Texto de Manuela Moura Guedes hoje publicado no "Correio da Manhã".
"As pessoas, o seu bem-estar e qualidade de vida deixaram de estar no centro das preocupações.
Há um mínimo de certezas que precisamos de ter para viver. Bem bastam os imponderáveis, os desígnios de Deus, o Destino, o que quer que seja que desfaz o que estava acertado entre a nossa vontade e a porçãozinha que nos cabe no Mundo. Não se pode viver sempre em sobressalto com regras que hoje podem já não ser as de amanhã e, no dia seguinte, com outras que poderão vir e virar de pernas para o ar a vida de quem confiou de boa-fé no Estado.
Entre ele e cada um de nós, há um contrato de direitos e obrigações mútuos. Funciona como uma empresa em que os cidadãos são os accionistas e o Governo o gestor, a quem se dá poderes e um mandato para administrar o que é de todos – o País. Mas o gestor não pode mudar unilateralmente os termos do contrato, violar sistematicamente direitos adquiridos e fundamentais. Eles são o suporte do dia-a-dia, a base para se poder planear, fazer contas e não entrar, como agora, no desespero de ver que o dinheiro com que se contava para pagar despesas essenciais já não vem. Há 30 pessoas por dia declaradas falidas pelos tribunais, 2753 entre Janeiro e Março.
Vale tudo, cortes nos salários, nos subsídios, aumentos de impostos e, como se não bastasse, a proibição de antecipar a reforma. E a coisa é feita com absoluto desnorte. Tanto dizem que não vai haver mais austeridade, como logo a seguir a descarregam desbragada para cima das vítimas do costume. A nova taxa para essa treta desse Fundo para a Segurança Alimentar vai sentir-se na ida ao supermercado, se houver dinheiro para as compras, se os sucessivos aumentos da gasolina não o impedirem... É com esta espiral quase absurda, quase obsessiva, que se acorda actualmente.
A angústia de não saber o que reserva o futuro mais próximo porque vivemos na corda bamba e tiram-nos o tapete por baixo, sem aviso... As pessoas, o seu bem-estar e qualidade de vida deixaram de estar no centro das preocupações actuais. Vivemos, trabalhamos e fingimos para "os mercados", essa coisa que depende de meia dúzia de bancos (JP Morgan, UBS, Citigroup, Barclays, Deutsche Bank, RBS e ICAP), que está acima dos países, capaz de os engolir. É o novo Deus, temido e adorado, a quem se sacrificam populações inteiras. Até quando?"
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