Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
"Portugal precisa
de um ajustamento estrutural da sua elite económica. Vivem claramente
acima das nossas possibilidades. Capturam o Estado e fazem dele o
alicerce da sua acumulação de riqueza, descapitalizando-o para o
exercício das funções que uma sociedade frágil e pobre exige. Servem de
intermediários da finança internacional e, como seus representantes em
Portugal, põem e desfazem governos à medida das necessidades de negócio
de cada momento. Zombam da lei e do interesse público. E, no fim, ainda
têm o topete de fazer para a sociedade que os alimenta a apologia da
miséria.
Há continuidades e mudanças na agenda dessa elite. A
proteção do Estado é, há mais de um século, a sua principal
continuidade: desde o monopólio dos tabacos na viragem do século XIX
para o século XX, até à siderurgia ou aos petróleos durante o
salazarismo e à eletricidade, às autoestradas ou à saúde no nosso tempo,
sempre a elite económica teve no Estado o seu mais fiel aliado. Mas
essa proteção não cai do céu. Ela é sim o resultado da tessitura fina de
redes de cumplicidade entre a esfera de decisão económica da elite e as
diferentes instâncias do poder político, desde os partidos aos media e
às instituições.
Que um banqueiro - membro de uma das famílias que
ao longo de mais de um século perdura no topo da economia nacional,
resistindo a todas as intempéries políticas e financeiras - tenha
beneficiado de programas governamentais de amnistia fiscal para
regularizar a não declaração ao fisco de 8,6 milhões de euros é muito
revelador da relação de cumplicidade entre o Estado e as famílias da
banca. O que impressiona neste caso é a duplicidade com que o Estado
trata as pessoas: uma dívida ao fisco de um qualquer cidadão anónimo na
ordem de umas centenas de euros determina invariavelmente sanções e
punições temíveis para a existência frágil da esmagadora maioria; já a
dívida de milhões de um banqueiro por infração da regra mais basilar que
é a da declaração de rendimento e de património é objeto de tratamento
com deferência e vénia, quem sabe se não mesmo com um agradecimento do
Estado credor. O banqueiro sabe que tem no Estado um amigo, o cidadão
arrisca-se a ter nele um agressor.
Que um outro banqueiro, cujo
banco é detido em 99% pelo Estado, diga publicamente que "não se
chocaria" se o Estado nomeasse um membro para a gestão do banco é
igualmente revelador. A sobranceria com que a elite se permite tratar o
Estado, a redução deste a algo que se tolera (mesmo que se corra à
procura do seu auxílio ao primeiro obstáculo que surja à tranquilidade
da acumulação), evidencia como ela dá por assente que o Estado não
incomodará e se remeterá ao servil papel de atento, venerador e
obrigado.
O desdém da elite pelo Estado é a expressão de um seu
desdém mais fundo pela sociedade no seu todo. Que ainda um outro
banqueiro se dê o direito de dizer, na mesmíssima sessão em que anunciou
lucros do seu banco no valor de 250 milhões de euros - dos quais 160
resultantes de especulação sobre a dívida soberana de Portugal - que se
os sem-abrigo aguentam a sua condição nós todos temos de aguentar as
consequências da vertigem do empobrecimento mostra como a elite dos
negócios entrou em versão hardcore e como a sua confiança lhe fez perder
a noção dos limites do decoro.
Esta nata que impôs a vinda da
troika para garantir o pagamento por quem trabalha dos custos das suas
irresponsabilidades especulativas e que abençoa a nomeação para o
Governo de quem calou o crime do BPN é aquilo que mais precisa de ser
refundado em Portugal."
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
A nata
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário