durante muitíssimo tempo políticos que não têm rigorosamente nada
que ver com esta gente e propostas ideológicas erradamente associadas ao
que estamos a viver.
Torna-se, aliás, penoso ouvir gente do PSD
revoltada com o actual estado de coisas e com a consciência de que a
linha governamental nada tem que ver com a história e os valores do
partido. É que a esmagadora maioria destas pessoas prefere o silêncio ou
as meias-palavras. Os militantes do PSD - os que lá estão por
convicções e não os meros aparelhistas - já perceberam que princípios
políticos, como o sentido reformista, a defesa intransigente da classe
média, a luta contra a desigualdade, um Estado forte e regulador, estão a
deixar de ser a essência do partido. Existem duas opções: ou param este
processo de destruição e declaram alto e em bom som o que dizem pela
calada ou ficam num partido que não é o mesmo a que aderiram. No segundo
caso é bom que saibam que se arriscam dentro de pouco tempo a estar num
partido marginal, mas isso, para o bem ou para o mal, os aparelhistas
vão perceber primeiro.
Também se entende a tentativa da gente
apoiante deste governo e desta política em definir toda a gente que não
concorda com eles como de esquerda. Em primeiro lugar, as trincheiras
são fundamentais para os intolerantes, para os sectários, para os
revolucionários. Eles ou nós é uma forma de tentar condicionar o
pensamento, de apelar a comportamentos tribais quase sempre irracionais.
Em segundo é uma maneira de tentar desacreditar dentro de um
determinado espaço ideológico as pessoas que não são, nem nunca foram,
de esquerda - as que se preocupam com isso, claro está.
Confundir
loucura revolucionária, incompetência, ignorância sobre as razões da
crise, desconhecimento do país, pulsões punitivas e slogans apatetados
do tipo "vivemos acima das nossas possibilidades", com posições
ideológicas pode dar muito jeito para a luta partidária, no pior
sentido, mas não tem o mínimo de adesão à realidade política-ideológica.
Mais, em termos europeus, a política prosseguida pouco tem que ver com
verdadeiras opções políticas mas com questões quase de fé, como a
suposta preguiça dos povos do Sul. Temos também os grandes objectivos
económicos. Neste caso, a ignorância sobre os motivos da crise de, por
exemplo, o nosso governo - que comprou a patranha da culpa
exclusivamente interna - e a incapacidade de os países mais afectados
pela crise financeira global, mais prejudicados pelos erros profundos na
implementação do euro e com estados de desenvolvimento económico e
social diferentes terem uma posição comum, ajuda decisivamente à
hegemonia das posições da Alemanha e seus parceiros.
O Orçamento
do Estado para 2014 é tão-só um exemplo da loucura instalada. Alguém
continuar a insistir numa política que está a destruir uma classe média
inteira, a criar um exército de centenas de milhares de desempregados, a
destruir o nosso incipiente Estado social, para depois de 15 mil
milhões de euros retirados às pessoas e à economia ter uma diminuição do
défice de 2,8 mil milhões é um perfeito absurdo. Diminuir o salário a
pessoas que ganham 600 euros mensais é uma infâmia. E o pior é que não
serve para rigorosamente nada. Não há a mínima oferta de uma perspectiva
de um futuro melhor. Para o ano o défice vai ser igual, mas terão sido
destruídas mais vidas e a economia estará mais deteriorada. Para 2015
será o salário mínimo a baixar, as pensões a desaparecer, a saúde e a
educação apenas para quem as puder pagar.
Os revolucionários estão quase a construir a nova sociedade. O homem novo está quase a chegar.
Muitas
razões contribuíram para este absurdo e provavelmente a inexistência de
alternativa à esquerda e o adormecimento, ou melhor, a cobardia dos
partidos de direita, não terá sido decisiva. Mas que contribuiu para
esta espécie de quarta via revolucionária/suicida não restam dúvidas. Já
estamos todos a pagar por isso, mas vai piorar. E, por este caminho,
nunca melhorará.
domingo, 20 de outubro de 2013
Para o ano há mais
Etiquetas:
governo,
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Paulo Portas
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