"Se os partidos querem candidatar os seus dinossauros autárquicos a um quarto mandato vão ter de o assumir
A descoberta de uma gralha na lei de limitação de
mandatos autárquicos constitui uma cena burlesca. Ao fim de oito anos, a
Presidência da República detetou a troca de um "da" por um "de", na
transposição da Lei para o Diário da República. Anedótico. E grave.
Os
portugueses ficam assim informados que, doravante, jamais poderão
confiar na legislação publicada no Diário da República. Pode enfermar de
gralhas, erros ou omissões cuja correção aparecerá apenas anos mais
tarde, quando der jeito a alguém.
Está provado
que ninguém lê, corrige os diplomas ou sequer confronta a legislação
aprovada com a que é efetivamente publicada. Já se sabia que o sistema
tinha capacidade de interpretar as leis em função da sua conveniência; o
que não se imaginaria é que ainda se entretivesse a falsificá-las.
Caberá agora a Cavaco Silva esclarecer se o Diário da República é para
levar a sério e informar-nos se que o que lá se lê é legislação ou
distorção.
Quanto à limitação de mandatos
autárquicos propriamente dita, a confusão não poderia ser maior. Foram,
nas últimas semanas, emitidas inúmeras opiniões de juristas, pareceres
afinal alicerçados numa Lei que estaria inquinada por um pecado original
de redação. Pecadilho que não terá preocupado os legisladores aquando
da discussão da Lei e erro que afinal ninguém detetou. E que ainda por
cima nem sequer pode ser corrigido.
Já não há
agora saída airosa possível. A estratégia de redução de danos para os
políticos terá de passar, inevitavelmente, por uma nova discussão da
legislação no Parlamento. Os partidos com representação na Assembleia da
República vão ter de se assumir.
E bom será que
nem venham tentar novas interpretações. Os parlamentares não têm
legitimidade para interpretar leis, pois, tendo funções legislativas,
não podem imiscuir-se em funções do poder judicial; estariam dessa forma
a violar o princípio da separação de poderes.
Chegou
a hora da verdade para os partidos. Se querem candidatar os seus
dinossauros autárquicos a um quarto mandato consecutivo vão ter de o
assumir. A estratégia de querer eternizar o poder, fingindo que o querem
renovar, falhou."
Infelizmente, a questão da interpretação e aplicação desta norma não passa pela diferença entre o "da" e o "de": a constituição portuguesa determina que qualquer norma que limite direitos seja interpretada no sentido mais restrito possível. Embora discorde em absoluto das candidaturas de autarcas a freguesias e concelhos limítrofes, parece-me que não há forma de o impedir no quadro legal vigente.
ResponderEliminarO que aqui deve suscitar indignação é a evidente mediocridade dos juristas que elaboraram um texto cuja interpretação é geradora de divergências e sujeita a polémica, numa matéria tão importante como esta.