Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"
A 29 de
setembro, ainda a noite não ia alta, e já Paulo Portas ufanava com os
resultados eleitorais do CDS. "É o penta", decretava, perante a subida
de 500% do partido, no que a presidências de câmara diz respeito. Ou
seja, o CDS passava a liderar, não uma mas cinco importantíssimas
autarquias, no estimulante campeonato da "liga dos últimos". Isto apesar
de ter perdido vinte mil votos em relação a 2009 e de ter registado
cerca de metade da votação dos brancos e nulos.
Na mesma
declaração, Paulo Portas não resistiu a surfar a vitória de Rui Moreira
no Porto, revelando, mais uma vez a sua verdadeira natureza. Em mais um
dispensável exercício de deslealdade absoluta para com o seu parceiro de
coligação no Governo da República, não hesitou em afirmar que o partido
"viu mais longe quem era o melhor candidato para a cidade", lembrando
que pediu o voto em candidatos de "contas certas", e que quis "garantir
que não havia um regresso às aventuras". O alvo era, naturalmente, o
candidato bandeira do PSD, Luís Filipe Menezes.
Tal como Tom
Ripley, a personagem criada por Patricia Highsmith no após-guerra,
também o líder do CDS é frio e calculista a fazer política e mestre na
arte de manipular, dissimular, disfarçar, enfim, iludir e faltar à
verdade.
Tem sido assim ao longo da sua carreira política, e de forma mais evidente no decurso do último ano.
A
8 de janeiro de 2013, dizia sem se rir o então ministro de Estado e dos
Negócios Estrangeiros em entrevista à SIC-Notícias: "Sou
institucionalista. É com esta Constituição que tenho de viver",
acrescentando ainda que a lei fundamental tem de ser cumprida dentro dos
seus "limites normativos". É este o mesmo Paulo Portas que integra um
Governo de uma maioria que já esbarrou por cinco vezes nos juízes do
Tribunal Constitucional (TC) e que ameaça não ficar por aqui. Seja por
causa do imoral novo cálculo retroativo das pensões da CGA, seja pela
manutenção em 2014 de medidas que só passaram no TC porque tinham
caráter extraordinário.
Mais tarde, a 5 de maio, o líder do CDS
confessava--se "incomodado" com a notícia sobre o aumento da idade da
reforma para os 67 anos. Que não havia consenso no Governo para uma
medida dessa natureza, dizia, e que por isso "felizmente não será
assim". Ainda as suas palavras não tinham arrefecido e já o
primeiro-ministro, nesse mesmo mês, escrevia à troika garantindo a
subida da idade de aposentação para... os 66 anos. Aos 67 nem pensar,
vociferava o ministro Portas com irrevogável pose de Estado. Coisa bem
diferente e até aceitável é falar de 66.
Já em junho, um mês antes
da crise agora transformada pelos credores oficiais em "perturbação
política", Portas dizia, através do porta-voz do seu partido, que era
chegada a hora de "levantar a voz à troika". Daí a reclamar a
flexibilização das metas - nunca cumpridas - do défice público para uns
"realistas" 4,5% em 2014 foi um pequeno passo. Porém, o agora
vice-primeiro-ministro, que ameaçava murros na mesa e falar grosso,
meteu esta semana a viola no saco e revelou-se afinal impotente perante a
intransigência da troika.
E nem sequer vale a pena
recordar a demissão irrevogável de julho passado, do homem que a 16 de
maio, a propósito da chamada TSU dos pensionistas - mas o pretexto podia
ser qualquer outro -, afirmava "tenho uma palavra e não duas". Porque
permanecer seria "um ato de dissimulação" que não era "politicamente
sustentável" nem lhe era "pessoalmente exigível", ficava afinal no
Governo,
E é assim o talentoso Dr. Portas, cuja palavra tem um rating mais
negativo que o da República Portuguesa, quem agora nos garante a todos,
outra vez sem se rir, que não haverá mais nenhum pacote de austeridade.
Como se aquela que está anunciada não fosse já suficiente. E como se a
gula dos credores não fosse infindável e os riscos constitucionais das
medidas que estão por aplicar não fossem reais nem estas tivessem de ser
substituídas por outras em caso de reprovação pelo Tribunal
Constitucional.
Se não fosse trágica, toda esta encenação
permanente seria ridícula. E bem se poderia dizer que se o ridículo
matasse, nos anos que já leva de palco político, o Dr. Portas tem vivido
muito acima das suas possibilidades. Isto é, além das sete vidas que
seguramente já gastou, consome agora outras tantas à custa de um crédito
que, sabe-se lá, se algum dia terá capacidade para pagar.
sábado, 5 de outubro de 2013
O talentoso Dr. Portas
Etiquetas:
governo,
Paulo Portas
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