Texto de José Eduardo Moniz hoje publicado no "Correio da Manhã"
"É indecoroso o que se passa com a eleição dos novos membros para o Tribunal Constitucional. O processo de escolha em curso só confirma que o peso partidário na instituição se torna cada vez mais indisfarçável. A questão já não é apenas conseguir que os partidos se entendam quanto a uma lista única. O problema assenta no facto de este episódio deitar por terra quaisquer veleidades que ainda existissem sobre a autonomia e independência daquele Tribunal.
Curiosamente, ainda ontem, na AR, o primeiro-ministro quis acentuar as reformas na Justiça como essenciais para as mudanças estruturais a operar na sociedade e na economia. Disse mesmo que "a Justiça tem de ser célere e estar ao serviço dos portugueses, além de dar exemplo de parcimónia". Quase humor negro na altura em que se assiste a um verdadeiro comércio de nomes em torno de interesses partidários num processo que abala a credibilidade do Constitucional e mina ainda mais o sistema judicial.
Ter a Justiça refém da política constitui uma ameaça à qualidade da democracia. No fundo, estamos perante a insistência na hipocrisia que levou à criação de um sem número de entidades e agências de supervisão supostamente independentes, mas que mais não são do que autênticos braços armados dos partidos dominantes em áreas importantes de actividade, com base num modelo que replica a proporcionalidade parlamentar. Portugal não será uma sociedade plenamente livre enquanto as coisas assim funcionarem.
Nesta semana em que se celebrou o Dia da Liberdade, quase passou despercebida uma afirmação relevante do governador do Banco de Portugal. Disse Carlos Costa que os bancos centrais estão a dar tempo aos políticos para se organizarem.
A declaração, aparentemente bondosa, traduz uma atitude paternalista e tutelar preocupante.
O sistema político não pode, ele próprio, independentemente dos erros e inépcias de governos, partidos e seus agentes, ficar refém de ninguém, muito menos da Banca e dos banqueiros, que estão longe de ser modelos de virtude e cujo contributo para a crise foi claro. No caso português, relembre-se a passividade do ex-governador Vítor Constâncio em relação aos delírios e derrapagens do consulado de Sócrates e a cumplicidade do nosso sistema financeiro com a situação que deu alimento às PPP, a projectos megalómanos como o aeroporto de Lisboa e o TGV, e a tantas outras iniciativas do género em que o interesse nacional e o privado se confundiram profusamente.
A democracia não vive em liberdade condicional. A necessidade desesperada de pôr em ordem as contas públicas não justifica tudo, nem avaliza enviesamentos que legitimem a subordinação da política ao poder económico.
Nestes tempos de incerteza, a solidez das instituições é crucial. Por isso, o que se passa com o Tribunal Constitucional não dá tranquilidade a ninguém. "
sábado, 28 de abril de 2012
Falta de decoro
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