Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal I-online.
O
primeiro-ministro ciranda por aí, como um cata-vento, proferindo um
discurso aldrabão, sem nesga de brilho, nem réstia de credibilidade
Paulo Portas, na apresentação das conclusões das "avaliações" da troika, conseguiu a proeza de, durante mais de uma hora, não dizer nada de relevante, subestimando, como é hábito, a capacidade dos portugueses verem para além do palavreado vazio que lhe despejam em cima. Nas suas quezílias internas, no interior do governo, o vice--primeiro-ministro conseguiu os seus objectivos: primeiro, demonstrar que o substituto de Miguel Relvas, o ministro Poiares Maduro, que vendeu a alma ao diabo para ser ministro, foi remetido à sua insignificância, como ministro da propaganda, depois de sucessivos desaires, protagonizados pelo seu secretário de Estado Pedro Lomba; segundo, demonstrar que a ministra das Finanças é uma subalterna sua, humilhando-a pessoalmente e desvalorizando o cargo que ocupa, como nunca tinha acontecido num governo, nestes quase quarenta anos de democracia (nem sequer na situação mais próxima, quando Mota Pinto era vice--primeiro-ministro e Hernâni Lopes ministro das Finanças, num governo sob a vigilância do FMI); terceiro, demonstrar que é ele, Paulo Portas, quem manda no governo, colocando à sua esquerda Carlos Moedas, secretário-adjunto do primeiro-ministro, que fez o papel de verbo-de-encher, calado, e a fazer acenos de cabeça em sinal de elogio e concordância com as vacuidades que Paulo Portas ia debitando. Um número de mágica para enchimento do ego pessoal e a ambição política de Paulo Portas, mas caricato, senão mesmo sinistro, para quem espera que os seus governantes lhes falem com frontalidade e verdade.
Por sua vez, o primeiro-ministro ciranda por aí, como um cata-vento, proferindo um discurso aldrabão, sem nesga de brilho, nem réstia de credibilidade, ora ameaçando os portugueses e os juízes do tribunal Constitucional com um novo resgate, ora afirmando que não haverá um novo resgate, ora anunciando que a economia está a recuperar e que "tudo está a correr bem", ora dizendo que a troika não sairá daqui tão cedo. Um discurso patético, troca-tintas, que esconde deliberadamente o essencial: a sua "visão" de que empobrecendo a maioria dos portugueses, fazendo-os viver no limiar da pobreza, sem "esses quiméricos direitos" de protecção no Trabalho, na Saúde ou na Educação, que o "Estado socialista" lhes deu, e que a Constituição lhes reconhece, recuperamos a "confiança dos mercados" e, mais cedo ou mais tarde, seremos felizes.
Um retrato fiel deste governo, do seu modo de estar na política e da sua relação com os cidadãos está corporizada no ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete. Esconde no curriculum o papel que desempenhou no banco BPN/SLN, mente descaradamente - são as palavras certas - sobre a sua posição de accionista no dito banco, inventa informações colhidas junto da Procuradora-Geral da República, ajoelha-se, numa subserviência desmedida, perante o dinheiro de Estados estrangeiros, no caso concreto Angola, pedindo "desculpas diplomáticas" pela investigação da Justiça a crimes económicos. Este governo não se deslustra por ter no seu elenco tal ministro. Portugal é que empobrece e se humilha com este governo.
E tudo isto na semana em que os resultados das eleições autárquicas nos deram um facto estruturalmente relevante: para além dos socialistas alcançarem mais votos do que os dois partidos do governo juntos e do Partido Comunista, pela primeira vez em muitos anos, obter uma subida significativa, sendo o único partido a crescer em número de votos, regista-se o sucesso eleitoral de candidatos dissidentes de partidos, como em Matosinhos e Portalegre. Adivinha-se que, se fossem permitidas listas de independentes à Assembleia da República, o actual regime político-partidário desfazer-se-ia como um castelo de cartas. Aguardemos pelas eleições europeias.
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