Texto de João Lemos Esteves hoje publicado na edição online do "Expresso".
"1. Portugal regressou aos mercados: para
alguns fundamentalistas financeiros, o objectivo mais importante foi
conseguido. Não se preocupam com os efeitos práticos do feito, nem a sua
relevância para a vida dos portugueses: os mercados reagiram
positivamente à emissão da nossa dívida pública, logo, a política
seguida pelo Governo é fantástica. Extraordinária. Perfeita. É
inacreditável como estes fundamentalistas vivem noutro planeta, noutra
dimensão que não é o nosso mundo. Basta sair à rua para perceber que há
cada vez mais lojas a fechar, o que tem efeitos inequívocos no dinamismo
das ruas, há um número crescente de pedidos de insolvência, cresce a
miséria e a pobreza extrema. Tudo isto são flagelos sociais - que, em
teoria, exigem uma resposta atempada e eficaz do poder político. Em
teoria, quando votamos - exercício máximo da nossa soberania, da
soberania popular - estamos a optar por um determinado projecto
político, cujas virtualidades acreditamos poder resolver mais
idoneamente os nossos problemas colectivos. A legitimidade de facto de
um Governo decorre, em larga medida, da sua determinação e do seu
sucesso na resolução de tais flagelos: incrementar a posição do cidadão
na pólis, no Estado, promovendo a melhoria das condições que lhe
permitam afirmar-se plenamente como pessoa é, pois, a tarefa cimeira do
poder político. Das maiorias parlamentares e dos Governos que delas
emanam. Neste particular, o Governo Passos Coelho há muito que perdeu a
sai legitimidade.
2. Com efeito, é verdadeiramente vergonhosa a forma
como Pedro Passos Coelho reagiu ontem aos dados que apontam que Portugal
caminha para o milhão de desempregados. Um milhão de pessoas, de
portugueses, sem perspectivas profissionais, sem o seu "ganha pão", que
se confrontam com uma situação desesperante que fragiliza a sua condição
de cidadão, de pai, de mãe, de membro familiar preocupado consigo e com
os seus. Quem sempre viveu das "cunhas partidárias", dos favores
dos seus padrinhos das jotas, que tirou um curso universitário por
equivalências ao seu brilhante passado profissional em grupos
folclóricos, não sabe que o desemprego não é apenas um problema
económico: é um problema social. O desemprego acarreta discussões
familiares, a perda da confiança da pessoa em si própria, enfim, a
infelicidade pessoal. Ora, para pessoas que só pensam em números, sendo
absolutamente insensíveis ao sofrimento dos seus concidadãos, como é o
caso de Passos Coelho, o desemprego deveria preocupar pois corresponde a
uma "infelicidade agregada". Como é que um Governo pode
auto-convencer-se do sucesso das suas políticas quando o nível de
desempregados, o número de insolventes aumenta todos os dias? Como é
possível? Pior: quando temos a certeza de que este Governo não tem
solução nenhuma para o problema dos desempregados. Neste momento, não
existe política económica, porque Passos Coelho simplesmente resolveu
matar politicamente o Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira.
Santos Pereira é, aliás, gozado no próprio Governo como sendo o "tótó do
pastel de nata" (assessor de Miguel Relvas dixit).
3. O comentário de ontem de Passos Coelho, dando a
entender que o número de desempregados, o sofrimento causado aos
portugueses é um efeito colateral necessário para o nosso "regresso aos
mercados" revela uma insensibilidade chocante. Se tivéssemos um
Primeiro-Ministro em condições, hoje estaríamos a discutir um plano de
emergência económica e social. Cada português desempregado merece, pelo
menos, isso da sua parte, Senhor Passos Coelho. Nem todos tem as
facilidades e as cumplicidades de Miguel Relvas..."
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