Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Notícias"
"Vivêssemos nós
na antiga Gália ocupada, e acharíamos que o céu já estava a cair-nos em
cima da cabeça. Com uma taxa de desemprego sem precedentes e uma carga
fiscal a roçar a obscenidade, com uma recessão que atinge valores
próximos dos de meados da década de 70 do século passado e um Estado
cada vez mais intrometido na nossa vida quotidiana - veja-se agora o
incentivo à "bufaria" que é a penalização dos consumidores que não pedem
faturas -, a pergunta que se impõe é, citando o grande
filósofo/educador Fernando Ulrich, o País ainda aguenta?
O cônsul
do império, Pedro Passos Coelho, acredita que sim. Na Assembleia da
República, garantia, ainda não satisfeito com a sua obra, que "não
estamos pior do que quando começámos". Se o primeiro-ministro se refere à
consolidação das contas públicas, terá alguma razão. Mas de que serve a
obsessão com o défice - que, aliás, não está a ser cumprido - se no fim
da linha, que é como quem diz do ajustamento, não houver economia?
Ontem,
quando confrontado com a pergunta "o que é que o senhor está a fazer no
Governo?", Passos Coelho socorreu-se, mais uma vez - e apesar das
juras solenes de que nunca o faria - da pesada herança socialista. Quase
20 meses depois de ter tomado posse, esta é uma desculpa que já não
cola. Ainda para mais quando são já os próprios membros da maioria que
suporta o Governo que identificam como causa para o "ligeiríssimo"
desvio entre previsões e resultados reais o arrefecimento da economia
europeia. Isto é, para o Governo, as condicionantes externas são válidas
para desculpar a incompetência da governação às terças, quintas e
sábados. Às segundas, quartas e sextas a dimensão internacional da crise
desaparece e esta passa a ser apenas consequência da "tragédia"
socrática que se abateu sobre Portugal. Em matéria de seriedade estamos,
pois, conversados.
Apesar das evidências que apontam para uma
contração do produto para o dobro daquilo que o Governo inscreveu no
Orçamento do Estado para este ano, o primeiro-ministro não vê ainda
sinais de espiral recessiva. Já não nega, porém, que poderá vir a ter de
fazer uma revisão das metas e das previsões. Mas, que diabo, não era
óbvio para todos que chegaríamos aqui? Foi mesmo preciso destruir 203,6
mil postos de trabalho em apenas um ano? E não terá sido, prevendo já o
arrefecimento económico na Zona Euro, para arranjar receitas à bruta que
se aumentaram colossalmente os impostos da maneira que todos sentimos?
E, que mal pergunte, não era este ano da graça de 2013 o da inversão de
ciclo e da entrada numa trajetória de crescimento "na ordem dos 3%, 4%
ou até mesmo 5%", como profetizou o grande farol António Borges?
Estamos
pois, é inegável, à beira do abismo. E, como diria um grande filósofo
do futebol, há quem seja firme e determinado e esteja pronto a dar o
passo em frente, mesmo que para isso seja necessário afundar um país
inteiro.
Esta ideia que pretende impor-se de que não existe
alternativa a este caminho é típica de regimes totalitários. É aliás
daí, do totalitarismo, que vem a inspiração para ideias tão peregrinas
como a da criação de milícias populares que denunciem os comerciantes
malandros que não passam faturas, ou, pior ainda, a obrigatoriedade de
fazer constar dos talões de compra dados pessoais do consumidor. Estas,
como por exemplo a intenção de fiscalizar os fumadores dentro dos
carros, são ideias de um Governo que foi eleito com base na premissa de
que o Estado é um empecilho e deve fazer-se sentir o menos possível na
vida dos cidadãos. Mas, ironia das ironias, a presença do Estado nunca
foi tão percetível, em democracia, e pelas piores razões, como com o
atual Governo.
Em democracia não há pensamento nem partido único.
E, por definição, há sempre alternativas. Nem que seja o inevitável
alargamento dos prazos de maturidade para pagamento dos empréstimos que
contraímos. É óbvio que, para que elas se manifestem, é necessário que
as oposições tenham discurso. Honra lhes seja feita, o PCP e o BE são
claros e coerentes no caminho que propõem: romper com a troika e rasgar o
"Pacto de Agressão". E o que diz o PS? O que é que fará de diferente?
Em que é que se vai distinguir da atual maioria? Que relação terá com o
Memorando, com a dívida e com o embuste apelidado de "reforma do
Estado"?
Pacheco Pereira sugeriu esta semana, por exemplo, que os
socialistas deviam ter a coragem de fazer uso da sua capacidade de "veto
informal", isto é, que em matérias fundamentais como o corte permanente
de 4 mil milhões nas despesas sociais do Estado, no aumento do salário
mínimo, nas taxas moderadoras da saúde, ou nas condições de acesso ao
subsídio de desemprego o PS anunciasse, de forma solene, que fará
exatamente o contrário daquilo que a maioria atual está a pôr em prática
e que reporá todas as prestações que agora venham a ser cortadas. Isso,
naturalmente, obrigaria a troika a negociar e a rever a sua receita que
tão maus resultados tem dado. Mas, para isso, é preciso ter
argumentário e capacidade de proposta e, sobretudo, coragem para, se
necessário for, romper com um memorando que já nada tem a ver com o
original, negociado pelo anterior Governo com a bênção de PSD e CDS,
então na oposição.
Como é óbvio, o País já não aguenta. E das
duas, uma: ou se trava a espiral recessiva já denunciada pelo Presidente
da República - a propósito, alguém sabe onde está Cavaco Silva? -
enquanto é tempo, ou, chegados ao nosso trágico destino, já nada haverá
para salvar. A escolha é simples. Porque, como escreveu um dia Victor
Hugo, "entre um governo que faz o mal e o povo que o consente, há certa
cumplicidade vergonhosa"."
sábado, 16 de fevereiro de 2013
Ao que chegámos
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